Tarifaço: o que acontece com o humor do mercado e com o seu dinheiro

A semana começa com as bolsas acumulando ainda mais prejuízos; especialistas explicam o que está acontecendo e o que fazer para se proteger

Crédito: Fast Company Brasil

Paula Pacheco 8 minutos de leitura

A semana começa com oscilações ainda mais acentuadas nas bolsas de valores internacionais. Os mercados financeiros têm sido uma das principais vitrines do agravamento da guerra tarifária deflagrada pelos Estados Unidos e seu anúncio de tarifaço, sobretaxando 185 países.

As principais bolsas na Ásia e na Europa viram o pregão da segunda-feira, 7, derreter. A de Hong Kong, por exemplo, fechou a -13,22%. Já Tóquio, que teve de interromper as operações por conta das fortes quedas, atingiu a marca de -7,83%. Nos Estados Unidos, a instabilidade também dominou. Com tantas negociações e indefinições, não é possível saber por quanto tempo os altos e baixos vão persistir.

"O mercado fica muito exposto, na mão do decisor, os Estados Unidos. Por isso, à medida que as notícias vão saindo, o mercado vai reagindo. O investidor sempre vai tentar embutir as informações no preço (dos ativos). Enquanto as coisas escalarem, tem espaço para piorar", avalia Felipe Paletta, estrategista da EQI Research.

Por aqui, o Ibovespa também tem sentido a pressão do tarifaço de Trump e terminou o dia em queda de 1,31%, aos 125.588,09 pontos.

"O mercado entrou em modo de pânico. Os agentes entenderam que Trump não estava fazendo somente um jogo de negociação ao anunciar as tarifas. Mas é preciso dissociar os fundamentos macro dessa correção de curto prazo”, explica Rodrigo Aloi, chefe de pesquisa e estratégia da HMC. “Este é o momento mais sensível do mercado. Relatórios e estimativas sobre o impacto das tarifas são suposições e projeções de possíveis cenários. Há muita incerteza”.


FOGO AMIGO

Depois do anúncio do pacote de tarifas de reciprocidade, o tarifaço, os dias tem sido imprevisíveis e com ameaças e críticas vindas de diferentes direções.

O presidente do banco J.P. Morgan Chase, Jamie Dimon, por exemplo, defendeu o direito dos EUA de reagir às estratégias comerciais dos outros países. No entanto, Dimon citou que as tarifas de Trump pressionarão a inflação para cima e o crescimento econômico para baixo, assim como disse na sexta-feira, 4, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, o Fed, banco central americano.

O estrago foi tão grande que até o fogo amigo já começou a ser disparado. Ted Cruz, senador do Texas e aliado de primeira ordem de Trump, fez um alerta sobre a queda no emprego e o aumento da inflação que podem representar uma ameaça ao controle do Partido Republicano do Congresso nas próximas eleições legislativas.

"Se entrarmos em uma recessão, 2026, com toda probabilidade, será politicamente um banho de sangue", disse o senador seu podcast, Verdict. Já Bill Ackman, bilionário gestor de fundos e simpatizante de Trump, alertou que os EUA estão "caminhando rumo a um inverno nuclear econômico autoinduzido".

CHINA, A ADVERSÁRIA NO TARIFAÇO


Trump, mesmo com a reação da China, decidiu dobrar a aposta. O presidente americano ameaçou aumentar as tarifas sobre produtos chineses se o gigante asiático insistir em revidar o tarifaço. No entanto, o mandatário sinalizou para a possibilidade de negociar com os países afetados

"Se a China não retirar seu aumento de 34% sobre seus já prolongados abusos comerciais" até 8 de abril, "os Estados Unidos vão impor tarifas ADICIONAIS à China de 50%, a partir de 9 de abril", publicou Trump em sua plataforma Truth Social. 

Na verdade, a taxação aumentará para 54% a partir de 9 de abril, com os 34% adicionais anunciados na semana passada.

Antes, o presidente americano acusou a China de ignorar seu aviso "aos países especulativos para não retaliarem" sua ofensiva comercial. 

Diante dessa estratégia, o experiente jornalista britânico Gideon Rachman comparou o modus operandi de Trump ao de um "chefe de máfia". A análise foi publicada nesta segunda-feira no Financial Times:

- "Como um chefe de máfia de filme, Trump sabe alternar entre o tom de ameaça e o de magnanimidade. Trate-o com respeito e ele pode te convidar para sua casa, onde você poderá se relacionar com sua família. A ameaça, porém, nunca desaparece. Como Trump certa vez explicou ao jornalista Bob Woodward, ele acredita que o "poder real é - nem quero usar a palavra - o medo".

NOVO NORMAL DOS INVESTIMENTOS

Os especialistas e os investidores tentam antecipar movimentos para não sofrer com as perdas e ainda tentar encontrar oportunidades de ganhos, o que não tem sido nada fácil.

Neste momento, cautela e paciência são as recomendações ao investidor que possui exposição à renda variável do país dadas por Aloi, da HMC Capital. Agora, alerta, também não seria a oportunidade para “comprar na baixa”, visando uma futura valorização, acrescenta.

“O momento é de muita imprevisibilidade e o mercado está procurando um ‘novo normal’, um novo nível de preços. Talvez a correção esteja longe do fim”, analisa Aloi.

