Beyoncé na onda da country music: o que isso significa para a cultura negra

A polêmica é sobre se a artista tem a ver com o estilo country e se uma estrela do pop pode transitar de um estilo para outro sem perder sua autenticidade

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William Nash 4 minutos de leitura

No domingo do Super Bowl – a grande final do campeonato da liga nacional de futebol americano (NFL, na sigla em inglês) –, Beyoncé lançou duas músicas country: "16 Carriages" e "Texas Hold 'Em". Ambas provocaram uma mistura de admiração e indignação.

Esta não é a primeira incursão da artista no gênero, mas é a mais bem-sucedida e controversa. Na semana passada, ela se tornou a primeira mulher negra a ter uma música em primeiro lugar nas paradas de música country. Mas algumas rádios especializadas nesse estilo musical, no começo, se recusaram a tocá-la porque "não era country".

Muitos não ouvintes têm em mente o estereótipo da música country como sendo branca, politicamente conservadora, militante patriótica e rural. Mas, nos EUA, a história da música country sempre foi mais complicada, e os debates sobre raça e autenticidade nesse segmento não são novidade. Eles preocupam artistas country, gravadoras e ouvintes há mais de um século.

Como alguém que pesquisa e ensina sobre a cultura negra e música country, espero que o grande destaque de Beyoncé mude os termos desse debate. Para mim, a negritude de Beyoncé não é o principal ponto de controvérsia aqui.

Crédito: The Conversation

A polêmica é sobre se a artista tem a ver com o estilo country e se uma estrela pop pode transitar de um gênero musical para outro sem perder sua autenticidade. Felizmente para Beyoncé, isso já foi feito muitas vezes antes. E suas canções estão chegando em um momento no qual mais músicos negros estão emplacando sucessos na música country.

COLABORAÇÃO INTER-RACIAL

Os norte-americanos sempre viram a música country ou, como era conhecida antes da Segunda Guerra Mundial, música hillbilly como sendo, na maioria, um estilo ligado a músicos brancos. Isso é em parte intencional. A categoria "hillbilly" foi inicialmente criada como uma contrapartida aos "registros de raça" voltados para o público negro das décadas de 1920 a 1940.

Mas, desde o início, o gênero foi influenciado por estilos e performances musicais negras. Superestrelas brancas da música country aprenderam canções e técnicas de músicos negros. Infelizmente, existem poucas gravações de artistas negros country do início do século 20.

Da mesma forma, o gênero sempre incluiu uma mistura de instrumentos musicais anglo-americanos e afro-americanos. O banjo, por exemplo, tem raízes africanas e foi trazido por pessoas escravizadas.

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No caso de "Texas Hold 'Em", que começa com um animado riff de banjo, Beyoncé se associou a Rhiannon Giddens, a principal banjoísta negra contemporânea e estudiosa de banjo dos Estados Unidos.

DIFERENTES ABORDAGENS

Ao lançar essas faixas, Beyoncé se junta a artistas como Charley Pride e Mickey Guyton, estrelas country cujo sucesso as obrigou a enfrentar perguntas sobre as conexões entre suas identidades raciais e musicais. Pride se tornou, em 2000, o primeiro norte-americano negro a ser incluído no Country Music Hall of Fame.

Mas, ao longo de sua carreira, Pride resistiu às tentativas de enfatizar sua negritude. Ele sempre se esforçou para ser visto como um artista country que aconteceu de ser negro, em vez de um músico country cuja negritude era central para sua persona pública e para seu trabalho.

No extremo oposto está Guyton, que ganhou reconhecimento e aclamação por músicas como o sucesso de 2020 "Black Like Me" – um comentário franco e sincero sobre os desafios que enfrentou como mulher negra buscando uma carreira em Nashville, Tennessee.

Ambos, Pride e Guyton, refletem os espíritos de suas respectivas décadas. Na esteira das lutas pelos direitos civis da década de 1960, a abordagem "cega para a cor" de Pride permitiu que ele contornasse as tensões raciais existentes.

O trabalho de Guyton, por outro lado, ressoou com a indignação nacional pela morte de George Floyd e se conectou à celebração do empoderamento negro que fazia parte do ethos do Black Lives Matter. E, ainda assim, não consigo pensar em outro artista musical negro com a influência cultural de Beyoncé que tenha abraçado a música country.

COUNTRY MUSIC NO SÉCULO 21

Nos últimos cinco anos, além do burburinho em torno de "Old Town Road" de Lil Nas X, um número significativo de músicos negros – incluindo Darius Rucker, Kane Brown e Jimmie Allen, para citar alguns – têm emplacado sucessos na música country.

A base de fãs leais de Beyoncé, conhecida como "Beyhive", já está impulsionando "Texas Hold 'Em" para o topo das paradas pop e country. Embora possa continuar havendo resistência dos guardiões tradicionalistas da música country, executivos de emissoras country com influência sobre redes de rádio nacionais estão chamando as novas músicas de Beyoncé de "um presente para a música country".

À medida que mais ouvintes seguem o conselho de "simplesmente levar a música para a pista de dança", talvez a harmonia sonora do gênero country se traduza em uma nova maneira de pensar sobre se categorias socialmente construídas, como raça, devem segregar a arte.

E que revolução seria essa.

Este artigo foi republicado "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

William Nash é professor inglês, cultura e literatura norte-americana na Middlebury College. saiba mais