Influenciadora criada por IA é baseada em uma pessoal real. E está tudo bem

Ariel Marie forneceu sua voz e imagem à empresa de IA Arcads, que a abordou na plataforma de trabalho Fiverr

Créditos: Anton Vierietin/ iStock/ Robs/ Unsplash

Chris Stokel-Walker 4 minutos de leitura

A criadora de conteúdo que protagoniza um vídeo que viralizou na semana passada – e provocou discussões sobre influenciadores digitais gerados por IA – confirmou que, sim, ela havia autorizado a empresa Arcads a usar sua imagem. Nesse caso, uma ferramenta de vídeo generativa foi empregada para criar uma propaganda de lenços higiênicos com o rosto da criadora.

O vídeo em questão mostrava uma mulher sentada no banco da frente de um carro e reclamando de "mau cheiro no corpo". Mas a razão da viralização não foi a mensagem (que era, essencialmente, promover a higiene pessoal), mas sim o fato de muita gente suspeitar que a moça era uma "influenciadora gerada por IA". 

As opiniões se dividiram: alguns acharam que esse era um sinal assustador do quanto a tecnologia tinha ido longe demais, e que o vídeo era todo falso. Outros acreditavam que a tal atriz desavisada – e que foi vista dizendo aquelas palavras no vídeo – tinha tido sua imagem roubada.

Mas existe um problema com essas duas teorias. A mulher cuja imagem foi usada pela tecnologia de IA para o anúncio, a criadora de conteúdo Ariel Marie, de 24 anos, é de fato humana. E participou de tudo por vontade própria.

Em entrevista à Fast Company, Marie confirmou que ela é a trabalhadora autônoma que forneceu sua voz e imagem à empresa de IA Arcads, que a procurou como qualquer outro cliente na plataforma de trabalho autônomo Fiverr. Nem Romain Torres nem Dylan Fourier, os dois cofundadores da Arcads, responderam aos pedidos de entrevista para esta matéria.

O desenvolvedor de IA Benjamin De Kraker identificou Marie como uma pessoa real pela primeira vez no X/ Twitter, depois de encontrar seu perfil no Fiverr.

Quando Marie foi abordada pela Arcads pela primeira vez, em dezembro de 2023, a empresa explicou que estava procurando "cobaias" para tentar transformar a voz e a imagem de alguém em IA. Marie foi informada de que sua imagem seria colocada no site da Arcads "para que outras pessoas digitassem o que gostariam que ela dissesse, e ela repetiria". 

"Eu pensei: 'isso é um pouco assustador, mas sem dúvida é muito legal'", conta Marie, que mora na Califórnia. "Era um mundo totalmente novo para mim." Ela acabou concordando. Desde então, já aceitou cinco projetos da Arcads por meio do Fiverr.

Em todos esses projetos, foi convidada a se gravar em nove cenários de vídeo diferentes. Por questões contratuais, ela não pode revelar o que lhe foi pedido para gravar ou quanto foi pago por cada projeto, mas disse que recebeu aproximadamente o mesmo valor que cobra por um vídeo normal no Fiverr. Esse valor começa em cerca de US$ 70 para um anúncio de 15 segundos e vai até cerca de US$ 130 para um de 60 segundos.

Marie não quis informar por quanto tempo cedeu seus direitos à Arcads, mas disse que o acordo tinha uma data de validade. Ela pôde revelar que foi solicitada a seguir "diretrizes específicas" durante cada vídeo, para que a tecnologia da Arcads funcionasse.

Foi somente no início desta semana, quando um amigo do namorado encaminhou o vídeo gerado usando sua imagem no banco da frente do carro, que Marie percebeu que havia se tornado protagonista de um meme.

Os deepfakes hiperrealistas e o conteúdo gerado por IA saturaram rapidamente nossa vida digital.

"O amigo do meu namorado mandou uma mensagem para ele com o link do Twitter e disse: 'é a sua namorada ou alguém está usando ela como IA?' Eu não tinha ideia de que isso estava acontecendo e da dimensão que teria."

O especialista em deepfake Henry Ajder diz que a confusão coletiva sobre se Marie era real ou não – e se tinha ou não dado consentimento para o uso de sua voz e imagem – é o resultado do novo mundo cheio de IA generativa.

"Os deepfakes hiperrealistas e o conteúdo gerado por IA saturaram rapidamente nossa vida digital", diz ele. "O impacto dessa dinâmica 'escondida à vista de todos' está aumentando a desconfiança em relação a todas as mídias digitais – de que tudo pode ser falsificado."

Crédito: Reprodução/ Arcads/ X

Desde que viralizou, Marie foi abordada por várias outras empresas (inclusive outra de IA) pedindo para trabalharem juntas. Esta semana, ela também começou a atuar em um novo conjunto de vídeos com a Arcads – o quinto.

Marie não se preocupa com o fato de que, ao ceder seus direitos a uma empresa de tecnologia, ela estaria provocando o fim da sua profissão, como muitos atores temem.

"Nunca vai ser um ser humano de verdade", diz ela. " Com certeza será parecido, mas nunca terá minhas características, meus maneirismos. Isso não pode ser imitado."


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais