Um único coro
Muito breve, o foco ficará menos no resgate das vítimas da enchente no Rio Grande do Sul e mais na revitalização econômica do estado
Em 2005, os Estados Unidos enfrentaram um dos seus maiores desafios climáticos quando o furacão Katrina invadiu o Golfo do México e devastou completamente o estado da Luisiana, deixando mais de um milhão de desalojados. Algumas estimativas falam de um total de 90 cidades atingidas.
Segundo artigo publicado em 2006 no PNAS, journal da National Academy of Sciences, as perdas monetárias na região foram da ordem de US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões. Talvez o mais impressionante seja a reportagem do Environmental And Energy Study Institute, de 2019: "Quatorze anos depois, New Orleans segue tentando se recuperar".
Estamos em 2024 e, agora, o ponto focal é o Rio Grande do Sul. Em publicação da BBC Brasil, até a manhã da última segunda-feira (13 de maio), o estado já computava mais de dois milhões de pessoas afetadas em 447 municípios. Fazendo uma regra de três básica, é possível imaginar quanto tempo levará para a sua total reconstrução econômica.
O entendimento deste cenário é desafiador para quem mora fora da região. Por mais empáticos e solidários que os brasileiros sejam neste momento vulnerável, ainda se percebe uma grande dificuldade, para quem vive além-Mampituba, de captar a dimensão do estrago.
Digo isso por testemunhar convites sui generis nos últimos dias. Situações que até mereceriam um exposed. Mas, em um momento tão delicado, prefiro empregar minha energia para coisas boas. Além de poupar o seu estômago.
O fato é que essas histórias não têm sido raras ao meu redor. Como praticamente trabalho só para empresas de São Paulo e exterior, vivo num paradoxo emocional. Nas reuniões remotas (as que consigo encaixar nas atuais circunstâncias), há uma certa normalidade enquanto, olhando pela janela, vejo o ar pesado.
Ainda sinto muitas figuras importantes do centro do País (guardadas as devidas proporções) agindo como dublês de Sandra Hüller – protagonista do filme "Zona de Interesse", de Jonathan Glazer. A vida segue sua rotina enquanto a tragédia acontece ao lado.
Felizmente, também existe o contrário: seres humanos que, mesmo longe, mesmo sem nenhuma relação com os gaúchos, demonstram um profundo grau de consideração. Uma das imagens que mais me emocionou foi a torcida do Atlético Mineiro que, em treino aberto ao público, fez homenagens e superlotou caminhões com donativos. Isso nos enche de esperança.
Por sinal, a Paula Englert, CEO da Box1824, falou muito bem do assunto na sua coluna. Esperançar não é esperar. Esperança é agir. Sugiro a leitura. Sugiro a ação.
se você tem relação com empresas gaúchas, pense em como abraçá-las. Se não tem, considere ter.
Todo esse grande preâmbulo é para entendermos que, em muito breve, o Rio Grande do Sul mudará de status. O foco ficará menos no resgate e no acolhimento de vítimas e migrará para a revitalização econômica do estado.
Então, uso este espaço, gentilmente cedido pela Fast Company Brasil, para sensibilizar quem está longe. Falo diretamente com todos aqueles que querem colaborar mas que, em virtude da distância, obviamente não conseguem subir em botes ou servir refeições em abrigos.
Algumas sugestões bem práticas: se você tem relação com empresas gaúchas, pense em como abraçá-las. Tente priorizar o envio de matéria-prima. Tente abonar os juros da dívida que ela tem com você. Tente antecipar os pagamentos que seriam feitos em parcelas.
Ao mesmo tempo, uma sugestão para quem não tem relação com empresas gaúchas: considere ter. Considere colocá-las no seu rol de fornecedores. Especialmente as micro e pequenas.
Aproveito também esse espaço, que cativa uma audiência interessada em inovação, para convocar voluntários em direção ao movimento que estamos organizando. Independentemente das ações que fizemos como pessoas físicas e das doações que fizemos pelo nosso CNPJ, era preciso esperar menos e esperançar mais.
Pois foi esse esperançar que nos mobilizou a criar o maior mapa de futuros para a reconstrução do RS. Força-tarefa que já foi publicada nas nossas redes sociais e que teve aceitação praticamente unânime.
O engajamento extrapolou completamente qualquer expectativa. No exato momento em que escrevo este parágrafo, 200 voluntários receberam um e-mail para iniciarmos, juntos, a primeira missão. Esse mapa sairá do papel em tempo recorde e chegará à alta cúpula do governo em poucos dias. Podem me cobrar.
Particularmente, me dói imaginar que o Rio Grande do Sul possa precisar dos mesmos 14 anos que a Luisiana para voltar a ser o que era antes.
Mas, se você estiver junto, a gente vira esse jogo. E vira esse jogo muito antes de o juiz apitar o final da partida. Em um estádio lotado. Não só com a torcida do Galo, mas com todas as torcidas do Brasil. Todas, entoando um único coro, em prol de um futuro melhor.