Como a inteligência artificial ajudaria a combater o trabalho escravo

Novos métodos de detecção alimentados por IA poderiam dar um impulso em termos de precisão e eficiência no combate ao trabalho escravo

Crédito: Fast Company Brasil

Abhishek Ray e Kayse Lee Maass 4 minutos de leitura

O combate ao trabalho escravo continua sendo um grande desafio nas cadeias de suprimentos globais. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, em 2021, cerca de 27,6 milhões de pessoas foram submetidas a trabalho forçado em todo o mundo – aproximadamente dois terços delas foram exploradas na economia privada.

Mas há boas notícias no âmbito tecnológico. Novos métodos de detecção alimentados por inteligência artificial poderiam dar um impulso muito necessário em termos de precisão e eficiência ao combate ao trabalho escravo. No entanto, para aproveitar todo o potencial dessas ferramentas, serão necessários níveis sem precedentes de colaboração entre empresas, ONGs e pesquisadores.

Veja o caso da indústria pesqueira. As frotas frequentemente recorrem a práticas de trabalho exploratórias para atender à crescente demanda global por frutos do mar. E o tráfico de mão de obra nessa indústria se aproveita de condições que tornam essas práticas difícil de detectar, como o fato de que grande parte da pesca ocorre em águas internacionais, onde as jurisdições são confusas.

Em 2021, um grupo de pesquisadores desenvolveu um modelo de aprendizado de máquina para avaliar a probabilidade de um navio de pesca estar envolvido em tráfico de mão de obra. Utilizando imagens de satélite marítimo juntamente com indicadores de risco, os pesquisadores afirmam que o modelo identifica padrões comportamentais associados ao trabalho forçado com mais de 92% de precisão.

É importante ressaltar que as previsões de risco do modelo não são evidências definitivas de atividades criminosas. Em vez de eliminar a necessidade de investigações adicionais, esses alertas são destinados a ajudar as autoridades a alocar recursos de forma mais eficaz. O algoritmo evita o desperdício de recursos valiosos destinados ao combate ao tráfico.

Além disso, o aprendizado de máquina pode ser aprimorado com a ajuda de outros algoritmos. Por exemplo, em um estudo utilizando dados do Global Fishing Watch (GFW), uma organização especializada em análise de dados e visualização para pesca sustentável e ética, usamos modelos de otimização matemática para determinar quais locais deveriam ser inspecionados.

Crédito: aopsan/ Freepik

Testamos nosso algoritmo nos dados do GFW e descobrimos que, se ele estivesse disponível entre 2012 a 2018, o Global Fishing Watch poderia ter identificado um número maior de atividades reais de tráfico e perdido menos tempo com falsos negativos e falsos positivos, que acabam desperdiçando recursos.

Os resultados demonstraram a necessidade de constante aprimoramento nos sistemas de IA de combate ao tráfico, especialmente quando os dados apresentam vieses.

Obtivemos resultados semelhantes com a Love Justice International, uma ONG que monitora pontos de trânsito em busca de sinais de tráfico humano. Para ser o mais eficaz possível, a organização precisa decidir onde alocar seu número limitado de trabalhadores entre as dezenas de estações de monitoramento em todo o mundo.

Ao combinar uma solução de aprendizado de máquina com nosso modelo, pudemos refinar as previsões algorítmicas, fornecendo informações mais precisas para basear as decisões de alocação.

TECNOLOGIA COMO SUPORTE A AÇÕES EFETIVAS

Embora ainda sejam tecnologias emergentes, os resultados promissores sugerem que o potencial das soluções de IA e otimização matemática no combate ao tráfico humano está apenas começando a ser explorado. Mas as abordagens tradicionais também precisarão se adaptar às rápidas mudanças tecnológicas.

Por exemplo, ativistas têm defendido há muito tempo a divulgação obrigatória de informações sobre as cadeias de suprimentos por parte das empresas. Essa campanha pró-transparência tem obtido algum sucesso, como a aprovação da Lei de Escravidão Moderna do Reino Unido e da Lei de Transparência nas Cadeias de Suprimentos da Califórnia. Mas ainda é cedo para avaliar completamente o impacto dessas leis. 

O impacto real das exigências de divulgação depende da capacidade dos governos de criar e aplicar legislações efetivas, bem como de convencer o setor privado de que mais transparência não compromete sua vantagem competitiva.

Crédito: Freepik

Prevemos que futuras divulgações ocorrerão em dois níveis. Informações gerais alinhadas com áreas de interesse público (como o número de fornecedores que passaram por auditorias antitráfico ou que se comprometeram a seguir um código de conduta) poderiam e deveriam ser divulgadas o mais amplamente possível, em conformidade com a legislação.

Enquanto isso, dados mais detalhados – como o nome e a localização dos fornecedores – poderiam ser compartilhados apenas com equipes de pesquisadores e ONGs para compor conjuntos de dados para modelos de IA que ajudem a orientar os esforços de combate ao tráfico.

Embora esse tipo de estratégia envolva muitos desafios para os pesquisadores, o potencial das parcerias triangulares em torno da IA e da otimização matemática torna essas colaborações estratégicas essenciais. Empresas, reguladores, pesquisadores e ONGs precisam começar a se preparar para essa missão multilateral o quanto antes.


SOBRE O AUTOR

Abhishek Ray é professor assistente de sistemas de informação na Universidade George Mason. Kayse Lee Maass é professora assistente de... saiba mais