Pra que dark web se há TikTok?

Regulamentação da internet e reformas de redes sociais se fazem urgentes

Crédito: Mikkel William/ iStock

Juliana de Faria 4 minutos de leitura

Ao nos aventurarmos pela vastidão da internet, entramos em um mundo repleto de contrastes. Como esquecer a marcante frase de Charles Dickens em "Um Conto de Duas Cidades": "foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos"?

Essa dualidade está mais presente do que nunca em nossa experiência online. Enquanto nos maravilhamos com as inovações que a rede nos oferece, também precisamos enfrentar seus horrores. 

O que talvez não percebamos é que esse esgoto de informação violenta e extremista está mais próximo do que imaginamos. Não é mais necessário ser um especialista nos cantos mais obscuros da deep web para encontrar conteúdos perturbadores.

Isso é o que revela a pesquisa Algoritmos, Violência e Juventude no Brasil, conduzida pelo Instituto Think Twice Brasil e divulgada na quarta-feira (20 de março). 

A organização de impacto social, dedicada a promover a educação para a paz e os direitos humanos, realizou uma pesquisa sobre o uso do TikTok e fez descobertas chocantes.

Sim, você leu corretamente: a plataforma conhecida por suas danças engraçadas, memes irresistíveis e popularidade entre crianças e adolescentes revelou-se uma porta de entrada fácil para o que costumava estar escondido nas partes mais tenebrosas, ocultas e frequentemente ilícitas da internet.

Um em cada quatro jovens relatou que o conteúdo violento o motivou a atacar outras pessoas, seja fisicamente ou verbalmente.

O estudo realizou testes para entender o sistema de recomendação algorítmica e quão facilmente entregaria postagens violentas. Veja um exemplo:

"Após 12 dias ‘curtindo’ vídeos com conteúdo discriminatório e vexatório e seguindo contas que compartilharam tais vídeos, os algoritmos do TikTok começaram a recomendar vídeos com apelos ainda mais explícitos à violência. O primeiro vídeo mostrou uma sequência de imagens de crianças assassinadas com requintes de crueldade. Desde o 12º dia de análise até o 30º, os algoritmos recomendaram praticamente diariamente partes de vídeos filmados por indivíduos enquanto torturam suas vítimas antes de matá-las."

E isso realmente tem chegado aos jovens tão facilmente quanto um e-mail. Um grupo de 216 pessoas, entre 13 e 24 anos, sendo quase metade com idades entre 13 e 16 anos (41,2%), trouxe verdades dolorosas de ler: 84,3% deles já teve acesso a conteúdo violento, discriminatório ou perturbador em suas redes sociais.

Fonte: Think Twice Brasil

Alarmantemente, 26,4% relataram que o conteúdo violento os motivou a atacar outras pessoas, seja fisicamente ou verbalmente. Estes resultados ecoam uma necessidade urgente de repensar a regulação da internet diante dos desafios contemporâneos.

Essas vivências online criam um processo de dessensibilização dos jovens aos conteúdos violentos.

“A infância e a juventude são um momento de vida em que as pessoas estão compreendendo padrões de comportamento e essa compreensão se dá por meio da observação contínua, da assimilação, da repetição”, afirma Gabriele Garcia, fundadora e diretora executiva do Think Twice Brasil.

é a urgente necessidade de regulamentação da internet, mas também é imperativo repensarmos o próprio modelo das empresas de redes sociais.

“A partir do momento que eles passam a consumir conteúdo nas redes sociais que pautam novas formas de se comportar e se relacionar, isso se transforma em parte de seus repertórios. E é grave porque, se antes estavam limitadas às experiências de violência dos seus contextos pessoais, agora as redes abriram um leque de opções de violências de todas as ordens de forma irrestrita.” 

Tudo isso se mostra ainda mais assustador, pois não se trata de uma situação em que os usuários do TikTok podem esco- lher o que vêem. Pelo contrário, somos catapultados para esse tipo de postagem, sem nem ter a oportunidade de refletir se estamos aptos ou maduros o suficiente para assistir tal cena.

Fonte: Think Twice Brasil

“Nosso estudo também sinaliza para o impacto negativo disso na saúde mental de pessoas adultas”, diz Gabriele. “Eu, como coordenadora da pesquisa, ao entrar em contato com as publicações citadas, tive sintomas relacionados à ansiedade e nervosismo.”

Na jornada de estudo, a pesquisadora se deparou com o burnout dos próprios times de moderação das plataformas, que enfrentam problemas devido à exposição contínua a esses conteúdos.

O retrato angustiante da pesquisa do Think Twice Brasil nos leva a uma questão que vem rondando debates on e off-line, ainda com muitos tabus e informações frágeis: a urgente necessidade de regulamentação da internet, sim.

Mas não só: é imperativo repensarmos o próprio modelo dessas empresas de redes sociais, já que são idealizadas dentro de um sistema de manter o usuário cada vez mais tempo preso a esses serviços.

“Os direitos humanos não são negociáveis e a lógica compensatória adotada por algumas plataformas não pode ser aceita”, reforça Gabriele.


SOBRE A AUTORA

Juliana de Faria é jornalista, escritora e pós graduada em neurociência e comportamento. Está à frente do Estúdio Jules, consultoria c... saiba mais