A inovação do futuro é a tecnologia ancestral e centrada nas pessoas

Sem as pessoas no centro do desenvolvimento, especialmente as mais impactadas pela mudança climática, não vamos avançar da maneira esperada

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Ângela Pinhati 3 minutos de leitura

Como marinheira de primeira viagem no festival South by Southwest deste ano, as ideias efervescentes, as tendências de futuro e a diversidade de perfis em Austin ainda reverberam.

Alguns dos temas que me impactaram profundamente foram como inteligência artificial geral (IAG) pode ser uma realidade até o final desta década, chegando a um nível próximo da expertise humana – algo que poderia ser comparável a uma nova Revolução Industrial – e a intersecção entre inovação e propósito, uma discussão que considero urgente.  

A equação é simples: em um mundo onde um terço da população global ainda não tem acesso à internet, conforme dados das Nações Unidas divulgados no ano passado, é crucial que novas tecnologias sejam direcionadas para promover o bem-estar das pessoas e reduzir as desigualdades sociais.

No Brasil, das 36 milhões de pessoas que não acessaram a internet em 2022, segundo a pesquisa TIC Domicílios, 17 milhões se declararam pretas ou pardas e 17 milhões pertencem às classes D e E, o que sinaliza uma exclusão digital nas periferias urbanas.

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Quando falamos de educação, o cenário também preocupa: mais da metade das crianças brasileiras do segundo ano do Ensino Fundamental da rede pública não aprenderam a ler e escrever, de acordo com pesquisa do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Considerando que um dos fatores-chave para o uso bem-sucedido da inteligência artificial é saber fazer as perguntas certas, se as inovações em curso não contemplarem o fortalecimento da educação entre as populações mais vulneráveis, essas questões seguirão sendo feitas pelos mesmos.

Tecnologias que soam inovadoras na verdade já existem e são usadas há milhares de anos em territórios indígenas.

Outro desafio global que precisa estar no centro dessa discussão é a crise climática. É imensurável o poder de tecnologias como a IA para ajudar no enfrentamento ao colapso do clima, como, por exemplo, na previsão de padrões climáticos futuros com maior precisão, possibilitando uma resposta mais eficaz a eventos climáticos extremos e orientando políticas de mitigação e adaptação.

Além disso, algoritmos de IA podem otimizar o uso de recursos naturais, tornando os processos industriais e agrícolas mais regenerativos. Por exemplo, sistemas de IA podem ser utilizados para monitorar e analisar mudanças ambientais em larga escala, como o desmatamento e a poluição, além de promover a regeneração do meio ambiente e a inclusão social, como sistemas de energia limpa, transporte sustentável e agricultura de precisão.

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Mas, sem as pessoas no centro desses desenvolvimentos – especialmente aquelas mais impactadas pelas alterações climáticas –, não conseguiremos avançar da maneira esperada.

Txai Suruí, líder indígena brasileira e uma das palestrantes do festival, mencionou que o futuro da inovação deve ser ancestral. Eu não poderia concordar mais com essa afirmação.

Enquanto a humanidade se debruça na corrida de novas fronteiras tecnológicas, povos nativos e originários da Amazônia dão o exemplo de que é mais fácil preservar as águas dos rios do que desenvolver novas máquinas para limpá-los. Tecnologias essas que muitas vezes soam inovadoras mas, na verdade, já existem e estão sendo executadas há milhares de anos em territórios indígenas, como as agroflorestas.

Como disse Txai, o futuro que o não-indígena está imaginando é um futuro do fim do mundo, ao contrário dos povos originários, que provam que um futuro diferente não é uma utopia. Que as inovações cheguem para dizer que podemos, sim, sonhar com um amanhã mais esperançoso e de maior valor compartilhado para todos.


SOBRE A AUTORA

Ângela Pinhati é head de sustentabilidade da Natura. saiba mais