5 perguntas para Kara Swisher, jornalista e escritora

Crédito: nrkbeta/ Flickr

Harry McCracken 7 minutos de leitura

Se o novo livro de memórias de Kara Swisher, "Burn Book", também serve como uma história da internet e seu impacto muitas vezes chocante em nossas vidas ao longo das últimas três décadas, é apenas natural.

Enquanto ela estava se estabelecendo como uma jornalista muito bem informada, o mundo online estava prestes a decolar: O surgimento da America OnLine (AOL), seguido por sua desastrosa fusão com o grupo Time Warner (no ano 2000), estava entre os arcos dramáticos que ela relatou desde o início.

Atualmente, Swisher apresenta dois podcasts para a revista "New York" – "Pivot", com Scott Galloway, e seu próprio "On with Kara Swisher" – e é debatedora no programa "The Chris Wallace Show", da CNN. Lançado no início do ano, o "Burn Book" abrange sua história desde a infância até sua visão sobre a crise de liderança da OpenAI, que se desenrolou em novembro de 2023.

Grande parte do livro é dedicada a uma avaliação contundente dos executivos mais elitistas da indústria de tecnologia e das empresas que eles comandam, os quais a autora descreve como "figuras-chave na destruição de nossa harmonia e no bloqueio de nossa política, nosso governo, nosso tecido social e, acima de tudo, nossas mentes, ao semear o isolamento, a indignação e o comportamento viciante".

A Fast Company conversou com Swisher sobre tudo, desde se ela acredita que o governo dos EUA conseguirá controlar os gigantes da tecnologia (spoiler: não) até como é ter um legado como repórter em uma indústria conhecida por seu ritmo implacável.

Fast Company – “Burn Book” é um livro de memórias, mas há um fio condutor baseado em sua opinião sobre o impacto das grandes empresas de tecnologia na sociedade e na qualidade da liderança das relativamente poucas pessoas que têm tanto poder, não é?

Kara Swisher – Algumas das pessoas [mencionadas no livro] eu gosto muito, e acho que elas evoluíram. E algumas eu acho que não, elas entraram em temas sobre os quais não têm experiência nem sabedoria suficiente para lidar.

Falando mais diretamente, um dos principais temas é que o governo [dos EUA] nos decepcionou em termos de ter

é perturbador que as pessoas que controlam as grandes empresas de tecnologia possam fazer o que quiserem.

qualquer tipo de proteção em relação a tudo isso, em diversos aspectos, como financeiro, privacidade de dados, legislação antitruste – a lista é longa. Eles permitiram que essas empresas se envolvessem tanto em nossa vida pública que elas estão meio que conduzindo as coisas.

Embora eu goste de algumas dessas pessoas, a ideia de poder ilimitado e incontrolável, com dinheiro ilimitado, é realmente assustadora para mim e cria todos os tipos de problemas. Nossos representantes [no governo e Congresso] podem ser horríveis, mas, pelo menos, eles foram eleitos.

Fast Company – Existe alguma chance de os legisladores pararem de falar sobre estabelecer algumas proteções e realmente fazerem algo?

Kara Swisher – Eu não acredito. Moro em Washington, D.C., agora. Eles acabaram de decidir montar uma comissão bipartidária sobre inteligência artificial generativa na Câmara porque não conseguem aprovar uma legislação. Tudo o que fazem é ficar sentados conversando, mas não fazem nada a respeito.

Crédito: Vox Media

Nos EUA, não aprovamos uma lei nacional de privacidade. Não aprovamos uma lei nacional de transparência algorítmica. Não alteramos nossas leis antitruste. Não fizemos nem mesmo projetos de lei básicos sobre dados.

Todos estão sendo feitos pelos estados, o que é problemático, para dizer o mínimo. E eles estão criando uma comissão bipartidária para discutir o que deveríamos fazer. Por que simplesmente não fazem alguma coisa?

O sistema político é tão partidário, é impossível conseguir fazer qualquer coisa. Mas é realmente perturbador que as pessoas que controlam as grandes empresas de tecnologia possam fazer o que quiserem. Mais uma vez, como sempre.

Fast Company – Nos anos 1990, você passou muito tempo conversando com Don Graham, então editor do "The Washington Post", sobre essa coisa de internet. Haveria um universo alternativo onde grandes veículos de comunicação fizeram tudo certo e estão em uma situação muito melhor agora?

