A surpreendente história da origem do Cup Noodles

Crédito: Fast Company Brasil

Adele Peters 8 minutos de leitura

Quando olhamos para uma embalagem de Cup Noodles na prateleira do supermercado, logo pensamos em refeições rápidas e baratas, populares entre jovens estudantes, entre profissionais em dias muito corridos e consumidores de baixa renda. Mas houve um tempo em que a embalagem icônica do produto exalava cosmopolitismo. Comer naquele copinho simbolizava a possibilidade de unir, em uma só experiência, a comida industrial japonesa ao toque de praticidade dos americanos.

O Cup Noodles é um ramen instantâneo para viagem, feito para ser comido com um garfo diretamente em seu copinho colorido em que predominam as cores branca, vermelha e dourada.  Comercializado pela primeira vez no Japão há 50 anos, mais precisamente em 18 de setembro de 1971, ele logo ganhou um nome em inglês (o “s” foi deixado ali devido a um erro de tradução). 

Eu pesquiso a maneira como diversos produtos “migram” entre a América e o Japão, e como novas práticas são criadas nesse processo. Para mim, a trajetória do Cup Noodles é uma verdadeira história de cruzamento de culturas, e sua jornada transpacífica ajuda a entendermos como o Japão enxerga a América desde a Segunda Guerra Mundial.

A OBSERVAÇÃO COMO FONTE DE INSPIRAÇÃO

A história da marca, amplamente contada no Japão, é a seguinte: o Cup Noodles foi criado pela mesma pessoa que inventou o ramen instantâneo, Momofuku Ando. Ele fundou a Nissin Foods em 1948.

Momofuku Ando nasceu na Taiwan ocupada pelo Japão e mudou-se para Osaka em 1933. No Japão devastado pela guerra, ele viu as pessoas fazerem fila em frente às barracas dos mercados negros para comprar tigelas de macarrão barato. Aquele macarrão era feito com farinha de trigo doada pelos Estados Unidos para fazer pão, um alimento mais farto, mas menos comum na dieta japonesa.

Momofuku queria fabricar um macarrão que as pessoas pudessem comer facilmente em casa, e foi com essa intenção que ele construiu um galpão em seu quintal, onde montou um laboratório.

 Depois de várias tentativas fracassadas, a inspiração surgiu em 1958. Enquanto observava sua esposa Masako fritando tempura, ele percebeu que o óleo removia a umidade. Ele, então, notou que o macarrão frito e seco podia ser hidratado novamente quando fervido. Era possível, ainda, adicionar temperos em pó e coberturas desidratadas, o que possibilitaria inúmeras combinações de sabores. Momofuku escolheu frango para ser seu primeiro sabor, porque a canja era um alimento que parecia nutritivo e era associado aos americanos. 

Como o “Chikin Ramen” criado por Momofuku custava seis vezes o preço de uma tigela de macarrão fresco, ele teve problemas para atrair investidores. Sua solução foi levar seu produto diretamente ao público, por meio de eventos de degustação. Foi assim que o “Chikin Ramen” se popularizou e, mais tarde, se tornou um dos alimentos mais comuns no Japão do pós-guerra.

Em meados da década de 1960, as vendas japonesas de seu “Chikin Ramen” – e de outros produtos derivados, como o “Spagheny”, um espaguete instantâneo criado em 1964 – diminuíram. A queda se deu, em parte, devido à saturação do mercado. Momofuku resolveu, então, procurar um novo mercado para o ramen instantâneo: os Estados Unidos.

Nos Estados Unidos daquela época, os alimentos japoneses como sukiyaki – carne e vegetais cozidos em uma panela quente – estavam na moda porque pareciam exóticos, embora se adaptassem ao paladar americano em geral. Momofuku acreditava que o mesmo poderia acontecer com o seu ramen instantâneo.

Então, em 1966, ele viajou para os EUA para promover seu “Chikin Ramen”. Ele ficou surpreso ao ver que os americanos quebravam pacotes de macarrão seco em pedaços, colocavam esses pedaços em xícaras e derramavam água fervente sobre eles, em vez de preparar o “Chikin Ramen” em uma panela e servir em uma tigela. Assim que voltou ao Japão, Momofuku decidiu criar um novo produto inspirado nessa técnica de preparação americana, mas para vender no Japão.

O MÉTODO DA TENTATIVA E ERRO

 Depois de muitas tentativas e erros, a equipe da Nissin criou uma maneira de embrulhar o macarrão seco com um copo de espuma de plástico. O macarrão era colocado no centro, com alguma sobra de espaço para abrigar sua expansão depois de hidratado. Diferentes sabores foram adicionados ao macarrão para que  cozinhassem melhor e para que se tornassem refeições mais completas. O copo tinha uma tampa retrátil inspirada em um recipiente de nozes de macadâmia que Momofuku havia comido em seu voo transpacífico.

(Crédito: Conservation International)

Otaka Takeshi criou o logotipo do Cup Noodles para a feira mundial de Osaka, em 1970. Ele projetou o recipiente para parecer cosmopolita e moderno, com faixas douradas inspiradas em pratos caros e com grandes palavras em inglês em uma fonte vermelha e psicodélica, acima de pequenas palavras japonesas. Um Cup Noodle incluía aproximadamente a mesma quantidade de ramen que os pacotes tradicionais, mas custava quatro vezes mais, porque era mais caro de fabricar. O preço mais alto também fazia o Cup Noodle parecer luxuoso.

