Peitando o etarismo

Crédito: Fast Company Brasil

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Muito bem fundamentada a reportagem da Vogue Negócios que trata da mudança de paradigma em curso na representação da mulher acima dos 40 anos na indústria da beleza. A matéria cita vários estudos e ouve distintos personagens, entre eles criadoras de conteúdo com foco na perspectiva feminina sobre uma etapa natural da vida de qualquer ser humano, mas cruelmente satanizada em se tratando das mulheres. Em contrapartida, a construção cultural reputa o homem “maduro” como um estereótipo desejável, já que, neles, cabelos brancos, rugas e até mesmo uma leve barriguinha são aspectos charmosos, enquanto nelas, são sinais de decadência a serem fortemente combatidos. 

A matéria, no entanto, apenas tangencia um aspecto pouco discutido na indústria da comunicação: o etarismo que permeia não apenas as escolhas estéticas e conceituais das campanhas, mas que orienta a composição dos times criativos das agências publicitárias. 

Em meio à crescente discussão, que tem efetivamente gerado avanços, sobre a necessidade de equipes mais diversas capazes de refletir a complexidade da sociedade dentro das estruturas das empresas criadoras das mensagens publicitárias, ainda vejo pouco espaço para a questão etária. Fato que se torna ainda mais agudo ao fazermos um recorte de gênero.

Em 15 anos de atuação em agências de publicidade, lembro de ter visto poucos criativos acima dos 45 anos nas equipes, com exceção dos líderes ou donos das agências. Normalmente, eles ocupavam “funções menores”, ou eram responsáveis pelo atendimento a contas históricas das agências, relações estáveis regidas pela lógica “em time que está ganhando não se mexe”, mas que tampouco eram considerados as estrelas da seleção, merecedores de mais atenção e prestígio por parte dos CCOs. 

o etarismo permeia não apenas as escolhas estéticas e conceituais das campanhas, mas também a composição dos times criativos das agências.

Em se tratando de criativas “maduras”, no entanto, consigo contar precisamente nos dedos de uma mão com quantas convivi do início dos anos 2000 para cá. Apenas três, nenhuma em posição de liderança. Um paradoxo e tanto quando sabemos, com base em estatísticas, que grande parte dos departamentos de marketing são compostos por mulheres.

SITUAÇÕES E AMBIENTES TÓXICOS

A presença quase ínfima de mulheres experientes em cargos que assegurem sua capacidade de incidir sobre o output criativo das agências enseja, de partida, um viés conceitual que, em pleno 2022, faz com que sejam ainda minoritárias as campanhas que primam por perspectivas mais inclusivas e dialoguem com um espectro mais amplo de audiências.

Em paralelo, perpetuam nos departamentos de criação um ambiente, no mínimo, pouco acolhedor, quando não tóxico, às profissionais 40+, mesmo depois de elas terem superado inúmeros desafios – tanto os naturalmente impostos por qualquer profissão quanto os culturalmente construídos, dentre eles o “pedágio” da maternidade, que ainda hoje tende a reduzir a velocidade com a qual as mulheres avançam no mercado de trabalho, a despeito de sua classe social. 

Para os millennials e Gen Z’s que, do conforto da sua juventude, talvez não consigam imaginar-se nesse contexto, ou para os negacionistas do sexismo, que tendem a ver como mimimi quaisquer críticas ou reclamações que desafiem seu status quo, deixo o relato em primeira pessoa de situação real que presenciei há não muitos anos: um líder criativo fazendo piada, publicamente, da recusa da única dupla de criativas maduras, numa equipe de mais de 50 profissionais, à sua proposta de que, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, elas posassem de topless para um anúncio institucional da agência, para mostrar como naquela empresa, em suposta alusão à criatividade com ousadia, as “mulheres tinham peito”.

Esse tipo de assédio moral torna qualquer organização repelente às mulheres. Mas, em se tratando das estruturas responsáveis pela publicidade que influencia comportamentos sociais e a estética, os efeitos nocivos desse tipo de conduta não ficam circunscritos aos escritórios moderninhos e supostamente progressistas das agências.


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