Após dois anos de alta de cerca de 20% do S&P500, os valuations (expressão para designar o processo de avaliação de um negócio pela perspectiva do lucro e do retorno) estavam muito esticados, principalmente no setor americano de tecnologia, diz. “O mercado estava esperando um gatilho para esta correção dos preços, que veio na forma de tarifas”.

Agora, completa o especialista da HMC Capital, o investidor com parte de seu portfólio alocado em renda variável americana precisa ficar atento aos impactos do tarifaço. Os fundamentos macroeconômicos são os fatores que deveriam ditar a performance do mercado de ações. A correlação se verifica no longo prazo, completa.

INCERTEZAS NO CURTO PRAZO

As indefinições internacionais pós-tarifaço devem ser mantidas no radar dos investidores brasileiros, como alerta Lucas Pereira, analista de Renda Fixa da Warren Investimentos. "Ainda é incerto como isso afetará o Brasil”.

Em um primeiro momento, explica, o país foi aparentemente 'poupado', com a imposição de uma alíquota mínima, possivelmente por manter uma balança comercial equilibrada com os EUA.

"No entanto, o que ainda preocupa é a reação da China, nosso segundo maior parceiro comercial. Dependendo da resposta chinesa, as relações comerciais brasileiras podem ser significativamente impactadas", analisa Pereira.

O cenário de volatilidade, para o especialista da Warren Investimentos, tende a se dissipar gradualmente nos próximos dias, à medida que o mercado consiga mensurar melhor os impactos das novas medidas. Num primeiro momento, completa, o choque foi generalizado, mas há empresas mais impactadas que outras, o que deverá se refletir na precificação dos ativos.

Além disso, completa Pereira, será fundamental avaliar como o ritmo da economia mundial se comportará diante dessa nova realidade. “Ainda é cedo para projetar uma recuperação consistente, sobretudo considerando que o índice americano é fortemente concentrado em empresas de tecnologia e multinacionais com fábricas espalhadas pelo mundo, especialmente na China, nas últimas décadas”.

Uma clareza maior sobre os impactos das tarifas na atividade econômica - o tamanho da influência na inflação e, consequentemente, nas próximas decisões do banco central americano de reduzir os juros básicos (e, consequentemente, no Brasil), afirma Paletta, será fundamental para que se veja uma retomada da normalidade.

PROTEJA O DINHEIRO

A visão de longo prazo deve prevalecer principalmente em momentos de incertezas. Isso ajuda a manter a tranquilidade do investidor. Mas como se proteger em tempos de indefinição? Carteiras bem balanceadas, de acordo com o perfil de risco e o horizonte de investimento, são a melhor proteção para períodos de instabilidade, pontua o especialista da Warren.

“Para quem se sentiu desconfortável, vale reavaliar o nível de exposição à guerra comercial. Podemos observar movimentos contundentes tanto da China quanto dos Estados Unidos”, sugere.

No caso do mercado brasileiro, diz Pereira, uma alternativa é investir em títulos pós-fixados atrelados ao CDI, com liquidez, aguardando um momento mais estável para retomar alocações estruturais, evitando, assim, "tentar pegar a faca caindo".

QUAIS PODEM SER AS OPORTUNIDADES


Apesar da tempestade no mercado financeiro, causada pelo tarifaço de Trump, é possível fazer alguns movimentos para se proteger e tentar encontrar oportunidades. No entanto, este é um momento de riscos amplificados. Veja o que dizem os especialistas ouvidos pela Fast Company Brasil:

Felipe Paletta, estrategista da EQI Research

- Neste momento de ruídos, é precipitado fazer grandes apostas na expectativa de reversão ou agravamento da situação que envolva as exportadoras de commodities, que tem sofrido com os ruídos sobre o aumento tarifário e podem diminuir a pauta brasileira.

- Nada de grande movimentos agora. O momento é de calma, de parcimônia.

Lucas Pereira, analista de Renda Fixa da Warren Investimentos
- Investir em ativos com menor exposição global e com teses sólidas pode ser uma boa alternativa para quem deseja aproveitar esse cenário.

- É fundamental avaliar bem o tamanho das posições para evitar que uma oportunidade se transforme em dor de cabeça. Ainda podemos ter alguns dias, ou até semanas, de estresse pela frente.

- Neste momento, o ideal é evitar empresas que dependam fortemente de uma economia multilateral. Estamos diante de um movimento de fechamento econômico da maior economia do mundo, o que pode gerar dificuldades para empresas do setor de commodities ou aquelas que dependem de uma economia global acelerada, como foi o caso nos últimos anos com o crescimento da China e dos EUA.

Laércio Hypolito, sócio da OnField Investimentos
- Quando o mercado tem quedas acentuadas, temos o chamado buy oportunity, em que o investidor pode investir nas maiores empresas do mundo com preços muito atrativos.

- O setor que mais está sendo atingido é o setor tecnologia nos EUA e aqui no Brasil as empresas exportadoras de produtos. Talvez seja sensato esperar alguns sinais de negociações entre os blocos comerciais ou mesmo uma trégua momentânea para ir às compras. Paciência continua sendo uma importante virtude.


SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais