Chamadas a se explicar, big techs correm para se mostrar “responsáveis”

Há um bom motivo para convocar CEOs.

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Issie Lapowsky 4 minutos de leitura

As audiências no Congresso norte-americano com os CEOs das principais gigantes da tecnologia frequentemente recebem críticas negativas. Estas convocações já foram chamadas de inúteis e acusadas de serem um grande teatro – e com razão.

Com algumas exceções, elas costumam apenas render vídeos virais nas redes sociais. Mas isso não significa que sejam totalmente inúteis.

Independentemente de as empresas de tecnologia terem que enfrentar consequências reais (não enfrentam) ou de o Congresso aprovar leis que regulem as plataformas online (o que também não acontece), essas audiências ainda exercem uma espécie de soft power, pressionando os líderes corporativos a assumir uma série de compromissos voluntários, que podem mudar ligeiramente o curso das políticas das redes sociais em direção ao progresso – o que, em muitos casos, já deveria ter sido feito.

Mark Zuckerberg no Congresso dos EUA (Crédito: Brendan Smialowski/ AFP via Getty Images)

Um exemplo é a recente audiência do Comitê Judiciário do Senado dos EUA sobre exploração sexual infantil online, que contou com a presença dos CEOs da Meta, TikTok, Snap, X/ Twitter e Discord.

Antes mesmo de qualquer depoimento ser prestado na sessão, que estava lotada de famílias de crianças que cometeram suicídio após serem vítimas de abuso online, muitos dos executivos já haviam anunciado que iriam contrapor as críticas do comitê.

No início de janeiro, a Meta anunciou novas restrições nas contas de adolescentes no Instagram e, recentemente, lançou uma nova parceria por meio da qual compartilhará dados com alguns acadêmicos selecionados que estudam o bem-estar nas suas plataformas.

longe de ser um fenômeno novo, as audiências com as big techs têm incentivado as empresas a agir há muito tempo.

Dias antes da audiência, o Snap endossou a Lei de Segurança Online para Crianças, que exige que as plataformas implementem novas proteções para menores. Enquanto isso, o X/ Twitter anunciou que construiria um “centro de excelência de confiança e segurança”, com 100 moderadores de conteúdo.

 Esta lista de anúncios não passou despercebida pelo presidente do comitê, Dick Durbin, que observou com ironia o fato de que “coincidentemente, várias dessas empresas implementaram melhorias sensatas em termos de segurança para crianças e adolescentes na última semana, dias antes de seus CEOs terem que justificar a falta de ação perante este comitê.”

PROMESSAS VAZIAS

Mas isso está longe de ser um fenômeno novo. Na verdade, as audiências com as big techs têm incentivado as empresas a agir há muito tempo. Pouco antes de seu depoimento em 2021, a chefe de segurança global do Facebook anunciou uma série de novas ferramentas de supervisão parental para o Instagram.

No início de 2018, após a interferência russa nas eleições presidenciais dos EUA (em 2016) e o escândalo da Cambridge Analytica, Mark Zuckerberg chegou para uma sabatina no Senado com uma longa lista de planos e a promessa de contratar 20 mil moderadores de conteúdo em um ano. O Twitter aproveitou a ocasião para endossar um projeto de lei que exigiria mais transparência na publicidade política online.

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Dois anos depois, Zuckerberg estava de volta ao Congresso, desta vez com o anúncio de que o Facebook apoiaria a reforma da Seção 230, uma lei que concedia imunidade às empresas, ou seja, as isentava da responsabilidade pelo conteúdo que seus usuários postavam.

Nu Wexler, sócio da Four Corners Public Affairs e ex-porta-voz do Twitter, Facebook e Google, chama esses anúncios convenientemente oportunos de “presentes de boas-vindas”, feitos para passar a mensagem de que alguns problemas podem ser abordados sem legislação.

essas audiências exercem uma espécie de soft power, pressionando os líderes corporativos a assumir uma série de compromissos.

Mas o fato de essas melhorias serem uma forma de bajulação política oportunista não significa que não sejam bem-vindas. Mais proteção para os adolescentes no Instagram é algo positivo. E a promessa do X/ Twitter de recompor as equipes de segurança que Elon Musk destruiu era o que todos queriam – isto é, se a empresa seguir adiante com o plano.

Sem dúvida, são passos pequenos em comparação com o que legisladores, defensores da segurança de crianças e adolescentes e pais que perderam seus filhos estão pedindo, mas ainda assim são válidos.

Muito mais do que apenas um teatro, essas audiências têm um histórico de produzir mudanças em produtos e políticas – algumas mais significativas que outras – e estão fazendo mais para melhorar a segurança online do que qualquer projeto de lei aprovado pelo Congresso norte-americano desde o início da onda negativa contra as empresas de tecnologia.

Talvez não seja a reforma tecnológica de que precisamos. Mas, por enquanto, é a única que temos.


SOBRE A AUTORA

Issie Lapowsky é jornalista especializada em tecnologia e política. saiba mais