Investidores que financiam carne cultivada estão cometendo um erro

Focar em tecnologias mirabolantes em detrimento de coisas que realmente poderiam melhorar a nossa alimentação é um desserviço a todos

Crédito: Pineapple Studio/ iStock/ pngtree/ pngegg

Larissa Zimberoff 4 minutos de leitura

Em 2013, Mark Post criou o primeiro hambúrguer cultivado em laboratório. Ele esperava que isso fosse o ponto de partida para uma discussão sobre o cultivo de carne fora do corpo de um animal.

Em muitos aspectos, sua ideia deu certo. Recebeu bastante cobertura da mídia e chamou a atenção dos investidores. Hoje, quase US$ 3 bilhões já foram investidos em mais de 150 startups que buscam desenvolver o que agora é conhecido como carne cultivada, de acordo com o Instituto Good Food.

Dez anos depois, a Vow, uma dessas startups, demonstrou seu potencial ao produzir uma enorme almôndega de mamute lanoso. O fato de que a carne era apenas em parte semelhante geneticamente ao mamífero extinto não foi tão importante quanto a mensagem de que não há limites para o que a tecnologia pode recriar.

Crédito: Vow Foods

A mídia deu bastante atenção para esse feito, com manchetes que pareciam piadas. Até mesmo a revista “The Atlantic” se referiu a ele como a “maior façanha de todos os tempos”.

Como Mark Post, o cofundador da Vow, Tim Noakesmith, queria começar uma discussão sobre o futuro. No entanto, ela foi deixada em segundo plano porque o produto roubou os holofotes. Acabamos nos concentrando na coisa errada.

CRITÉRIO DE INVESTIMENTO

O setor de alimentos evoluiu bastante. Hoje estamos mais conscientes sobre questões como bem-estar animal, impacto ambiental e saúde humana. No entanto, embora a sustentabilidade seja um componente central para os fundadores, são as tecnologias mirabolantes que atraem os investidores.

Eles não investem em maneiras de acabar com a criação de animais em esquema industrial ou em métodos para melhorar a vida das pessoas. Investem em startups que chamam a atenção da mídia por produzir uma única almôndega de mamute que ninguém pode comer.

“Acho que há muito barulho no setor”, diz Lucas Mann, sócio-gerente da Acre Venture Partners, que liderou a captação de recursos da Série A da startup de fungos Meati. “A realidade não corresponde ao hype, e não podemos cair nessa armadilha.”

Carne feita com raiz de cogumelo (Crédito: Meati)

Na Acre, Mann e sua equipe – que inclui o ex-chefe de cozinha da Casa Branca Sam Kass e David Chang, fundador da Momofuku Goods – financiam startups que estão resolvendo problemas que existem hoje.

A verdadeira crise que enfrentamos é o fato de estarmos rodeados de produtos sem qualquer valor nutritivo. A comida está nos deixando doentes, mas é o dinheiro dos investidores que determina o que chega – ou não – à nossa mesa.

Em vez de apoiar empreendimentos que descobrem maneiras de tornar alimentos acessíveis, saborosos e saudáveis, eles preferem investir em startups que passam quatro anos cultivando células em laboratório. Embora animais exóticos não sejam exatamente parte de uma dieta econômica e plausível, a Vow já levantou até o momento US$ 56 milhões para cultivá-los.

ACESSO À ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

Enquanto as startups de tecnologia se ocupam em pesquisar qual animal extinto vão ressuscitar ou de qual raça de boi extrairão células, as doenças crônicas estão aumentando. Mais de dois terços de todas as mortes são causadas por uma ou mais dessas cinco doenças: problemas cardíacos, câncer, derrame, doença pulmonar obstrutiva crônica e diabetes.

A verdadeira crise que enfrentamos é o fato de estarmos rodeados de produtos sem qualquer valor nutritivo.

Cerca de 60% da população norte-americana sofre de pelo menos uma dessas doenças e 43% têm mais de uma (eu tenho diabetes tipo 1, por exemplo). De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), elas representam quase 75% dos gastos com saúde.

Hoje, grande parte dos alimentos são processados. Consumi-los todos os dias nos faz adoecer. Mesmo que as pessoas queiram fazer escolhas mais saudáveis, é praticamente impossível evitá-los quando são tão baratos e abundantes.

Também temos que falar sobre a saúde das crianças. Houve um aumento significativo na incidência de diabetes tipo 2 em adolescentes – uma condição crônica intimamente ligada à dieta. Entre os fatores de risco estão o consumo de carne vermelha e bebidas açucaradas.

CARNE CULTIVADA NÃO É SOLUÇÃO

Sem dúvida, precisamos mudar nossa alimentação, mas a carne cultivada em laboratório não é a solução. Os investidores estão equivocados em acreditar nisso. Inclusive Bill Gates, que defende a carne sintética, está errado.

precisamos investir em empreendedores criativos que queiram reinventar os alimentos processados a partir do zero.

Precisamos voltar a comer coisas saudáveis, ou então investir em empreendedores criativos que queiram reinventar os alimentos processados do zero, molécula por molécula, criando produtos mais nutritivos do que os que encontramos hoje nas prateleiras dos supermercados. Queremos salgadinhos saudáveis. Até lá, continuarei evitando comer besteiras.

Em 2013, o primeiro hambúrguer de laboratório foi provado por alguns sortudos. Em março, a almôndega de carne de mamute da Vow foi exibida no Museu de Ciência Nemo, em Amsterdã. Porém, não pode ser consumida, porque os cientistas não sabem ao certo como o corpo humano reagiria a ela nos dias de hoje.

Quanto dinheiro foi desperdiçado na produção dessa carne? Ninguém sabe, mas podemos estar caminhando para nossa extinção se continuarmos gastando dinheiro com essas bobagens.


SOBRE A AUTORA

Larissa Zimberoff é jornalista especializada em negócios relativos a alimentação e tecnologia. saiba mais