A população chinesa está encolhendo – e a competitividade do país também

James Liang, autor e fundador da Trip.com, faz um alerta e pede novas políticas governamentais que incentivem famílias maiores na China

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Ted C. Fishman 5 minutos de leitura

A China é hoje um gigante da tecnologia, em grande parte devido ao seu tamanho. O país conta com a maior população de jovens talentos no setor de tecnologia, todos eles potenciais inovadores. Mas sua população envelhecida e em declínio está em vias de cair pela metade até 2100, enquanto se prevê que a idade média aumentará em 18 anos, indo de 39 para 57.

Embora a tendência de envelhecimento e redução populacional seja comum em países industrializados, na China, isso está ocorrendo em um ritmo mais acelerado. Com isso, o domínio em inovação chinês pode estar chegando ao fim, segundo James Liang, um dos principais empresários do setor de tecnologia do país.

Na China, os trabalhadores costumam se aposentar aos 60 anos, mas, nas regiões urbanas mais ricas, a expectativa de vida ultrapassa os 83 anos.

Doutor em economia pela Universidade de Stanford e fundador, presidente e ex-CEO da Trip.com (um dos maiores serviços de viagens online do mundo), Liang escreveu quatro livros argumentando que a preservação do potencial inovador da China depende de famílias maiores, que há décadas são limitadas pela política oficial do governo.

Ao longo dos últimos 40 anos, à medida que as empresas chinesas avançaram na cadeia de valor, essa prosperidade financiou investimentos em infraestrutura, educação, pesquisa e desenvolvimento. Hoje, a China forma cerca de 4,7 milhões de pessoas nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática por ano (10 vezes mais do que os EUA).

Além disso, aproximadamente 500 mil estudantes concluíam seus estudos no exterior a cada ano, antes da pandemia de Covid-19. Isso representa um grande número de mentes cada vez mais brilhantes, e foi esta a fórmula que impulsionou o ecossistema de inovação na China.

O país também conta com diversas gigantes da tecnologia de origem própria, como TenCent, ByteDance (controladora do TikTok), Huawei e cerca de 300 outras empresas unicórnios.

A China é líder, ou está na vanguarda, em várias tecnologias-chave emergentes, incluindo trens de alta velocidade, transmissão de energia, energia renovável, banda larga de próxima geração, satélites e tecnologia de foguetes. Suas políticas econômicas oficiais visam liderar o mundo em biotecnologia para medicamentos e agricultura, além de inteligência artificial.

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Nos últimos 10 anos, James Liang e eu trocamos opiniões sobre sociedades que estão envelhecendo, comparando pontos em nossos livros sobre o assunto. No mês passado, Liang me enviou seu título mais recente, “Population Strategy: How Population Affects Economy and Innovation” (Estratégia Populacional: Como a População Afeta a Economia e a Inovação), que até o momento foi publicado apenas na China.

O argumento central do livro é audacioso – e impactante. Seus alertas são mais graves do que nunca. “[Minhas] pesquisas mostram que o impacto mais crítico da população na economia é na inovação”, escreve ele.

“[...] Uma população menor e envelhecida é o maior perigo oculto para o futuro desenvolvimento econômico da China.” Sem algumas mudanças significativas, ele teme que o país comece a perder força política e econômica a partir da metade do século.

POTENCIAL CRIATIVO

Liang argumenta que, nos países de alta renda da economia global moderna, as indústrias de inovação estão se tornando cada vez mais essenciais para o PIB.

Segundo ele, um fator fundamental confere à economia o poder de liderar a “competição pela inovação” e, assim, conquistar riqueza e poder. Esse fator é a qualidade, quantidade e rapidez com que as ideias fluem e são comercializadas. Países com populações maiores têm mais chances de ser uma fonte robusta de ideias.

Ele faz uma analogia entre a sociedade e o cérebro humano: quanto mais neurônios saudáveis (pessoas) se comunicam e fazem conexões, mais desenvolvido será o cérebro (sociedade). Estaria o cérebro da inovação da China destinado a atrofiar? Se a relação entre inovação e tamanho da população se mantiver, sim. Mas tenho minhas dúvidas.

Parece que todos os problemas econômicos atuais da China – alto desemprego entre jovens adultos, estouro da bolha imobiliária e sua dívida insustentável – estão sendo associados ao envelhecimento da população.

Mercado chinês já responde por metade do e-commerce global (Crédito: Fast Company Brasil)

No entanto, o que realmente importa para a economia não é apenas o tamanho da população, mas também como o país nutre seu potencial criativo. Muitos países menores vêm se destacando. A Suíça lidera o Índice Global de Inovação, enquanto a China ocupa o 11º lugar.

A maioria dos países líderes em inovação é comparativamente pequena, envelhecida e possui baixas taxas de fertilidade. Uma exceção é os Estados Unidos, que ocupam o segundo lugar e onde os trabalhadores mais velhos representam uma considerável força produtiva e criativa.

A idade média dos norte-americanos que iniciam empresas de tecnologia é de 39 anos, enquanto a média de idade dos fundadores de novos negócios em geral é superior a 55 anos.

Na China, os trabalhadores costumam se aposentar aos 60 anos, frequentemente mais cedo. No entanto, o grupo de pessoas com mais de 60 anos no país pode ser o mais saudável do mundo. Nas regiões urbanas mais ricas, a expectativa de vida ultrapassa os 83 anos, permitindo que essas pessoas trabalhem e sejam criativas por mais tempo.

FAMÍLIAS MAIORES

Mas Liang não concorda inteiramente com essa visão. Ele vê as enormes populações de jovens como uma condição essencial para manter a China na liderança da corrida mundial pela inovação. Ele propõe outras intervenções destinadas a mudar a tendência demográfica, não apenas no ambiente de trabalho.

Na China se formam cerca de 4,7 milhões de pessoas nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática por ano.

A medida mais importante, de acordo com Liang, seria aumentar o apoio financeiro às famílias jovens e estabelecer redes de segurança social e monetária para os idosos.

Os jovens adultos na China – que frequentemente são filhos únicos – muitas vezes carregam o fardo financeiro e o compromisso de cuidar de seus pais e avós. Além de criar seus próprios filhos, essas responsabilidades são dispendiosas e desafiadoras.

Atualmente, o governo chinês gasta uma pequena parcela da riqueza do país – menos de 2% do PIB – em serviços sociais para auxiliar as famílias. Liang sugere que esse valor deveria ser de 5%.

É improvável que qualquer proposta tenha um impacto significativo até que o povo chinês recupere a confiança de que o atual declínio econômico tenha passado. Isso pode levar alguns anos, ou até uma geração.

Enquanto isso, é inegável que os inovadores chineses continuarão contribuindo para o mundo com suas ideias, independentemente de a China dominar ou não os mercados globais.


SOBRE O AUTOR

Ted C. Fishman é membro da Chicago Mercantile Exchange e autor de "China, Inc." e "Shock of Gray". saiba mais