Sexismo enfrentado pela criadora da Barbie permanece até hoje

Ruth Handler, cofundadora da Mattel, teve que lidar com o machismo até da imprensa

Créditos: Matt Campbell/ Getty Images/ Sean Bernstein/ Unsplash

Jennifer Alsever 5 minutos de leitura

Todos sabem que Barbie é uma verdadeira máquina de fazer dinheiro: a boneca responde por quase US$ 1,6 bilhão em receita, o equivalente a 73% do faturamento da fabricante de brinquedos Mattel.

Mas, depois de 60 anos de críticas sobre o impacto da boneca na imagem corporal das meninas, será que a marca Barbie está finalmente pronta para se tornar sinônimo de empoderamento feminino?

A Barbie começou com boas intenções. Ruth Handler, cofundadora da Mattel, criou a boneca em 1959 depois de perceber que suas filhas preferiam brincar com bonecas de papel adultas para “representar seus futuros dos sonhos”, em vez de cuidar de bonecas que imitavam bebês em tamanho real.

O marido de Handler, Elliot Handler, criava os brinquedos, enquanto ela se concentrava nas vendas. Mas Barbie trazia algo totalmente novo. Em sua autobiografia, "Dream Doll" (Boneca dos Sonhos), ela explicou que as meninas não querem só brincar de ser “mamães”. Elas “querem fingir ser gente grande”.

Handler batizou Barbie com o nome de sua filha e baseou o modelo em uma boneca sexual adulta chamada Lilli, inspirada por uma história em quadrinhos alemã picante e por  Tillie the Toiler, uma personagem de história em quadrinhos que foi um dos primeiros retratos de uma mulher de carreira independente.

Os compradores de brinquedos para meninos imediatamente rejeitaram a Barbie curvilínea e de seios grandes. As mães, nas primeiras pesquisas de mercado, também não gostaram da boneca por causa de sua natureza sexualizada. Mas as meninas adoravam Barbie e, após seu lançamento, ela logo se tornou uma marca icônica.

Cena do filme "Barbie" (Crédito: Divulgação)

Em 1968, a Mattel já estava arrecadando U$ 500 milhões em vendas com a boneca. Handler tornou-se milionária e muitas vezes foi o foco de artigos de jornal na década de 1960 – muitos deles revelando o sexismo que a própria Handler enfrentou como empresária.

As histórias muitas vezes expressavam surpresa com a ideia de que as mulheres podiam se tornar milionárias e que não eram ricas necessariamente por causa de um acordo de divórcio, de uma herança ou por se tornar uma estrela de cinema.

"Brinquedos têm uma 'presidente boneca'", diz o título de uma matéria publicada em 1968 sobre a CEO da Mattel

Uma história de 1968 no jornal "Detroit American" celebrou o fato de que mulheres ricas como Handler eram “atraentes, chiques e femininas até o último batom”, ao contrário da “visão tradicional” das mulheres no topo da pirâmide executiva, que “chegaram lá sacrificando sua feminilidade, sua aparência, sua família – se ela tiver uma – e suas oportunidades para uma vida pessoal satisfatória.”

Outro artigo, publicado no Orlando Sentinel, em 1963, dizia que o “engraçado” sobre a equipe de marido e mulher por trás da Barbie era que Ruth era a vice-presidente executiva da Mattel e cuidava da parte comercial da corporação, enquanto seu marido era o criativo.

Ironicamente, apesar de a criadora da Barbie ter enfrentado discriminação de gênero aberta, ela não conseguiu que sua criação superasse efetivamente os estereótipos de gênero. As aspirações de carreira para Barbie permaneceram estereotipadas, incluindo ocupações como modelo e professora.

PERFEIÇÃO INATINGÍVEL EM UMA CAIXA

Já faz muito tempo que as feministas criticam as bonecas Barbie por suas proporções corporais irrealistas e por promoverem o branqueamento e o consumismo, além de reforçarem visões ultrapassadas sobre as mulheres e ideais de perfeição inatingível.

Crédito: Divulgação

As mulheres que marcharam pela igualdade em 1970 na cidade de Nova York cantavam: “eu não sou uma boneca Barbie!” No documentário "Tiny Shoulders: Repensando Barbie", Gloria Steinem afirmou: “Barbie era praticamente tudo aquilo de que o movimento feminista estava querendo distância”.

Mas a marca é tão popular que até mesmo seus pequenos equívocos têm um grande impacto social, diz Christina Spears Brown, professora de psicologia da Universidade de Kentucky, que estuda como as crianças desenvolvem estereótipos étnicos e de gênero.

Uma série de pesquisas mostra que os brinquedos com os quais elas brincam podem afetar seu desenvolvimento a longo prazo – até mesmo positivamente, como comprovado por pesquisas que mostram o impacto dos brinquedos Lego no desenvolvimento de habilidades matemáticas e científicas.

“Os brinquedos são importantes e a forma como as crianças interagem com eles também é”, diz Brown. “Como consumidores, precisamos ser críticos sobre o que eles estão ensinando aos nossos filhos.”

UM FUTURO MAIS INCLUSIVO

Nos últimos oito anos, a Mattel tentou tomar outro rumo. A Barbie agora tem 35 tons de pele, 94 estilos de cabelo e mais diversidade, incluindo uma de gênero neutro, uma que usa linguagem de sinais e uma em cadeira de rodas. Há ainda também quatro tipos de corpos diferentes.

Em 2018, a Mattel lançou uma série de Barbies “exemplares” inspiradas em mulheres da vida real, incluindo a piloto Amelia Earhart, a matemática da NASA Katherine Jenkins e a chef francesa Hélène Darroze.

Crédito: Divulgação

Em 2021, a empresa lançou uma coleção em homenagem às mulheres que estavam fazendo a diferença na luta contra o coronavírus. Um dos modelos foi inspirado na pesquisadora brasileira Jaqueline Goes de Jesus, que liderou o sequenciamento do genoma de uma variante do Covid-19.

“Fico impressionada com o quanto Barbie é popular”, acrescenta Brown. “Mas acho que seu sucesso se mantém porque eles realmente tentaram abraçar a mudança.”

Podem falar o que quiserem sobre a marca e o legado, mas a febre Barbie que estamos revendo hoje em dia mostra o poder de permanência da criação original concebida por Handler – que foi expulsa da Mattel em 1975, depois de enfrentar um câncer de mama.

Se após seis décadas Barbie pode finalmente se esforçar para ser uma “mulher empoderada” e feminista, isso nos dá alguma esperança de enfrentar o sexismo ainda tão difundido no mundo real. Inclusive o preconceito enfrentado por líderes empresariais, como Ruth Handler.

Com informações da Fast Company Brasil.


SOBRE A AUTORA

Jennifer Alsever é jornalista e escreve para publicações como Fortune, The Wall Street Journal, The New York Times e Wired. saiba mais