7 grandes “brechas” no acordo sobre o clima firmado na COP28

Mesmo assim, ativistas acreditam que ele é uma ferramenta importante na luta contra as mudanças climáticas

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Adele Peters 5 minutos de leitura

Após 28 anos de cúpulas globais sobre o clima, 198 países finalmente reconheceram a principal fonte do problema: os combustíveis fósseis. Na COP28 em Dubai, negociadores assinaram um acordo que reconhece, pela primeira vez, a necessidade de "transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa".

Muitos chamaram o acordo de histórico, incluindo o presidente da conferência deste ano, Sultan al-Jaber, que também é o chefe de uma das maiores empresas de petróleo do mundo. No entanto, cientistas do clima, ativistas e líderes de nações insulares que enfrentam o risco de desaparecer devido ao aumento do nível do mar afirmam que o acordo não vai longe o suficiente.

“Eu descreveria o resultado da COP28 como um passo na direção certa", diz James Dyke, cientista de sistemas terrestres e diretor assistente do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter. "Mas, infelizmente, após décadas de atraso, o que precisamos agora são grandes saltos. O fato de estar sendo considerado como um resultado marcante, para mim, apenas demonstra o quão disfuncional tem sido todo o processo da COP.”

Embora o acordo mencione o objetivo de acelerar as ações nesta década e atingir zero líquido até 2050, ele não entra em detalhes.

O acordo não é obrigatório, do ponto de vista legal. Espera-se que os países o usem para moldar seus próprios planos de ação climática, mas o próprio acordo não os obriga a agir. O texto também está cheio de brechas.

Ele afirma que "os combustíveis de transição podem desempenhar um papel" na transição energética – o que as empresas de combustíveis fósseis vão interpretar como permissão para continuar perfurando e queimando gás natural.

O gás "natural" é um grande problema para o clima, em parte porque o metano, seu principal componente, retém cerca de 80 vezes mais calor na atmosfera do que o CO2 a curto prazo.

FIM DOS SUBSÍDIOS

O acordo também pede o fim gradual dos subsídios "ineficientes" aos combustíveis fósseis que "não levam em conta a pobreza energética", em vez de pedir que eles sejam suspensos definitivamente.

Ou seja, parece deixar espaço para subsídios se estiverem ajudando consumidores que não têm acesso confiável à energia, embora essas necessidades também possam ser atendidas por fontes limpas.

Na questão da redução do uso de carvão, o acordo deixa brecha para que as usinas que utilizam esse tipo de combustível, mas que façam captura de carbono possam continuar operando.

Atualmente, de mais de 2,4 mil usinas de carvão em todo o mundo, apenas três instalações de captura de carbono estão em operação, e a tecnologia tem lutado para crescer. O único projeto desse tipo nos EUA fechou por três anos, após numerosas falhas, e só reabriu recentemente.

Crédito: Fast Company Brasil

Mais de 100 países na conferência climática também pressionaram por uma "eliminação" dos combustíveis fósseis, mas os críticos argumentam que a linguagem final sobre "transição" é mais ambígua.

Embora o acordo mencione o objetivo de acelerar as ações nesta década e atingir zero líquido até 2050, ele não entra em detalhes.

O texto sobre a transição dos combustíveis fósseis apenas menciona produção de energia, ignorando agricultura e produção de plástico, que também usam enormes quantidades de combustíveis fósseis. Reconhece a necessidade de financiamento para ajudar os países mais pobres a descarbonizar, mas não apresenta um plano concreto.

A linguagem fraca pode ter consequências reais. "Com cada expressão vaga, cada promessa vazia no texto final, milhões de pessoas entrarão na linha de frente das mudanças climáticas, e muitas morrerão", disse a cientista do clima Friederike Otto, cofundadora do grupo World Weather Attribution.

"Com 1,2°C de aquecimento, já estamos vendo impactos climáticos devastadores que perturbam as economias, destroem meios de subsistência e tiram vidas”, completou.

AVANÇO, APESAR DE TUDO

Mesmo assim, o fato de uma "transição" para longe dos combustíveis fósseis ter sido incluída é uma conquista – grandes produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, fizeram um forte lobby contra qualquer menção aos combustíveis fósseis, e o rascunho mais recente do acordo era muito mais fraco.

O acordo pede claramente o triplo da produção de energia renovável até 2030, algo que pode já estar a caminho de acontecer. Também pede o dobro das melhorias na eficiência energética, a aceleração de tecnologias de emissão zero e baixa emissão, e a "redução substancial" das emissões de metano até 2030.

O acordo pede o fim gradual dos subsídios "ineficientes" aos combustíveis fósseis que "não levam em conta a pobreza energética".

O ativista Bill McKibben argumenta que os ativistas climáticos podem usar a linguagem sobre uma transição para longe dos combustíveis fósseis como uma ferramenta para lutar por ações em seus próprios países.

“Cada vez que alguém propuser um novo oleoduto, um novo campo de petróleo, o que quer que seja, ativistas em 200 países poderão dizer 'espere um minuto, você disse que era hora de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis'", diz ele.

Nos Estados Unidos – um dos maiores poluidores do mundo e onde o governo permitiu uma rápida expansão de petróleo e gás –, McKibben argumenta que o foco principal deve ser nas exportações de gás natural liquefeito.

Os EUA se tornaram o maior exportador mundial de GNL no ano passado; as exportações dobraram nos últimos quatro anos e estão a caminho de dobrar novamente. Os projetos em construção ou planejamento poderiam emitir mais de 90 milhões de toneladas de CO2 por ano, ou tanto quanto 20 novas usinas de energia a carvão.

Os ativistas podem usar o acordo da COP28 para pressionar a administração Biden a pausar as aprovações de novas instalações. “Parar isso não seria apenas um grande passo, seria um sinal extraordinário para o resto do mundo de que realmente cumprimos o que dissemos", diz McKibben.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais