“Sexismo do bem”: o que é e como enfrentá-lo no trabalho

Quando a discriminação sexual no local de trabalho aparece de modo sutil, disfarçada de boas intenções

Crédito: Freepik

Pavithra Mohan 6 minutos de leitura

Quando Catherine Lockinger conseguiu uma vaga na IBM, em 2018, parecia que dali em diante sua carreira seguiria de vento em popa. Depois de ter passado cinco anos no mundo da arte, ela migrou para a área de gerenciamento de produtos e trilhou seu caminho, passando por funções de consultoria até ser recrutada pela IBM.

Aquele emprego lhe daria a oportunidade de montar sua própria equipe e de encontrar soluções para problemas de negócios instigantes. Mas esses não eram os únicos apelos da vaga. “Fiquei muito empolgada em entrar para uma empresa que não era de consultoria, porque eu não precisaria viajar tanto”, ela conta. “E eles têm uma excelente política de licença maternidade.”

Pode ser difícil explicar às pessoas por que o que elas estão fazendo é uma coisa ruim.

Trabalhar na IBM superou suas expectativas – que já eram altas – e logo ela teve sucesso em sua função. Em maio de 2020, deu à luz gêmeos e seguiu trabalhando até a noite anterior ao parto.

Quando entrou em licença maternidade, ela recebeu um prêmio especial de equidade – um reconhecimento pelo seu bom desempenho na empresa. “Sinceramente, eu achava que ia ficar por muito tempo na IBM”, relembra.

“Meus ex-colegas da Deloitte tinham ido trabalhar na Amazon e em outas empresas do tipo, e lembro de dizer a eles: ‘o sonho da Amazon é ser a IBM. Uma empresa de informática que já existe há 100 anos, quem não deseja ter esse sucesso?' E em uma empresa de mais de 400 mil pessoas, há sempre muitas oportunidades. São muitas as direções que sua carreira pode tomar, se você se sair bem."

CHOQUE DE REALIDADE

Cinco meses depois, porém, tudo mudou da água para o vinho. Quando ela estava se preparando para voltar ao trabalho, foi informada de que seu chefe estava saindo da IBM. Até aí, tudo bem, porque tinha certeza de que seu emprego estava seguro e de que seria transferida para outro gerente.

Só que, uma semana antes de retornar de fato ao trabalho, ficou sabendo que seu cargo tinha sido preenchido e que o substituto permaneceria mesmo após o término da licença maternidade. A explicação era que os negócios não podiam ficar esperando por ela.

A “discriminação benevolente” é muito comum, principalmente no que se refere à gravidez ou à maternidade

“Vocês devem imaginar como isso foi um choque para alguém que adorava trabalhar”, diz ela, lembrando que sua licença aconteceu no auge da pandemia. “Durante cinco meses, me senti presa em um apartamento com dois bebês. Estava me sentindo pronta para voltar.”

Quando Lockinger voltou ao trabalho, a empresa garantiu que encontraria outro lugar para ela. Seu novo chefe chegou a sugerir que ela poderia trabalhar meio período ou desacelerar o ritmo, para se concentrar nos filhos.

Outros colegas fizeram coro a essa ideia, aconselhando-a a passar mais tempo com as crianças ou simplesmente deduzindo que sua carreira agora seria menos prioritária.

Em pouco tempo, Lockinger perdeu vários subordinados diretos e suas responsabilidades foram reduzidas. Também foi transferida para uma vaga de gerente mais júnior e, para piorar a situação, convidada a treinar justamente a pessoa que assumiu seu cargo.

Lockinger descreve grande parte dessa experiência como uma “discriminação benevolente”, uma forma mais traiçoeira de discriminação no local de trabalho que é muito comum, principalmente no que se refere à gravidez ou à maternidade.

DISCRIMINAÇÃO DISFARÇADA DE GENTILEZA

Eses casos geralmente se manifestam como discriminação baseada em gênero, mas que também pode estar relacionada a preconceito de idade ou de deficiência. Nesse tipo de situação, o empregador pode pensar que está fazendo aquilo que é certo para o funcionário.

“Os preconceitos estão muito estabelecidos”, diz o advogado trabalhista Brian Heller, que representa Lockinger em um processo de discriminação contra a IBM. 

