Colossal aposta na preservação do planeta ao trazer de volta espécies em extinção
Ben Lann, criador da Colossal Biotechnologies, quer promover a desextinção de espécies por meio da edição genética

A volta de um mamute-lanoso à Terra pode ser a chave para ajudar a humanidade a resistir a doenças e mudanças climáticas.
Pelo menos, essa é a aposta de Ben Lamm, fundador da Colossal Biosciences e um dos palestrantes principais do festival South by Southwest 2025 (SXSW).
Sua empresa quer promover a recuperação de espécies extintas, usando engenharia genética. Mas o objetivo do projeto vai muito além de trazer de volta animais do passado.
Desde 2021, a Colossal vem desenvolvendo tecnologias para recriar espécies como o mamute, o tigre-da-tasmânia e o dodô, em um processo que apelidaram de “desextinção”.
Seu maior avanço até agora foi o rato lanoso, um roedor geneticamente modificado para apresentar características do mamute-lanoso, como pelos longos e um metabolismo adaptado ao frio.
O experimento provou que é possível modificar múltiplos genes ao mesmo tempo para tornar espécies mais resilientes a mudanças extremas.
Com valor de mercado de US$ 10,2 bilhões, a Colossal não é uma empresa qualquer. Suas tecnologias de edição genética, inteligência artificial e modelagem computacional estão atraindo atenção não apenas para a desextinção, mas para potenciais aplicações na medicina, na segurança alimentar e até no combate a doenças zoonóticas.
Para Lamm, a engenharia genética não é apenas uma ferramenta para evitar extinções. Se não conseguimos salvar as espécies rápido o suficiente, podemos reconstruí-las para que resistam ao futuro?
Se não fizermos nada, podemos perder até 50% da biodiversidade global até 2050.
A Colossal argumenta que um mamute recriado para viver na tundra pode ajudar a restaurar ecossistemas degradados e até reduzir a emissão de metano, um dos gases mais potentes para o aquecimento global.
Mas até onde essa tecnologia pode chegar? Estamos preservando a natureza ou criando algo inteiramente novo? Se podemos trazer espécies de volta, também podemos evitar que outras desapareçam?
Nesta entrevista, Benn Lamm explica como a desextinção pode transformar o futuro da vida na Terra.
FC Brasil – Como você explicaria o trabalho da Colossal de maneira simples?
Ben Lamm – A Colossal é a primeira empresa do mundo dedicada à desextinção e preservação de espécies. Isso significa que usamos uma combinação de computação, inteligência artificial e engenharia genética para reconstruir espécies extintas por ação humana.
Além disso, as tecnologias que desenvolvemos podem ser aplicadas à conservação – e as disponibilizamos gratuitamente para esse fim. São formas de manter o ambiente mais resistente a mudanças climáticas.
FC Brasil – A Colossal trabalha com a “desextinção” de espécies. Estamos em um momento climático que aponta para vários sinais de “não-retorno”. Como recriar espécies pode ajudar a natureza?
Ben Lamm – Sou um otimista nato. Se acreditarmos que já passamos do ponto de não retorno, por que ainda tentaríamos? Mas, enquanto o mundo discute a crise climática, não falamos o suficiente sobre a crise da biodiversidade.
Se não fizermos nada, podemos perder até 50% da biodiversidade global até 2050. Sabemos que a conservação funciona, mas não na velocidade necessária para reverter os danos que já causamos.
a desextinção não é apenas teórica – ela já é viável.
Por isso, precisamos de novas ferramentas para salvar espécies. E, se não formos rápidos o suficiente para protegê-las, precisamos de meios para trazê-las de volta.
Muitas dessas espécies são espécies-chave, fundamentais para a estabilidade dos ecossistemas. Se desaparecem, causam um efeito dominó na fauna, flora e até na capacidade desses ambientes de absorver carbono e regular o clima.
FC Brasil – Como vocês escolhem quais espécies trazer de volta?
Ben Lamm – Nosso foco são espécies icônicas, cuja extinção foi causada por ação humana e cuja reintrodução pode gerar benefícios ecológicos. Olhamos para animais que seriam o “topo da cadeia” alimentar e que, se retornarem, trazem benefícios também para o ambiente.

É o caso do mamute-lanoso, que poderia ajudar a tundra a voltar e também a capturar carbono. Estamos trabalhando com outras três espécies que foram extintas: marsupiais, como o tilacino (ou tigre-da-tasmânia); mamíferos placentários, como o mamute-lanoso; e aves, como o dodô.
FC Brasil – O rato lanoso é uma espécie de rato geneticamente modificado, que vocês anunciaram esta semana. Como ele prova o conceito de “desextinção digital”?
Ben Lamm – O rato lanoso foi um grande marco para a Colossal. É um rato geneticamente editado para apresentar características do mamute-lanoso, como pelos longos, densos e ondulados, além de adaptações metabólicas para ambientes frios.

