Menos é mais: a visão de Lourenço Bustani sobre nossa causa maior

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Lourenço Bustani, da Mandalah: “Não existe onda perfeita. A única coisa que existe é o aqui e agora” (Crédito: Divulgação)

Além de principal executivo da Mandalah e sócio da 12358, Lourenço Bustani está nos conselhos do Sistema B (movimento de empresas que conciliam lucro com benefícios sociais) e do Instituto Phaneros, organização sem fins lucrativos pioneira em pesquisa clínica voltada à psicoterapia assistida por psicodélicos para tratamento de doenças mentais e para treinamento de profissionais de saúde.

É uma área da ciência que andou dormente durante décadas, em função das leis proibicionistas dos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970, e agora vive um renascimento. Como pesquisa clínica, a prática já foi autorizada no Brasil, e o neurocientista Eduardo Schenberg, fundador e diretor-executivo do Instituto Phaneros, já rodou o protocolo numa pequena amostra de brasileiros, teve resultados exitosos e publicou na Revista Brasileira de Psiquiatria.

Ao todo, são quatro iniciativas. Já foram mais, mas Lourenço está hoje numa fase “menos é mais”. A ideia é otimizar e aprofundar o envolvimento em poucos negócios.

“Você trabalha muito e, realmente, tem retorno, mas chega um ponto em que você se aproxima do burnout. A partir daí, se continuar trabalhando mais e mais, o rendimento vai cair — Lourenço Bustani”

Sua relação tempo-trabalho passa longe do modelo “9 às 6”. As manhãs são dedicadas ao autocuidado. Pode ser uma prática de ioga, uma sessão de fisioterapia, meditação, leitura, crossfit ou um passeio de bicicleta. “Eu vario bastante, mas é um tempo em que sei que posso ficar tranquilo, 100% dedicado àquela atividade. É um momento para mim”, diz.

A partir das 11 horas ou 11h30, até 18h30 ou 19 horas, Lourenço se vê em frente de uma tela, com uma reunião atrás da outra. “O comecinho da noite é o tempo de convívio com minha companheira. Pode ser cozinhar juntos, assistir um filme, trocar ideias, passear”, diz. Ele reserva para leitura a última hora antes de dormir, que desde o começo da pandemia tem sido cedo. Nos finais de semana, a prioridade é estar perto da natureza. “Praia, serra, floresta, trilha, cachoeira, mar, isso para mim é medicinal”, diz. É uma rotina tranquila, alinhada ao mote “menos é mais”.

Como quase toda pessoa que empreende no Brasil, Lourenço diz que precisou se sacrificar em determinados momentos. No caso dele, durante a primeira metade da carreira empreendedora. “Eu me sacrifiquei muito porque acreditava veementemente que era o que o negócio exigia de mim”, diz. Logo, porém, percebeu que esse olhar condicionou sua mente a entender que aquele ciclo não teria fim. Que aquela seria uma ética de trabalho para o resto da vida. “Eu acho que essa lógica tem uma curva: você trabalha muito e, realmente, tem retorno, mas chega um ponto em que você se aproxima do burnout. A partir daí, se continuar trabalhando mais e mais, o rendimento vai cair”, nota. “O ser humano empreendedor precisa ter noção de qual é esse ponto.”

A crença em que para ser uma pessoa próspera é preciso se sacrificar está, na visão de Lourenço, arraigada em paradigmas obsoletos, mas cujos legados ainda se enxergam na sociedade e no mercado. “É essa ideia de que um bom trabalhador é aquele que se sacrifica a qualquer momento em função da causa maior que é o negócio. Mas essa não é a causa maior”, pondera ele. “A causa maior é usufruir da experiência da vida.”

“O tempo que as pessoas estão economizando com transporte está sendo convertido em mais reuniões via Zoom”

Sua dica de “worklifer”? Desenvolver essa lucidez enquanto as coisas estão acontecendo. Não ficar refém de uma busca desenfreada pela onda perfeita. “Não existe essa onda perfeita”, nota Lourenço. “A única coisa que existe é o aqui e agora.”

