Ambientes de trabalho ultra competitivos aprofundam a desigualdade de gênero

Mulheres se sentem menos à vontade do que os homens em ambientes de trabalho competitivos e tendem a ter um desempenho pior neles

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Amalia Miller e Carmit Segal 4 minutos de leitura

Ambientes de trabalho extremamente competitivos – aqueles em que os funcionários lutam uns contra os outros por cargos, bônus e promoções – são comuns em muitas áreas, como direito e mercado financeiro. No entanto, embora uma cultura altamente competitiva seja, à primeira vista, neutra em termos de gênero, ela piora a desigualdade entre homens e mulheres.

Como economistas que estudam a diversidade no ambiente profissional e os conflitos entre carreira e família para as mulheres, nosso intuito foi investigar como a competição no trabalho se manifesta na vida das pessoas.

Só que não podíamos simplesmente comparar pessoas com empregos mais e menos competitivos, porque elas também diferem em muitos outros aspectos. Por isso, montamos alguns experimentos.

No primeiro, realizado em uma biblioteca universitária, contratamos mais de 200 pessoas para um trabalho de assistente de pesquisa a ser realizado em uma única sessão de uma hora, por um pagamento de US$ 25.

Os participantes foram divididos em grupos de quatro – cada um com dois homens e duas mulheres – e colocados para trabalhar testando um programa de computador projetado para ser usado em pesquisas econômicas.

Durante o treinamento, dissemos que eles receberiam o pagamento de US$ 25 desde que trabalhassem por pelo menos 10 minutos, mas também pedimos que trabalhassem o máximo que pudessem.

pesquisas mostram que mulheres são menos atraídas por ambientes de trabalho competitivos e tendem a ter um desempenho pior neles.

Explicamos que o objetivo era medir a capacidade das pessoas de realizar a tarefa ao longo do tempo e que, portanto, quanto mais tempo eles permanecessem, mais útil seria seu trabalho.

Em algumas sessões selecionadas aleatoriamente, também oferecemos nossa cartada final: um bônus competitivo e de alto risco de US$ 30, a ser pago ao membro do grupo que juntasse mais pontos. Para acumular os pontos era preciso clicar em quadrados que apareciam de tempos em tempos nas telas dos computadores. A única maneira de ganhar mais pontos era ficando mais tempo e se esforçando mais.

Embora tenhamos constatado que as motivações sociais e intrínsecas eram suficientes para fazer com que a maioria permanecesse além do tempo mínimo exigido, a oferta do bônus de US$ 30 motivou as pessoas a trabalhar por muito mais tempo.

Mais da metade dos trabalhadores elegíveis para o bônus permaneceram na tarefa por 40 minutos, o tempo máximo permitido, e o tempo de trabalho aumentou 83% no geral.

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Também descobrimos que o prêmio de alto risco criou diferenças de gênero no esforço (tempo de trabalho), produção (pontos ganhos) e remuneração que não estavam presentes em outras condições. Esse resultado mostra que as diferenças de gênero encontradas em disputas de tempo limitado também estão presentes quando as pessoas podem escolher quanto tempo trabalhar.

No segundo experimento, informamos sobre esse bônus a mais de 700 candidatos a um emprego que testava o mesmo programa de computador. Depois, pedimos a eles que escolhessem entre um pagamento fixo por hora extra ou disputas por prêmios de níveis variados.

Homens e mulheres tenderam a escolher a competição por prêmios mais altos, mas os homens se mostraram muito mais propensos do que as mulheres a optar pela disputa. Em outras palavras, à medida que os prêmios aumentavam, a diferença de gênero na participação em competições crescia.

POR QUE ISSO É IMPORTANTE

A pesquisa sugere que ambientes profissionais altamente competitivos pioram a desigualdade de gênero de duas maneiras. A primeira é que as mulheres ficam menos dispostas a participar e persistir em competições de alto risco.

Nossas descobertas aqui são consistentes com pesquisas anteriores que mostram que as mulheres são menos atraídas do que os homens por ambientes de trabalho competitivos e tendem a ter um desempenho pior neles.

No experimento, à medida que os prêmios aumentavam, a diferença de gênero na participação em competições crescia.

Uma segunda maneira indireta de prejudicar a carreira das mulheres é o fato de que elas fazem mais trabalhos domésticos e de cuidados não remunerados do que os homens, o que significa que são menos capazes de dedicar as longas horas necessárias para superar os colegas.

Isso sugere que a concorrência produz os empregos "gananciosos" que exigem comprometimento total dos trabalhadores – fenômeno recentemente destacado pela economista Claudia Goldin, ganhadora do Prêmio Nobel, como uma das principais barreiras à igualdade de gênero.

O QUE AINDA NÃO SE SABE

Embora os pesquisadores estejam compreendendo melhor o problema, as soluções continuam indefinidas. A pesquisa mostra que a concorrência no ambiente de trabalho pode ser um grande impulsionador de lucros para os empregadores e é atraente para alguns trabalhadores. Isso significa que será difícil resolver esse problema.

Nossas descobertas sugerem que as tecnologias de trabalho remoto podem não ser tão eficazes quanto se espera para eliminar as longas jornadas de trabalho e as consequentes diferenças salariais entre gêneros em cargos de liderança.

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Também sugerem que incentivar as mulheres a ingressar e persistir em ocupações competitivas, embora seja importante, não é suficiente para garantir seu sucesso.

Partindo do princípio de que a competição no ambiente profissional continua sendo uma característica central dos cargos de liderança, não será fácil criar espaços mais equitativos. Mas talvez não seja necessário fazer essa pressuposição logo de início.

Talvez valha a pena que os empregadores considerem alternativas não competitivas para motivar os funcionários, por exemplo, usando medidas de desempenho que não sejam baseadas em ordem de classificação. Encorajamos, portanto, que os pesquisadores investiguem essas alternativas.


SOBRE A AUTORA

Amalia Miller é professora de economia na Universidade da Virginia e Carmit Segal é professora de administração econômica na Universid... saiba mais