Mas no Japão, comer andando com o prato (ou o copo) na mão é considerado um hábito rude. Além disso, é difícil caminhar e manusear os pauzinhos de madeira. Pensando nisso, a Nissin decidiu mudar a forma como as pessoas comiam. Cada Cup Noodle passou a vir com um pequeno garfo de plástico.

A Nissin realizou eventos de degustação no Japão para promover o Cup Noodle e para ensinar as pessoas a comê-lo. O evento mais bem sucedido foi realizado em 21 de novembro de 1971, no distrito comercial de Ginza, em Tóquio. O alvo era jovens adultos passeando pelo “Pedestrian Paradise”, a rua mais elegante do Japão. O resultado foi que mais de 20.000 unidades de Cup Noodle foram vendidas em apenas quatro horas.

Nissin também apresentou o produto a trabalhadores em trânsito, como os das Forças de Autodefesa do Japão. Além disso, o Cup Noodle recebeu um impulso involuntário da mídia quando a cobertura de uma crise de reféns que ficou conhecida como “Incidente Asama-Sansō” mostrou os policiais comendo Cup Noodle para se manterem aquecidos.

(Crédito: Conservation International)

MAIS DO QUE UMA COMIDA ELEGANTE

O Cup Noodle sintetizou a crença dominante no Japão do pós-guerra de que uma vida melhor poderia ser alcançada por meio da conveniência e do conforto, fosse por meio de aparelhos eletrônicos, como geladeiras e televisores, fosse por meio de comida para viagem.

As primeiras lojas de conveniência do Japão foram abertas em 1969 e se tornaram os principais pontos de venda do Cup Noodle. Como um gesto bastante simbólico, a Nissin realizou seu evento Ginza Cup Noodle em frente ao primeiro McDonald’s do Japão, que havia sido inaugurado na Pedestrian Paradise quatro meses antes, em 20 de julho de 1971. O Cup Noodle foi um dos primeiros alimentos vendidos em máquinas de venda automática no Japão, com sua primeira máquina de venda automática instalada perto dos escritórios de Tóquio do jornal financeiro Nihon Keizai, em novembro de 1971.

Com o tempo, o processo de fabricação se aprimorou, os preços caíram, e o ramen instantâneo se tornou um alimento preferido para populações economicamente precárias.

O Cup Noodle implantou várias estratégias de marketing japonesas que já tinham tido sucesso. Elas incluem o lançamento de um fluxo constante de novos sabores — de temperos japoneses, como frango teriyaki, a pratos exóticos como caril – junto com sabores de edição limitada que chamam a atenção, como “Cheechili Curmato” (pimentão, tomate e curry de queijo europeu, alguém se habilita?).

Os profissionais de marketing aproveitaram a nostalgia e as colaborações de fãs para ajudar a vender o produto. A Nissin também adotou a popular prática de publicidade japonesa de contratar celebridades americanas para lançar seus produtos, com James Brown cantando sobre Cup Noodle com sabor de missô ao som de “Get on Up”, em um memorável anúncio de televisão de 1992.

ESCONDENDO AS RAÍZES JAPONESAS

Entretanto, nenhuma dessas estratégias foi usada para vender Cup Noodle nos Estados Unidos. Lá, o produto tomou um caminho diferente, minimizando o seu lado japonês (e, portanto, estrangeiro) e se tornando um alimento americano comum.

O Cup Noodle foi vendido pela primeira vez nos Estados Unidos em novembro de 1973, em uma época em que produtos japoneses, como os carros Toyota, eram projetados para serem diferentes daqueles fabricados na América, mas fáceis para os americanos entenderem, pronunciarem e aceitarem.

Seu nome foi americanizado para “Cup O’Noodles” (e mais tarde renomeado como “Cup Noodles”, em 1993). Além disso, o produto norte-americano tinha noodles mais curtos, que podiam ser comidos com uma colher e apresentava menos opções de sabores do que as oferecidas no Japão.

A primeira fábrica da Nissin no exterior foi inaugurada em 1973 em Lancaster, na Pensilvânia. Agora, em 2021, o Cup Noodles é fabricado em 80 países e territórios, cada um com suas próprias variantes locais. Por exemplo, você pode comer um “Masala Cup Noodles” na Índia e um “Cogumelos Cup Noodles” na Alemanha. Em maio de 2021, 50 bilhões de unidades de Nissin’s Cup Noodles foram vendidas em todo o mundo.

No Japão, o Cup Noodles agora representa uma mistura de tendência e de nostalgia. Os visitantes dos Museus Cup Noodles, no Japão, podem fazer seus próprios Cup Noodles personalizados, e personagens populares como Yoda e Hello Kitty já venderam o macarrão. 

Nos EUA, um anúncio da Cup Noodles de 18 metros e todo em neon ficou sendo exibido na Times Square de Nova York de 1996 a 2006 – o que é um símbolo do alcance global de Nissin. A marca representou como poucas a ideia — comum no Japão — de que ser grande nos Estados Unidos é a chave para o sucesso dos negócios. Na América, no entanto, o preço para esse sucesso foi a Cup Noodles ter tido que esconder suas raízes japonesas.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais