Ser “o diferente” pode ser desconfortável. Mas também muito poderoso

O poder da diferença: quando a diversidade gera resultados impensáveis no trabalho

Crédito: Fast Company Brasil

Kathleen Davis 6 minutos de leitura

Quando estava tentando captar verbas para a minha primeira startup, a  Jopwell, lembro de ter tido um encontro com um investidor famoso, em uma empresa muito conhecida. Eu estava nervosa, assim como meu cofundador, Ryan Williams. Quando entramos na sala da diretoria, o frio na barriga aumentou.

Assim que entramos, percebemos que éramos as únicas duas pessoas negras na sala. Como estávamos lançando uma solução de tecnologia de RH para ajudar a promover as carreiras corporativas de profissionais negros, latinos e nativos americanos, nossa preocupação era que eles não entendessem os obstáculos específicos que nossas comunidades enfrentavam.

Um dos antídotos mais importantes em ambientes profissionais onde as pessoas podem se sentir excluídas é contratar lideranças diversificadas.

Conforme avançamos na apresentação e começamos a falar sobre a importância da diversidade no recrutamento, Ryan e eu nos deparamos com olhares cada vez mais perdidos. Ficou claro que ninguém ali estava se identificando com a nossa história.

Como era de se esperar, o fato de aquelas pessoas nunca terem enfrentado as experiências e os problemas sistêmicos que mencionávamos, fazia com que a compreensão (ou empatia) fosse menos imediata. 

Essa deve ser uma situação bastante familiar para qualquer um que já se sentiu estranho em um ambiente profissional, escolar ou institucional. Chamamos isso de ser “o diferente”. Muitas vezes, um membro de grupos minoritários ou de comunidades sem a devida representatividade – mulheres, pessoas negras ou de diversos gêneros ou identidades sexuais – se percebe como sendo a única pessoa “como eles” na empresa, em uma reunião, em uma conferência ou em outros ambientes.

Ser “o diferente” em diferentes etapas da carreira

Descobri que, à medida que minha carreira progredia e atingia mais marcos de sucesso, sentia que a sensação de ser “a diferente” crescia, em vez de diminuir. Mas quando você é jovem e está no início de sua vida profissional, os sentimentos de alienação produzidos por ser “diferente” podem realmente atrapalhar.

Lembro-me de ficar nervosa em meu primeiro emprego na hora de falar em reuniões, porque saber que é a única negra em um ambiente homogêneo automaticamente aponta os holofotes para você.

apenas 25% das empresas afirmam priorizar a contratação de liderança diversificada como parte de sua estratégia de DEI.

Recentemente, conversei com Devika Bulchandani, CEO global da Ogilvy, sobre sua experiência de ser frequentemente a única mulher negra na sala. Ela se lembra de precisar “reunir a toda sua coragem” só para trazer, em voz alta, suas contribuições em uma reunião. 

Isso não é mimimi. Você consegue imaginar o tamanho desse tipo obstáculo para uma mulher de talento em início de carreira? Precisar reunir “toda” a sua coragem só para abrir a boca?

Não é assim que um local de trabalho deveria fazer com que um funcionário se sentisse, caso estivesse realmente capacitando-o.  Mas, com o passar do tempo, ela aprendeu a usar a sua identidade e experiência como “a diferente” a seu favor.

Transformando “a diferença” em uma “especialidade”

Outro sentimento que ser o “único” pode trazer é o de estar sendo usado apenas para trazer uma aparência superficial de igualdade dentro da empresa. É fácil suspeitar, em algumas indústrias e situações, que você foi trazido simplesmente para reforçar a “cota da diversidade”.

A indústria da publicidade não é exceção. Devika disse que, certa vez, foi convidada para trabalhar em uma conta e, depois de algumas reuniões iniciais, percebeu que não estava sendo aproveitada. Ela foi até a pessoa que estava no comando da conta e perguntou se tinha sido convocada realmente para contribuir ou só porque era mulher.