Para isso, realizamos oito edições genéticas em sete genes diferentes, com 100% de eficiência. Um exemplo é o FGF5, que regula o crescimento do pelo. Quando desligamos esse gene, o rato desenvolveu pelos longos, três vezes mais do que a espécie não modificada.
Além disso, modificamos o MC1R, responsável pela pigmentação, para criar um tom dourado semelhante ao dos mamutes. Também alteramos o FABP2, um gene ligado ao metabolismo lipídico, simulando a capacidade dos mamutes de armazenar gordura e sobreviver ao frio extremo.
Conseguimos fazer todas essas edições de uma só vez, sem efeitos colaterais inesperados. Isso mostra que a desextinção não é apenas teórica – ela já é viável.
FC Brasil – Qual o limite entre a desextinção e a intervenção humana no meio ambiente?
Ben Lamm – Na verdade, o homem está editando e intervindo no meio ambiente o tempo todo. A maneira como desmatamos, introduzimos espécies invasoras ou até cultivamos alimentos já molda os ecossistemas de forma profunda. O que estamos fazendo é tornar essa intervenção mais precisa, corrigindo os impactos negativos que já causamos.
FC Brasil – Ainda assim, há uma escolha humana no que vai ou não ser editado. Como prevenir que isso afete o processo natural de evolução das espécies?
Ben Lamm – As pessoas gostam de pensar nas espécies como algo fixo, mas a natureza não funciona assim. A especiação não é uma rocha sólida, é um rio em constante movimento.
precisamos de novas ferramentas para salvar espécies ou de meios para trazê-las de volta.
Quer um exemplo? Se você já fez um teste genético, como o 23andMe, sabe que muitos de nós carregamos 2% a 3% de DNA neandertal. Isso significa que somos híbridos, não Homo sapiens "puros", como gostamos de acreditar. Então, o que define uma espécie?
Se aceitamos que a evolução é um processo contínuo, a questão não é se podemos ou não mudar a natureza, mas como fazemos isso de forma responsável.
FC Brasil – E como garantir que a reintrodução de espécies seja segura?
Ben Lamm – Quando uma espécie desaparece de um ecossistema, o impacto não se resume apenas àquele animal. Isso afeta toda a cadeia alimentar, a flora e a fauna ao redor e até a forma como o ambiente sequestra carbono ou mantém seus recursos hídricos.
É por isso que a Colossal não trabalha isoladamente. Antes de qualquer reintrodução, fazemos modelagem ecológica, estudos de impacto e construímos parcerias locais.
Na Tasmânia, onde estamos estudando a reintrodução do tilacino, estamos trabalhando com comunidades indígenas, proprietários de terras privadas e até a indústria madeireira.

Pode parecer estranho envolver madeireiras em um projeto de conservação, mas a realidade é que a maior atividade econômica da região é a exploração de madeira. Se quisermos restaurar um ecossistema onde essas empresas operam, não podemos simplesmente ignorá-las e esperar que aceitem mudanças.
Em vez disso, criamos um processo colaborativo, ouvindo suas preocupações e desenvolvendo estratégias que beneficiem tanto a biodiversidade quanto as necessidades econômicas locais.
Se o objetivo for realmente restaurar ecossistemas, não basta apenas devolver espécies. Precisamos garantir que as comunidades humanas que vivem nesses ambientes também vejam valor nesse processo.
FC Brasil – Como a desextinção e a preservação ambiental se conectam?
Ben Lamm – Cada projeto de desextinção é pareado com um projeto de preservação de uma espécie criticamente ameaçada.
Na Austrália, por exemplo, marsupiais como o quoll-de-cauda-pintada (conhecido também como gato-tigre) estão sendo dizimados pelo sapo-cururu, uma espécie invasora tóxica.
Como esses marsupiais não evoluíram ao lado dos sapos, eles não têm resistência ao veneno e morrem ao ingeri-los. Se não fizermos nada, essa espécie de marsupiais, que existe há milhares de anos e é essencial para o equilíbrio ambiental, pode ser extinto nos próximos 10 anos.

Em vez de tentar erradicar os sapos, o que seria impossível, analisamos mamíferos sul-americanos que convivem naturalmente com eles e descobrimos quais genes conferem resistência ao veneno.
Descobrimos que uma única edição genética pode tornar os quolls cinco mil vezes mais resistentes ao veneno. Testamos essa edição em laboratório e agora estamos planejando sua reintrodução controlada na natureza. Se der certo, não só salvamos os quolls, como também ajudamos a equilibrar o ecossistema.
FC Brasil – Essa técnica funcionaria também para reduzir o fim de doenças transmitidas entre animais?
Ben Lamm – A Colossal não está focada diretamente em zoonoses, devo deixar isso claro. Mas acredito que alguns dos impactos da nossa pesquisa podem ser aplicados nessa área.
Quando alteramos a genética de uma espécie para torná-la mais resistente a uma ameaça ambiental, também podemos identificar e bloquear vetores de doenças.
FC Brasil – Tomando um exemplo brasileiro, a edição genética poderia tornar outras espécies de mosquito mais resistentes do que o Aedes Aegypt, certo?
Ben Lamm – Existem pesquisadores que olham para insetos modificados. Isso seria possível, sim. E espero esse tipo de uso para a edição genética no futuro.
FC Brasil – Falando em futuro, onde você vê a Colossal em 20 anos?
Ben Lamm – Estamos construindo uma "caixa de ferramentas da desextinção", que pode ser usada não apenas para salvar espécies e restaurar ecossistemas, mas também para impulsionar a biotecnologia.
As tecnologias desenvolvidas pela Colossal são disponibilizadas gratuitamente para projetos de conservação.
O que mais me preocupa é que cheguemos a 2050 e não tenhamos feito o suficiente para proteger a biodiversidade. Se perdermos metade das espécies do planeta e não tivermos as ferramentas para restaurá-las, as consequências podem ser irreversíveis.
Se fizermos nosso trabalho direito, a Colossal terá desenvolvido tecnologias que não apenas evitam a extinção, mas que ajudam a criar soluções para um mundo mais resiliente, tanto para humanos quanto para os ecossistemas.
Se um dia percebermos que não precisamos dessas ferramentas, ótimo. Mas o pior cenário seria chegar ao futuro e não ter feito nada para evitar o colapso da biodiversidade.