A inovação do futuro é a tecnologia ancestral e centrada nas pessoas
Sem as pessoas no centro do desenvolvimento, especialmente as mais impactadas pela mudança climática, não vamos avançar da maneira esperada
Como marinheira de primeira viagem no festival South by Southwest deste ano, as ideias efervescentes, as tendências de futuro e a diversidade de perfis em Austin ainda reverberam.
Alguns dos temas que me impactaram profundamente foram como inteligência artificial geral (IAG) pode ser uma realidade até o final desta década, chegando a um nível próximo da expertise humana – algo que poderia ser comparável a uma nova Revolução Industrial – e a intersecção entre inovação e propósito, uma discussão que considero urgente.
A equação é simples: em um mundo onde um terço da população global ainda não tem acesso à internet, conforme dados das Nações Unidas divulgados no ano passado, é crucial que novas tecnologias sejam direcionadas para promover o bem-estar das pessoas e reduzir as desigualdades sociais.
No Brasil, das 36 milhões de pessoas que não acessaram a internet em 2022, segundo a pesquisa TIC Domicílios, 17 milhões se declararam pretas ou pardas e 17 milhões pertencem às classes D e E, o que sinaliza uma exclusão digital nas periferias urbanas.
Quando falamos de educação, o cenário também preocupa: mais da metade das crianças brasileiras do segundo ano do Ensino Fundamental da rede pública não aprenderam a ler e escrever, de acordo com pesquisa do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Considerando que um dos fatores-chave para o uso bem-sucedido da inteligência artificial é saber fazer as perguntas certas, se as inovações em curso não contemplarem o fortalecimento da educação entre as populações mais vulneráveis, essas questões seguirão sendo feitas pelos mesmos.
Tecnologias que soam inovadoras na verdade já existem e são usadas há milhares de anos em territórios indígenas.
Outro desafio global que precisa estar no centro dessa discussão é a crise climática. É imensurável o poder de tecnologias como a IA para ajudar no enfrentamento ao colapso do clima, como, por exemplo, na previsão de padrões climáticos futuros com maior precisão, possibilitando uma resposta mais eficaz a eventos climáticos extremos e orientando políticas de mitigação e adaptação.
Além disso, algoritmos de IA podem otimizar o uso de recursos naturais, tornando os processos industriais e agrícolas mais regenerativos. Por exemplo, sistemas de IA podem ser utilizados para monitorar e analisar mudanças ambientais em larga escala, como o desmatamento e a poluição, além de promover a regeneração do meio ambiente e a inclusão social, como sistemas de energia limpa, transporte sustentável e agricultura de precisão.
Mas, sem as pessoas no centro desses desenvolvimentos – especialmente aquelas mais impactadas pelas alterações climáticas –, não conseguiremos avançar da maneira esperada.
Txai Suruí, líder indígena brasileira e uma das palestrantes do festival, mencionou que o futuro da inovação deve ser ancestral. Eu não poderia concordar mais com essa afirmação.
Enquanto a humanidade se debruça na corrida de novas fronteiras tecnológicas, povos nativos e originários da Amazônia dão o exemplo de que é mais fácil preservar as águas dos rios do que desenvolver novas máquinas para limpá-los. Tecnologias essas que muitas vezes soam inovadoras mas, na verdade, já existem e estão sendo executadas há milhares de anos em territórios indígenas, como as agroflorestas.
Como disse Txai, o futuro que o não-indígena está imaginando é um futuro do fim do mundo, ao contrário dos povos originários, que provam que um futuro diferente não é uma utopia. Que as inovações cheguem para dizer que podemos, sim, sonhar com um amanhã mais esperançoso e de maior valor compartilhado para todos.