A inteligência social, as filas no SXSW e a viagem para a lua de Júpiter

Créditos: Mike Petrucci/ Levi Jones/ Unsplash

Fred Gelli 6 minutos de leitura

Cinco dias no festival South by Southwest foram uma inspiração poderosa para a escolha do tema para este artigo. Com tanta coisa acontecendo em tão pouco tempo, tanta gente inteligente pelas sessões do centro de convenções, pelos corredores, nas happy hours e nas festas, participar do festival representou quase que uma overdose de insights e provocações. 

Como esperado, as inteligências artificiais, suas dores e delícias foram o tema recorrente dentro e fora dos palcos. Amy Webb coloca lenha na fogueira adicionando outras duas tecnologias que, juntas, formam o que ela chama de “superciclo’’: os sistemas de wearables interconectados e a biotecnologia. O impacto desse alinhamento de inovações disruptivas vai transformar exponencialmente nossas vidas.

Até aí, nenhuma grande surpresa. A novidade mesmo, para mim, nesses dias que estive por lá com meu sócio Pedro Medicis, foi a “inteligência social”. Aquela que sempre usamos, que nos trouxe até aqui e que nos diferencia de outras espécies.

Uma capacidade de conexão bem diferente da que acontece virtualmente, que tem a ver com o olho no olho, com a proximidade e o imprevisível, com o abraço e com uma energia abstrata difícil de definir.

Aquela que desenvolvemos lá atrás, em volta das fogueiras, nas rodas de tambores ancestrais, em que por meio da música, das histórias e das experiências compartilhadas, criamos cultura e abrimos espaço para resolver desafios de nossa trajetória.

Na minha opinião, o melhor do festival foram as trocas que aconteceram com o poder real do encontro. Parece brincadeira, mas um dos pontos altos eram as grandes filas para as palestras, nas quais esbarrávamos com amigos, clientes ou simplesmente começávamos a conversar com um desconhecido genial que veio do outro lado do mundo.

Crédito: Reprodução/ Instagram

Aqui as trocas são ricas, com pontos de vista sobre conteúdos se misturando, ideias surgindo e reforçando relações que já existiam ou abrindo espaço para novas. Alguém me disse que deveriam acabar com as filas usando RFADs nos celulares e eu disse “nãoooo”!

O tempo de respiro entre conteúdos e as trocas especiais mais do que justificam essa estrutura quase pré-histórica. Também destaco os funcionários com bandeirinhas super analógicas sinalizando o “end of the line”. 

As happy hours, as festas e até o famoso Pete’s também foram palco de muita conexão legal. A mistura de gente especial e com guarda baixa, interessada na troca e ainda com um pouco (ou muito) de bebida, também sempre presente nos rituais ancestrais, criaram o ambiente perfeito para que as ideias fluíssem.

Foram muitas. Desde uma série para TV em um papo com Edu Lyra e KondZilla, até uma ideia ambiciosa que amadureceu em um papo com Wal Flor, Raul Santahelena e Renato Haramura, para fazer uso da força criativa coletiva que o festival reúne para ajudar a resolver os principais desafios que temos pela frente.

Hugh Forrest (Crédito: SXSW)

Voltei, inclusive, com o cartão do CEO do SXSW, Hugh Forrest, que pareceu ter curtido a possibilidade e quer receber a ideia estruturada por e-mail.

Ainda sobre a inteligência social, saí com um sentimento de que, muitas vezes, conteúdos incríveis, compartilhados pelas maiores autoridades dos temas ficavam pouco atraentes, gerando bocejos na plateia, exatamente pela falta de ingredientes expressivos que transcendem nossa intelectualidade.

Não dá para desprezar a forma. Como defende Marshal McLuhan, o meio é a mensagem. A forma como transmitimos informações molda nossa compreensão.

Quando uma mesa é montada com quatro especialistas com algum assunto incrível, mas que investiram pouco na forma de compartilhar suas experiências – e, ainda por cima, com um mediador sem carisma –, é um grande desperdício de energia. O encontro entre aquelas inteligências acumuladas no palco e a plateia ávida pelo conhecimento não acontece na plenitude. 

O contraponto foi a participação do Kdu dos Anjos, da ONG Lá da Favelinha, que no final da sua apresentação, na Casa São Paulo, levantou e declamou uma poesia ritmada e potente que traduzia em prosa tudo o que foi discutido naquela manhã do “Favela Day” – por sinal, uma das melhores experiências do festival.

Casa São Paulo no SXSW (Crédito: Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo)

Ali, a forma era parte do conteúdo. Ele, todo vestido com flores bordadas, fez a plateia se emocionar e aplaudir de pé. O recado estava dado. Mensagem contundente da realidade das comunidades, seus sonhos e ambições, indo direto para nossas cabeças, mas passando pelo coração. 

Na Tátil, chamamos de design feeling a tecnologia de garantir conexões emocionais entre conteúdos e audiências, sempre passando pelas dimensões poéticas e estéticas. Inclusive, acho que existe um espaço enorme para o Brasil, que tinha a maior delegação na plateia e nos palcos. 

Somos um povo fera demais em engajar pela emoção. Podemos dar nossos recados para o mundo misturando nossa erudição com nosso borogodó. Fica a dica para todo mundo que sentir o chamado aplicar seus conteúdos no ano que vem. As inscrições começam em junho.

as trocas são ricas, com pontos de vista sobre conteúdos se misturando, ideias surgindo e reforçando relações que já existiam ou abrindo espaço para novas.

Para fechar, vale citar o começo, mais precisamente a palestra de abertura do festival, na qual a cientista da NASA Lori Glaze dividiu o palco com a poetisa norte-americana Ada Limón.

Uma poesia de Ada estará gravada em uma placa na NASA que chegará em Europa, uma das luas de Júpiter. A NASA acredita que possa existir por lá uma enorme quantidade de água líquida com material orgânico e energia e, quem sabe, vida.

Na conversa entre elas, o convite era exatamente para que abríssemos espaço em nossa visão de como o futuro emergirá, considerando o balanço entre a tecnologia que está nos levando a explorar o universo com a tecnologia que nos faz ser humanos.

Nossos sentidos, nossa capacidade de imaginar, de inventar o abstrato, de fazer arte e poesia. A cabeça e o coração em sintonia para seguirmos em nossa jornada evolutiva.

Aqui, o poema de Ada Limón:

Arqueando sob o céu noturno cheio de expansividade negra, apontamos para os planetas que conhecemos, nós pregamos desejos rápidos em estrelas.


Da terra, lemos o céu como se fosse um livro infalível do universo, experiente e evidente.


Ainda assim, existem mistérios abaixo do nosso céu: o canto da baleia, o pássaro cantante cantando seu chamado no galho de uma árvore sacudida pelo vento.

Somos criaturas de admiração constante, curiosas pela beleza, pelas folhas e flores, pela dor e pelo prazer, pelo sol e pela sombra.


E não é a escuridão que nos une, nem a fria distância do espaço, mas a oferenda de água, cada gota de chuva, cada riacho, cada pulso, cada veia.


Ó segunda lua, nós também somos feitos de água, de mares vastos e convidativos.


Nós também somos feitos de maravilhas, de amores grandiosos e comuns, de pequenos mundos invisíveis, de uma necessidade de clamar na escuridão.

Ada Limon


SOBRE O AUTOR

Fred Gelli é co-fundador e CEO da Tátil Design, consultoria de branding, design e inovação que desenha estratégias e experiências de m... saiba mais