“A discriminação pode começar com a pessoa promovendo essas exclusões disfarçadas de gentileza, se achando benevolente. Essas ações são prejudiciais, por mais que a pessoa que está cometendo a discriminação aja como se estivesse fazendo um favor e possa até acreditar nisso.”

“Pode ser difícil explicar às pessoas por que o que elas estão fazendo é uma coisa ruim”, diz Sarah DiMuccio, diretora de pesquisa da iniciativa Men Advocating Real Change, da Catalyst. “É quase como tentar explicar por que o cavalheirismo está ultrapassado”.

houve um aumento nas ações alegando preconceito contra grávidas ou desencorajamento de gravidez no local de trabalho.

Enquanto Lockinger sofria para reencontrar seu lugar na IBM após a licença-maternidade, um colega do sexo masculino que tinha se tornado pai pela primeira vez recebeu uma promoção. Quando ela contou a ele sobre sua situação, ele explicou que não havia tirado toda a licença paternidade só para garantir que seria promovido.

“Lembro de ouvir isso e pensar: 'bom, que bom que você tinha essa escolha, né?'. Eu passei por uma cesariana. Estava amamentando gêmeos. Eu não tive escolha”, diz Lockinger.

Os empregadores só ficaram mais conscientes desse tipo de preconceito de gênero nos últimos anos, ainda mais quando a pandemia expôs o peso desproporcional que as mulheres geralmente carregam como cuidadoras.

Também é verdade que houve aumento constante no número de reclamações por discriminação na gravidez registradas na EEOC (Comissão de Equidade de Oportunidades de Emprego dos EUA) e, de acordo com a Bloomberg, um aumento nas ações alegando preconceito contra grávidas ou desencorajamento de gravidez no local de trabalho.

A natureza dessa discriminação, no entanto, permaneceu bastante consistente, de acordo com Heller: uma mãe de primeira viagem pode ser preterida em uma promoção ou retirada de projetos mais importantes. “Faço isso há mais de 20 anos. Esse tipo de discriminação não mudou ao longo desse tempo e permaneceu bastante frequente”.

NÃO SE PODE NEM RECLAMAR

Também é possível que a própria conscientização que levou a empresa a introduzir benefícios de cuidador ou horários de trabalho flexíveis possa, em alguns casos, leva a esse tipo de “sexismo do bem”.

“Existe essa percepção de que a discriminação na gravidez não acontece mais hoje em dia, porque as pessoas estão mais abertas e aceitam as mulheres que tiram licença maternidade”, diz Heller. “E é aí que entra a discriminação disfarçada de gentileza.”

Há uma linha tênue entre oferecer apoio a quem acabou de ter filhos e fazer suposições sobre o que a pessoa pode precisar, principalmente com base no gênero.

na maioria das vezes, o que começa como uma discriminação mais sutil se transforma em retaliação explícita e tem repercussões sérias.

As empresas costumam pensar que estão fazendo a coisa certa quando exercem esse tipo de discriminação cheia de boas intenções. Mas, na maioria das vezes, o que começa como uma discriminação mais sutil se transforma em uma retaliação explícita e tem repercussões mais sérias, que acabam causando danos aos profissionais.

No início de 2021, depois de oito meses defendendo seu caso no RH e tentando encontrar outro cargo na IBM, Lockinger teve que admitir que o futuro que havia imaginado para si mesma não era mais viável. Foi dito repetidas vezes que encontrariam um lugar apropriado para ela na organização, mas isso nunca aconteceu.

Quando pressionou a chefia e expressou suas preocupações por escrito, Lockinger conta que foi penalizada em sua avaliação de desempenho de final de ano. A empresa disse que ela deveria ter “criado” um papel para si mesma. Em maio de 2021, ela decidiu que era hora de pedir demissão.

“Não há como negar que minha carreira sofreu um golpe”, diz ela. “Não tenho dúvidas de que, se não tivesse filhos, seria uma diretora – isso se eu não chegasse à vice-presidência. Agora, vou levar algum tempo para recuperar esse status. Espero poder alcançar isso em uma empresa que realmente valoriza os seres humanos mais do que 'os negócios' que não podiam esperar.”


SOBRE A AUTORA

Pavithra Mohan é redatora da Fast Company. saiba mais