ESG não é assunto apenas para os grandes negócios

Um novo tipo de capitalismo tem ganhado força, o capitalismo de stakeholders, no qual as empresas precisam de estratégias que criem valor a longo prazo

Crédito: rawpixel.com

Gisele Ribeiro Ramos 6 minutos de leitura

O ESG ainda é visto por muitos como um assunto requentado, algo que sempre existiu e que nunca despertou a devida importância no ambiente corporativo. Grande equívoco. Se antes a sustentabilidade era uma demanda de ativistas e de alguns representantes da sociedade civil, agora são os investidores que lideram a pauta. Eles entenderam que os riscos ambientais e sociais são, também, riscos financeiros.

A sigla ESG (do inglês environmental, social and governance, ou ambiental, social e governança) surgiu oficialmente em 2004, em uma conferência da ONU, que contou com a participação de mais de 20 instituições financeiras, com ativos totais superiores a US$ 6 trilhões. A conferência gerou o relatório "Who Cares Wins" (“Ganha quem se importa”, em tradução livre), com orientações sobre a importância da análise das práticas ambientais, sociais e de governança nas operações financeiras.

Desde então, os fundos de investimento têm construído suas estratégias para integrar tais fatores no mercado de capitais e o que era uma tendência se tornou, enfim, realidade nos últimos anos. Segundo relatório da consultoria PwC, 57% dos ativos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG até 2025, o que está colocando forte pressão sobre o setor empresarial.

a agenda ESG é um processo de construção colaborativa que precisa ir além dos números.

Resumindo, o ESG nasceu como uma pauta financeira, na qual empresas cons- troem suas estratégias a fim de demonstrar aos investi- dores e acionistas que têm governança estruturada e agenda eficiente de gestão de riscos sociais e ambien- tais. Mas não é só isso.

INDO ALÉM DOS NÚMEROS

No início do ano, Larry Fink, diretor executivo da Black Rock – maior gestora de ativos do mundo – publicou a sua tradicional Carta Anual aos CEOs. Ele destacou que, nos últimos anos, o que diferencia as empresas incríveis das demais é um claro senso de propósito, valores consistentes e, principalmente, reconhecimento da importância de se envolver e atender aos principais stakeholders.

Um novo tipo de capitalismo tem ganhado força, o capitalismo de stakeholders. Nele, as empresas precisam ir além das questões legais e dos números: é necessário que construam estratégias que criem valor a longo prazo, levando em consideração as necessidades de todas as partes interessadas e da sociedade em geral.

E quem são essas tais partes interessadas? A comunidade do entorno da empresa, seus fornecedores, colaboradores e clientes. Esse ecossistema é que vai dizer, junto com os executivos da empresa, quais ações são relevantes e devem ser inseridas na agenda estratégica de sustentabilidade corporativa. Assim, a agenda ESG é um processo de construção colaborativa que precisa ir além dos números.

o ESG está relacionado à perenidade dos negócios, à lucratividade e à construção de uma imagem positiva perante o mercado.

A pandemia não testou apenas a capacidade de sobrevivência das empresas, ela ampliou os olhares sobre a autenticidade das ações sociais e ambientais. A busca incansável pelo lucro acima de tudo não é mais um padrão aceitável.

Segundo dados do estudo “Brazil 2020 OpportunityTree “, divulgado pela McKinsey, 85% dos brasileiros dizem que se sentem melhores comprando produtos mais sustentáveis. No caso da geração Z, 84% pararam de comprar de marcas que se envolveram em escândalos.

Ou seja, além do aspecto econômico-financeiro dos investimentos, o ESG está relacionado à perenidade dos negócios, à lucratividade e à construção de uma imagem positiva perante o mercado, preocupado com o futuro do planeta e da sociedade.

COMO PEQUENOS NEGÓCIOS SE ENCAIXAM NESSA PAUTA

Diferentemente da Europa, onde já existe uma taxonomia implementada, o Brasil ainda está construindo os seus caminhos. Assim, a pressão por uma adequação de processos está acontecendo, inicialmente, nas empresas maiores - muitas delas multinacionais que devem seguir as mesmas regras das suas matrizes.

Além de investirem em inovação e tecnologia – porque sim, uma agenda estratégica ESG demanda que as empresas invistam em uma transformação radical de seus processos a fim de melhorarem a sua performance quando aos indicadores – as empresas deverão reestruturar seu compliance no que tange ao controle e verificação da gestão de fornecedores e prestadores de serviços.

Isso porque, se um fornecedor oferecer riscos sociais ou ambientais, haverá impacto nos indicadores da empresa contratante. E é aí que essa pauta começa a se encaixar nos pequenos negócios.

se um fornecedor oferecer riscos sociais ou ambientais, haverá impacto nos indicadores da empresa contratante.

É um efeito cascata. Se um pequeno negócio tem interesse em fornecer para uma grande empresa, é preciso que estabeleça sua governança, construa uma agenda de sustentabilidade corporativa e comunique suas ações através de relatórios públicos. Será preciso que, considerando suas limitações de investimento financeiro, o empresário pense estrategicamente em como criar valor no longo prazo.

Não precisa ser complexo, mas tem que ser coletivo. Aliás, essa é uma palavra extremamente importante para o pequeno negócio. Além de envolver os colaboradores, fornecedores, clientes e a comunidade, o pequeno empreendedor pode se unir a outros pequenos negócios locais e criar estratégias conjuntas – o que dá mais robustez e visibilidade.

Uma agenda de sustentabilidade ainda pode ser uma excelente oportunidade para acessar recursos financeiros com taxas menores, visto que vários bancos e gestoras estão direcionando recursos para fundos exclusivos ESG. Além de ser uma excelente estratégia para agregar diferencial competitivo aos pequenos negócios, ampliar sua participação de mercado atraindo novos consumidores e dar visibilidade à empresa – impulsionando, inclusive, o seu crescimento.

CULTURA CORPORATIVA, O GRANDE DESAFIO

Recentemente, li uma entrevista do atual executivo do grupo Natura, Fabio Colleti Barbosa, na qual ele afirmava que um primeiro grupo de empresas implementará estratégias por convicção – ou seja, por de fato acreditarem que o mundo precisa de negócios mais sustentáveis e de uma economia global mais justa.

Um segundo grupo o fará por conveniência – seja para ganhar vantagem competitiva ou se beneficiar

a agenda ESG é um processo de construção colaborativa que precisa ir além dos números.

financeiramente, graças a taxas de juros menores ou acesso aos fundos de investimento. E um terceiro grupo, mais tardio, construirá suas estratégias por constrangimento, visto que não será mais possível ficar de fora de um movimento que já estará estabelecido em grande parte da economia.

Para concluir, é importante reforçar que, seja para um pequeno ou um grande negócio, o ESG é um caminho sem volta. As empresas que não investirem nessa pauta devem morrer em um horizonte de cinco ou 10 anos. Os líderes de mercado já começaram a se movimentar.

Porém, o maior desafio para que toda essa transformação aconteça é a cultura. São as pessoas que planejam, implementam, fazem a gestão e a avaliação das estratégias.

Se você deseja levar essa pauta para a sua organização, não comece executando mil ações sem considerar o ecossistema de pessoas. São elas que vão mostrar o melhor caminho. Pare, estude, ouça e construa colaborativamente.

ESG precisa, antes de tudo, fazer sentido. Pela primeira vez, sociedade e empresas estão caminhando na mesma direção, mesmo que por motivos diferentes.


SOBRE A AUTORA

Gisele Ribeiro Ramos é CEO da ESG Venture Builder, focada em investir em startups com soluções tecnológicas para os desafios da susten... saiba mais