As mudanças climáticas não vão destruir nosso mundo. Vai ser bem pior

Ativistas climáticos tendem a usar uma linguagem apocalíptica quando falam sobre o futuro. Mas eles estão abordando o problema de forma equivocada

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Brian Kateman 4 minutos de leitura

No mês passado, ativistas climáticos interromperam uma apresentação de “Um Inimigo do Povo”, uma peça do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen que estava em pré-estreia na Broadway, em Nova York – estrelada por Jeremy Strong, de “Succession”, e Michael Imperioli, de “Família Soprano”. A mensagem que queriam passar, resumidamente, era: “não há teatro em um planeta morto”.

A peça conta a história de um médico que identifica uma ameaça ambiental para a saúde de sua comunidade, mas enfrenta forte reação quando tenta alertar sobre o problema.

O protesto reconhecia isso. Um dos manifestantes interrompeu o espetáculo dizendo “me oponho ao silenciamento de cientistas”, traçando um paralelo claro entre o personagem do médico e os muitos cientistas climáticos que lutam para chamar a atenção para as questões ambientais.

Depois de se desculpar pela interrupção, o manifestante passou a destacar os efeitos que as mudanças climáticas já estão tendo no meio ambiente – particularmente como o aumento do nível do mar acabará inundando a própria cidade de Nova York – antes de ser escoltado para fora à força.

Os ativistas, um grupo chamado Extinction Rebellion NYC, claramente conseguiram ser ouvidos. O evento recebeu o apoio do elenco e atraiu a cobertura da mídia. Strong até se pronunciou como seu personagem enquanto tudo acontecia, dizendo aos seus colegas para “deixá-lo falar”. Depois que a apresentação acabou, Imperioli postou no Instagram apoio à missão do grupo.

REPENSANDO A MENSAGEM DA MUDANÇA CLIMÁTICA

Como alguém que também está profundamente preocupado com o clima, é claro que apoio a missão geral do Extinction Rebellion, bem como sua tática de interromper a vida cotidiana para chamar a atenção do público para questões urgentes. Minha crítica está na mensagem – não é um “planeta morto” que deveríamos temer. É algo pior.

A retórica do “planeta morto” talvez seja mais prejudicial ao movimento do que útil. A linguagem sugere que estamos caminhando para um momento em que a Terra se tornará completamente inabitável. Mas uma extinção em massa provavelmente não é o que vai acontecer – pelo menos, não durante nossas vidas. A realidade mais provável é um planeta muito vivo e cheio de sofrimento.

Provavelmente, haverá vida na Terra por muito tempo – e deveríamos estar preocupados com a qualidade dessas vidas. A temperatura global vai subir, muitas áreas costeiras serão inundadas e haverá cada vez mais eventos climáticos extremos.

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Deveríamos entender que a humanidade não vai morrer antes que as coisas piorem: muitas pessoas estarão vivas e serão forçadas a suportar as condições que nossa espécie criou.

E provavelmente não serão os frequentadores de teatro que serão os mais afetados – serão os mais vulneráveis, incluindo pessoas com deficiências, a população negra e os mais pobres.

Condições climáticas extremas podem destruir comunidades inteiras, matando muitos e forçando os sobreviventes a migrar para outros lugares. Sem mencionar o fato de que será mais difícil acessar recursos para as necessidades básicas da vida.

Precisamos nos preparar para um futuro real que é mais sombrio do que a extinção instantânea.

Em todo o mundo, é provável que enfrentemos escassez de alimentos devido aos efeitos cada vez mais devastadores das mudanças climáticas na agricultura.

Pessoas ricas em países ricos provavelmente continuarão protegidas desses efeitos, pelo menos por um tempo. Mas esses eventos extremos já estão acontecendo e só vão piorar para aqueles que já estão sofrendo com eles.

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Entendo o impulso de usar uma linguagem que transmita um senso de urgência ao discutir a crise climática. É difícil exagerar o quão terrível a situação está e como provavelmente ficará. Mas dizer “o mundo vai acabar” é uma maneira imprecisa e enganosa de resumir as crises reais que podemos vivenciar, e isso prejudica a credibilidade do movimento.

Em um momento no qual muitos ainda negam as mudanças climáticas, ou que elas sejam causadas pela atividade humana, a última coisa que precisamos é ser vistos como simples pessimistas ou alardeadores do caos que não devem ser levados a sério.

Por outro lado, há muitos que acreditam que os efeitos são tão inevitáveis que é inútil fazer qualquer coisa a respeito. A retórica apocalíptica só vai alimentar esse sentimento de desesperança, desestimulando qualquer tipo de ação.

haverá vida na Terra por muito tempo, e deveríamos estar preocupados com a qualidade dessas vidas.

Protestar é eficaz, especialmente quando interrompe a vida e o lazer daqueles que estão mais confortáveis na sociedade. Só precisamos ter cuidado com as palavras que usamos e permanecer fiéis aos fatos.

O planeta não vai explodir como um balão. Não haverá um “dia do juízo final”. Precisamos nos preparar para um futuro real, que é, sem dúvida, mais sombrio do que a extinção instantânea.

Provavelmente, mesmo com as mudanças climáticas, o mundo não deixará de existir. Em vez disso, as pessoas e os animais que nele vivem enfrentarão consequências terríveis.


SOBRE O AUTOR

Brian Kateman é cofundador e presidente da Reducetarian Foundation, organização sem fins lucrativos dedicada a reduzir o consumo de ca... saiba mais