Um antídoto para cancelar a cultura do cancelamento

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Greg Lukianoff e Rikki Schlott 3 minutos de leitura

Acredite ou não, nem Greg nem eu somos fãs do termo “cultura do cancelamento”. Ele tem sido bastante explorado e mal interpretado, mas concordamos em utilizá-lo por uma razão simples: é uma expressão amplamente conhecida, e usar termos que não se conectam com o público geral seria um desperdício de tempo.

Definimos a cultura do cancelamento como o aumento mensurável, que começou por volta de 2014, de campanhas para demitir, expulsar ou punir, de alguma forma, pessoas por discursos que são (ou seriam) protegidos pela liberdade de expressão.

Apesar do que muitos possam dizer, esta é uma realidade e está acontecendo em uma escala histórica. Em seus 22 anos defendendo a liberdade acadêmica na Fundação pelos Direitos Individuais na Educação (FIRE, na sigla em inglês), Greg testemunhou isso em primeira mão inúmeras vezes. Aqueles que negam sua existência estão escolhendo fechar os olhos para a realidade.

EVITANDO DISCUSSÕES

A cultura do cancelamento livra as pessoas da obrigação de refutar ideias de que não gostam, pois permite atacar o indivíduo que as apresenta. É uma tentativa de evitar a responsabilidade de se envolver em debates de maneira significativa, substancial e intelectual.

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O cancelamento é tão comum porque é eficaz. Ele serve de exemplo para qualquer pessoa que seja alvo. Cancelar alguém torna mais provável que ninguém mais se atreva a seguir o mesmo caminho.

A ameaça iminente de ser cancelado cria uma cultura de medo e conformidade. É uma maneira extremamente eficaz de silenciar vozes dissidentes, algo que percebi como estudante universitária há apenas alguns anos.

Pouquíssimas pessoas ousavam desafiar os pontos de vista predominantes no campus. Foi só depois que comecei a compartilhar publicamente minhas opiniões que percebi quantas pessoas estavam sendo silenciadas. Inúmeras delas entraram em contato para dizer: “concordo com você e obrigado por dizer isso, mas por favor, não conte a ninguém que tivemos esta conversa”.

A FORTALEZA RETÓRICA PERFEITA

Tanto a esquerda quanto a direita praticam suas próprias formas de cultura do cancelamento e têm seus próprios métodos disfuncionais de argumentação. Utilizamos a metáfora das fortalezas retóricas para descrever como cada lado se blinda de argumentos inconvenientes.

A cultura do cancelamento livra as pessoas da obrigação de refutar ideias de que não gostam, pois permite atacar o indivíduo que as apresenta.

A versão da esquerda é chamada de “fortaleza retórica perfeita” – uma série de barreiras que protegem quem está dentro de ter que se argumentar contra alguém, excluindo o interlocutor com base em atributos pessoais.

A primeira barreira permite ignorar qualquer pessoa conservadora, independentemente do que ela tenha a dizer. Em seguida, vêm camada após camada de barreiras demográficas. O interlocutor é branco? Heterossexual? Cisgênero? Todas essas características podem ser usadas para evitar levar em conta pensamentos divergentes.

A fortaleza retórica perfeita é uma forma extremamente eficaz de ignorar qualquer ideia que desafie seu próprio ponto de vista. Infelizmente, ela nos impede de debater as visões de mundo uns dos outros ou, melhor ainda, encontrar pontos em comum.

A FORTALEZA RETÓRICA EFICIENTE

Apelidamos a versão da direita de “fortaleza retórica eficiente” porque, bem, é muito mais eficiente e muito menos elaborada. Aqueles que estão dentro da fortaleza da direita se protegem com apenas algumas barreiras.

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Se um indivíduo é progressista, especialista em algo ou jornalista, simplesmente não vale a pena ouvi-lo. Se houver qualquer sinal de “militância”, então acabou.

Alguns conservadores que conhecemos pessoalmente já foram chamados de “militantes” por se desviarem, mesmo que um pouco, das ideias da direita ortodoxa atual.

Alguém que admita que há problemas nas condutas policiais, por exemplo, ou que negue que a eleição foi roubada pode ter imediatamente sua carteirinha de conservador revogada e ser completamente ignorado.

Este é o objetivo das fortalezas retóricas. Elas permitem atacar o oponente e “vencer” o debate sem precisar argumentar.

COMO RESISTIR

A cultura de liberdade de expressão é o antídoto para a cultura do cancelamento. É uma solução simples, porém, muitas vezes difícil na prática. Trata-se de se comprometer com a verdade, evitar a saída fácil dos ataques ad hominem e focar no argumento, não na pessoa. Dessa forma, podemos ter debates construtivos sobre questões controversas e aprender uns com os outros.

Todos nós devemos fazer a nossa parte para ajudar a manter uma cultura de liberdade de expressão. Se formos complacentes, podemos sucumbir às forças que constantemente trabalham contra a manutenção de uma sociedade livre.


SOBRE O AUTOR

Greg Lukianoff é advogado e presidente da Fundação pelos Direitos Individuais na Educação (FIRE). Rikki Schlott é jornalista, comentar... saiba mais