O que Lourenço descreve sugere uma nova cultura de vida. Seguramente descartada pela maioria como uma excentricidade hipster. Por sua vez, a Mandalah é uma empresa de vanguarda, reconhecida internacionalmente por isso (foi eleita pela Fast Company norte-americana como uma das empresas mais inovadoras de 2020). Sua abordagem, antes vista como algo cool, porém alternativa, começa a caminhar para o mainstream.

Faz sentido acreditar que um estilo de vida que permite começar o dia de trabalho depois das 11 horas da manhã e coloca a “experiência de vida” como causa maior poderá ser aceito nos círculos convencionais? Lourenço acha que sim e enxerga a pandemia como um gigantesco trauma que nos coloca cara a cara com a fragilidade da vida e, portanto, convida a valorizá-la mais. “As pessoas estão tendo de encarar a iminência da morte como nunca antes. Seja a delas ou de familiares e pessoas queridas”, diz ele. “Isso ressignifica, para muita gente, o que é a experiência da vida.”

“Há um outro lado “sombra” deste momento, que é a tendência de burnout – em especial para pessoas que já tinham uma vida desequilibrada antes da pandemia, por várias razões”

De que maneira, em termos práticos? “Tem muita coisa que perdeu o sentido nesta pandemia. Não dá mais, por exemplo, para ficar horas e horas em reuniões que não resolvem nada”, nota ele. “Aqueles que têm o privilégio de escolher o tipo de ambiente em que vão viver e trabalhar não vão conseguir voltar para a vida de antes.”

Contudo, o que se observa é uma piora nas condições de vida e de trabalho, inclusive do tipo de profissional que pode escolher o que faz, onde trabalha e como trabalha. A lógica do 24 x 7 se fortaleceu no período pandêmico. O tempo que as pessoas estão economizando com transporte está sendo convertido em mais reuniões via Zoom.

“Só não vamos esquecer que estamos no meio de uma emergência sanitária. Então, mesmo que as pessoas quisessem sair de casa para participar de outras atividades, não poderiam”, pondera Lourenço. Num cenário pós-pandêmico, em que ainda exista um regime de trabalho remoto, seja absoluto ou híbrido, sua expectativa é de que as pessoas vão começar a estabelecer certas fronteiras para que a vida volte a ter certo equilíbrio. Isto, claro, considerando o “lado luz” desta circunstância, que é o fato de que, de alguma forma, as empresas se desapegaram um pouco da sua força de trabalho. Por imposição, tiveram de dar um grau considerável de autonomia para seus profissionais, e muitas delas perceberam que o nível de produtividade não caiu. Há um outro lado “sombra” deste momento, que é a tendência de burnout – em especial para pessoas que já tinham uma vida desequilibrada antes da pandemia, por várias razões.

A Mandalah, nota Lourenço, está experimentando um boom de demanda, “muito em função do que a pandemia revelou para todos nós sobre os desequilíbrios no sistema e sobre a necessidade de nos unirmos para fazer frente a ameaças existenciais – não apenas a sanitária, mas também a climática”. A ordem é ser seletivo na escolha dos projetos em que se engajar para preservar o posicionamento de consultoria butique.

“Num cenário pós-pandêmico, em que ainda exista um regime de trabalho remoto, seja absoluto ou híbrido, sua expectativa é de que as pessoas vão começar a estabelecer certas fronteiras para que a vida volte a ter certo equilíbrio”

“A Mandalah tem um jeito artesanal de trabalhar e quer entrar onde realmente vale a pena, onde realmente há potencial de gerar impacto”, afirma Lourenço. “A tendência é crescermos um pouco, mas com todo o cuidado para que o crescimento não acabe diluindo o nosso jeito de trabalhar, que é o que garante o impacto no final do dia.”

Lourenço diz estar vendo, por parte da sociedade civil e da liderança das empresas, um entendimento de que sem regeneração não há negócio possível. Ou, invertendo, se o negócio não estiver a serviço de regenerar a sociedade, a economia e o meio ambiente, os dias dele estarão contados. “Tem de ter senso de urgência, sim. Isso não é opção, é obrigação. É preciso dar uma guinada, e de forma coletiva”, diz Lourenço. “São 15 anos fazendo esse alerta e ajudando empresas na travessia. Talvez a Mandalah tenha sido vista por muitos anos como uma oferta alternativa. Agora já não é mais.”


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