Compensação de carbono é ineficiente, diz estudo das próprias empresas

O que está em jogo é o crescimento do mercado ainda incipiente de compensações voluntárias de carbono

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Virginia Furness 3 minutos de leitura

Membros de um influente grupo de ação climática corporativa, cujo conselho anunciou um plano para permitir que empresas compensem as emissões de gases de efeito estufa de sua cadeia de suprimentos com créditos de carbono, descobriram que essas compensações são em grande parte ineficazes, revela um rascunho preliminar confidencial analisado pela agência de notícias “Reuters”.

O que está em jogo é o crescimento do mercado ainda incipiente de compensações voluntárias de carbono. Embora elas sejam usadas por algumas das maiores empresas do mundo, incluindo Microsoft, Salesforce e Amazon, o mercado ainda continua pequeno, em torno de US$ 2 bilhões.

A iniciativa Science-Based Targets (SBTi), organização sem fins lucrativos apoiada pela ONU que audita os planos de redução de emissões das empresas, gerou revolta entre seus membros no mês passado ao declarar sua intenção de permitir o uso de créditos de carbono antes de concluir sua pesquisa sobre eles.

Desde então, o conselho administrativo emitiu uma declaração para esclarecer que ainda não havia alterado sua política e que qualquer decisão seria “baseada em evidências”.

As descobertas no documento visto pela “Reuters” não foram divulgadas anteriormente. Elas se baseiam na análise de evidências encontradas em artigos científicos e em outras contribuições.

Essas descobertas estão sujeitas a análises e revisões mais aprofundadas, inclusive por parte do Grupo Consultivo Científico, um painel composto por cientistas climáticos de todo o mundo.

Se confirmadas, representariam um grande obstáculo para o conselho administrativo da SBTi adotar compensações de carbono como parte dos planos de redução de emissões das empresas.

FALTA CONCLUIR A PESQUISA

Muitos dos financiadores da iniciativa, incluindo o Bezos Earth Fund (criado pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos), estão pressionando pela adoção, assim como o ex-enviado climático dos EUA, John Kerry.

Eles argumentam que as compensações são necessárias para estimular mais investimentos em energia limpa e cumprir o compromisso global de atingir emissões líquidas zero até 2050.

Um porta-voz da SBTi disse que a pesquisa ainda não foi concluída e que seria incorreto afirmar que já existem conclusões neste estágio. “Assim que concluirmos a análise, disponibilizaremos os resultados publicamente. Até esse momento não poderemos comentar as evidências apresentadas”, afirmou.

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O documento analisado pela “Reuters” afirma que “evidências empíricas e observacionais de maior qualidade sugerem que alguns ou a maioria dos créditos de redução de emissões são ineficazes”.

O rascunho cita casos em que os créditos de carbono não conseguiram proporcionar os benefícios climáticos que prometem. Afirma, por exemplo, que um artigo científico revisado não encontrou evidências significativas de que projetos na Amazônia brasileira tenham mitigado a perda de florestas.

Além disso, também afirma que a equipe analisou evidências que mostram que alguns esquemas vendem mais créditos de carbono do que os projetos conseguem entregar, ou exageram nas reduções de emissões que alcançam.

FISCALIZANDO A QUALIDADE

Defensores dizem que a venda de créditos de projetos de compensação de carbono a empresas para que possam compensar a poluição pode ajudar a transferir dinheiro para projetos favoráveis ao clima. Os críticos questionam a qualidade das compensações e temem que isso possa isentá-las de reduzir suas emissões.

A organização sem fins lucrativos responsável por fiscalizar a qualidade das compensações de carbono é o Conselho de Integridade para Mercados de Carbono Voluntários. Ele vem buscando expandir sua lista de projetos de geração de créditos aprovados.

evidências mostram que alguns esquemas vendem mais créditos de carbono do que os projetos conseguem entregar.

Os EUA disseram que estão se preparando para divulgar diretrizes para o uso de compensações de carbono dentro e fora do governo para aumentar a confiança no mercado e garantir que os créditos reflitam cortes reais nas emissões. A União Europeia estuda onde introduzir compensações voluntárias em um esquema de licenças de carbono que já administra.

As negociações climáticas da COP28, que ocorreu no final do ano passado, falharam em selar um acordo sobre novas regras que permitiriam a criação de um sistema central para países e empresas começarem a compensar suas emissões de carbono e negociar créditos.


SOBRE A AUTORA

Virginia Furness é jornalista especializada em finanças e sustentsbilidade na agência Reuters. saiba mais