Segundo ela, a tática funcionou. O líder da conta se sentiu suficientemente culpado pela inclusão impensada de Devika e de seu talento. As coisas mudaram, ela começou a trabalhar com a equipe e a agência ganhou a conta.

É fácil suspeitar, em algumas indústrias e situações, que você foi trazido simplesmente para reforçar a “cota da diversidade”.

Amo essa história porque ela tem tudo a ver com minha própria experiência naquela sala de reuniões, quando estava tentando arranjar dinheiro para a Jopwell. Quando percebemos que nosso público não estava entendendo nossa história, decidimos mudar de estratégia e usar nossa posição como “os diferentes” a nosso favor.

“Nenhum de vocês nesta sala é capaz de entender de verdade a história que estamos tentando contar”, dissemos a eles. Em vez de implorar que nos entendessem, dissemos: “não há como ninguém aqui entender as provações e armadilhas de estudantes negros, latinos e nativos americanos tentando ser contratados, porque o histórico de vocês os deixa cegos para isso.”

Em lugar de nos apresentarmos como representantes da “diferença”, assumimos um lugar de voz especializada. Sabíamos que nossa credibilidade e experiência nesse sentido superavam em muito as dos que estavam na sala. Dissemos isso a eles e imediatamente invertemos a dinâmica de poder.

Logo, perceberam que não podiam deixar de nos ouvir por causa dessa lacuna de conhecimento e experiência. Ser “diferente” tornou-se, então, uma vantagem crucial no nosso posicionamento, credibilidade e na relevância da nossa proposta de solução (sim – conseguimos o capital!).

A verdadeira solução para fazer a diferença

Um dos antídotos mais importantes em ambientes profissionais onde as pessoas podem se sentir excluídas é contratar lideranças diversificadas. Ver a si mesmo refletido nos níveis mais altos da empresa, mesmo que não trabalhe diretamente para ou com aquelas pessoas, pode alterar radicalmente as expectativas e percepções sobre uma cultura de trabalho.

A liderança diversificada está diretamente relacionada à melhoria da experiência dos funcionários e da cultura da empresa.

As coisas definitivamente mudaram nos últimos 20 anos. Por um lado, as diferenças raciais estão se tornando menos gritantes. E os Estados Unidos estão atravessando um caminho onde as “minorias” raciais e étnicas ultrapassarão numericamente a população da “maioria” branca em menos de 20 anos. Então, talvez, um dia, sentir-se “o diferente” dentro de certas comunidades se torne uma experiência do passado.

Mas, enquanto isso, é importante que reconheçamos e tenhamos empatia por essa experiência. Ela pode limitar severamente o desempenho e o sentimento de pertencimento de diversos talentos profissionais. Muitos de nós aprendemos a lidar com a nossa diferença com maior controle e a nosso favor, mas todo local de trabalho deve tentar assumir a necessidade de encará-la de verdade.

Em uma pesquisa recente, apenas 25% das empresas afirmaram priorizar a contratação de liderança diversificada como parte de sua estratégia de DEI (diversidade, equidade, inclusão) – embora 65% digam que priorizam a diversidade em toda a empresa.

Essa é uma das alavancas mais imediatas e importantes a serem usadas para implementar a mudança. A liderança diversificada está diretamente relacionada à melhoria da experiência dos funcionários e da cultura da empresa, principalmente para funcionários de origens minoritárias. 

A questão principal é: se você se sente “o diferente” ou se percebe que trabalha em um local onde as pessoas se sentem assim, então seu local de trabalho e sua equipe terão pontos cegos. Sentir-se “diferente” é uma experiência difícil no nível pessoal, mas também é um sintoma de que a empresa privilegia culturas homogêneas e dominantes, e de que tenta impor uma assimilação violenta.


SOBRE A AUTORA

Kathleen Davis é editora adjunta da Fast Company. saiba mais