Kara Swisher – Não, eles não sabiam nada de programação. E acontece que essa era uma habilidade que eles precisavam ter. As únicas pessoas que achei que realmente entendiam as implicações da internet para a mídia eram Bob Iger [atual CEO da Disney] e Barry Diller [fundador da Expedia].

Bob Iger estava muito interessado em tecnologia. No início, quando estava na [rede de TV] ABC, ele estava em contato comigo porque acho que, intuitivamente, entendeu que a internet ia mudar tudo.

a ideia de poder ilimitado e incontrolável, com dinheiro ilimitado, é assustadora para mim e cria todos os tipos de problemas.

Tive uma experiência anterior cobrindo o setor de varejo para o "The Washington Post" e vi como o Walmart conseguiu conter o jornal porque não anunciava como os varejistas locais [N.R.: importante segmento de publicidade para os jornais], e todos os varejistas locais morreram por causa do Walmart.

Aí veio a Craigslist, depois os sites de notícias gratuitas. Estava bem na cara deles o que ia acontecer. Mas acho que eles se sentiam tão ligados ao seu modelo de negócios que simplesmente não conseguiram dar o próximo passo. E muitas empresas de tecnologia conseguiram.

Veja o caso da Netflix. Eles trabalhavam com DVDs, depois mudaram para digital. Na época, todo mundo disse que eles estavam acabados, mas aquela foi a jogada correta a se fazer quando tomaram a decisão. A mídia não conseguiu fazer isso.

Fast Company – Existe algo que a mídia poderia fazer para restaurar parte da confiança que ela já teve na sociedade e que vem diminuindo nos últimos anos?

Kara Swisher – Não acho que a mídia já tenha sido confiável. Se você voltar na história norte-americana e estudar sobre nossos fundadores, eles sempre estavam lutando nos jornais partidários. E todos tinham um verdadeiro desdém pela mídia, que durou um longo tempo, até o caso Watergate – um breve momento de brilhantismo. Caímos nessa fantasia de que éramos os salvadores da civilização. De muitas maneiras, os jornalistas até podem ser, mas nem sempre.

Certamente, não fomos tão inovadores quanto precisaríamos ser para conquistar essa confiança e realmente mostrar que nos importamos com [os leitores] mais do que nos importamos com nós mesmos. Acho que tendemos a nos elevar acima deles em muitos aspectos.

Fast Company – Mesmo no caso de pessoas como Elon Musk e Mark Zuckerberg, que, no geral, são retratadas de forma extremamente negativa no livro, você diz coisas boas sobre eles. Foi difícil separar o papel dessas pessoas na sociedade de seu relacionamento pessoal com elas?

Kara Swisher – Sim, 100%. De tudo o que vi de Mark em sua vida pessoal, ele parece ser um bom pai e um marido atencioso. Conheço pessoas do seu círculo e ele é um bom amigo para muita gente. Veja bem, eu não socializo com ele de forma alguma.

Muitas vezes, as pessoas – deixe-me usar Mark como exemplo – faziam comentários sobre sua aparência. E eu pensava: "por que estamos falando sobre a aparência dele? Por que não estamos falando sobre o que ele está fazendo, sobre seus negócios?" Eu não achava justo atacá-los pessoalmente, nunca, jamais.

Ao mesmo tempo, alguém que eu realmente gostava, achava interessante e estava fazendo coisas inovadoras era Elon. Ele era engraçado. Mais uma vez, nunca socializei com ele. Nunca foi meu amigo.

Fiquei surpresa com a mudança dele. Quando olho para trás, havia sinais por toda parte. Mas com certeza eu não esperava a virada para a extrema direita. Nem sei se essa é a palavra certa. Não sei como classificar o que ele está fazendo agora. É estranho. Alguma coisa aconteceu durante o período da Covid que ele meio que perdeu o controle da narrativa.

Obviamente, as matérias do "The Wall Street Journal" sobre seu uso de drogas são um aspecto interessante, que acredito que todos estavam cientes. E, é claro, ser a pessoa mais rica do mundo permite que você seja meio grosseiro o tempo todo e não tenha que arcar com nenhuma consequência.


SOBRE O AUTOR

Harry McCracken é editor de tecnologia da Fast Company baseado em San Francisco. Em vidas passadas, foi editor da Time, fundador e edi... saiba mais