5 perguntas para Jairo Malta, cofundador da Corre

Crédito: Ingrid Barros

Redação Fast Company Brasil 4 minutos de leitura

Do Grajaú para o mundo, Jairo Malta leva o olhar e a voz das periferias para o Centro. O jornalista e designer escreve no blog Sons da Periferia e, desde o ano passado, é um dos líderes da Corre, consultoria voltada a suporte de projetos e organizações socioculturais, ligando-os a empresas.

O grande pulo de Malta não foi sair do bairro no extremo sul da capital paulista, mas redescobrir os fios que conectam o Grajaú a todos os outros espaços marginalizados brasileiros. Foi em uma viagem para a Amazônia, junto com o projeto CreatorsAcademy, que trouxa a mudança de perspectiva para o pesquisador.

Quando viu a comunidade de Tumbira, localizda a quatro horas de Manaus, Jairo percebeu que havia muito mais similaridades com a realidade hiperurbana do Grajaú do que se podia imaginar.

“Ver outras formas de periferia me fez entender que, independentemente do território, os problemas da marginalização do indivíduo são os mesmos”, diz Malta, nesta entrevista à Fast Company Brasil.

A Corre veio como consequência. Atualmente, ela se dedica a conectar grandes empresas com projetos nascidos em periferias. Além disso, o grupo atua como articulador do tema sustentabilidade, ocupando espaços em eventos como a COP28 e a Brazil Climate Summit, em Nova York. 

FC Brasil – O IBGE voltou a usar o termo “favela” no Censo após 50 anos. Na sua visão, como criador da Corre e da Conferência Nacional das Favelas, qual a importância e o significado desta decisão?

Jairo Malta – É, de fato, um marco histórico para a população favelizada. Um reconhecimento da existência das favelas enquanto dados que resultam em políticas públicas, leis e atribuições governamentais. Isso, enquanto estado e movimento popular, é uma conquista mínima, mas vale a comemoração.

periferia é periferia em qualquer lugar, seja em Dubai ou no Capão Redondo. É gente pobre, mas poderosa.

Não usar os termos corretos, além do preconceito incrustado que vem da elite acadêmica, dificulta o trabalho em larga escala de organizações de ajuda humanitária, por exemplo, que não têm acesso às comunidades e que baseiam seus serviços em dados coletados pelo instituto de estatística oficial do país.

FC Brasil – Conhecer a Amazônia foi uma experiência que te inspirou a criar a Corre. Como isso se conectou com o seu trabalho? Como a Amazônia transformou suas decisões?

Jairo Malta – Quando pisamos em um território energizado como o da Amazônia, não tem como não sair de lá diferente. Acho que cada um, de formas diferentes, se conecta intrinsecamente com o que te faz pertencente a um povo ou um movimento.

No meu caso, é a periferia. Ver outras formas de periferia me fez entender que, independentemente do território, os problemas da marginalização do indivíduo são os mesmos. Saí de lá disposto a mudar minha trajetória, ou melhor, impulsionar ainda mais o que eu já fazia antes, mesmo que timidamente: apoio aos movimentos de base periférica. Daí nasceu a Corre.

FC Brasil – A Corre faz consultoria de ESG para empresas. Como ela atua e quais resultados está colhendo?

Jairo Malta – Temos o privilégio de andar pelos cantos mais remotos do país e transformar nossas vivências e histórias em dados e projeções de tendências.

Seja em relação a políticas públicas ou mercado de consumo, nossas pesquisas nos dão moral suficiente para falar e encaminhar as melhores estratégias de como trabalhar mais de perto com as periferias brasileiras de uma forma horizontal e de forma que todos sejam beneficiados.

Isso no ambiente de trabalho empresarial convencional, em projetos sociais ou em eventos de grandes proporções. O trabalho da Corre é transformar esses momentos em valorização do indivíduo periférico.

FC Brasil – Você é um dos responsáveis pelo festival Psica, que leva uma agenda intensa de 50 shows em três dias em Belém do Pará. Como se deu o crescimento deste festival?

Jairo Malta – Como relações públicas do principal festival da Amazônia, meu trabalho é apresentar o evento ao mundo. O Psica existe há 11 anos, mas foi nos últimos quatro que tudo mudou, quando a gente entendeu que não tem como explicar para as marcas o que significa "Psica".

Crédito: Divulgação

Nossa sacada foi reservar uma parte do orçamento para levar diretores de marketing e pessoas que tomam decisões ao Pará e apresentar a maior experiência da vida deles em um festival. E deu certo. No último ano, o Psica foi o festival de música do Norte que mais captou recursos, além de ter ganhado projeção nacional.

FC Brasil – A Corre participa de eventos internacionais, como a COP e a reunião do G20, levando a visão e a representatividade periférica para esses espaços. Qual o caminho para conectar a agenda global e a necessidade das periferias?
Jairo Malta – “Eu sou porque nós somos”. Essa filosofia africana é real, não é balela. Se eu alcançar um espaço, seja em uma comunidade ou em um evento da ONU em Nova York, pode ter certeza de que, no ano seguinte, vou com mais dois, e no outro, levo quatro ou oito.

O que quero dizer é que a Corre teve a oportunidade de aprender com outros que fizeram o mesmo trajeto e com pessoas que abriram suas agendas e nos deram contatos muito influentes.

Quando chegamos potentes, com vozes fortes nesses eventos, é aí que as coisas começam a mudar. Porque escalamos até lá, mostramos nossa potência e força. Agora terão que nos ouvir, trabalhar com a gente e nos ver cada vez maiores e mais volumosos.

O foco é: periferia é periferia em qualquer lugar, seja em Dubai ou no Capão Redondo. É gente pobre, mas poderosa.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Conteúdo produzido pela Redação da Fast Company Brasil. saiba mais