SXSW 2024: o momento é uma fruta – desfrutemos

Aproveito o início do SXSW pra propor uma nova tendência: o JOBO - Joy of Being Onspot*

Crédito: Tico Mendoza

Guido Sarti 7 minutos de leitura

O SXSW pode ser uma oportunidade para a gente reaprender a enxergar o mundo com a mesma curiosidade de um mergulhador, de uma criança ou de Gagarin quando foi para o espaço e viu que a Terra é azul (e redonda).  

Esse texto que você está lendo é minha proposta de como desfrutar do SXSW sem neurose. Sem FOMO (Fear Of Missing Out, ou “medo de ficar por fora”), sem FOBO (Fear Of a Better Option, ou “medo de perder uma opção melhor”)  e sem JOMO (Joy Of Missing Out, ou “alegria de estar por fora”).

Nosso ponto de partida é a frase de Borges: “sou todos os autores que li, todas as pessoas que conheci, todas as cidades que visitei” (o texto que publiquei aqui na Fast Company Brasil em agosto de 2023 fala bastante de Borges – aliás, esse é meu artigo favorito, recomendo a leitura). Se tudo der certo, esse novo olhar sobre o SXSW vai ajudar a gente a ter um novo olhar também sobre a vida. 

A ideia é levar a frase de Borges até as últimas consequências. Meu convite, ou melhor, meu desejo, é que você vá e simplesmente seja. Deixa eu tentar explicar melhor.

Nossa presença é tudo que temos. É tudo que temos a oferecer para os outros, mas sobretudo para nós mesmos.

Comecei a aproveitar o SXSW de verdade quando passei a me preocupar menos em planejar e registrar tudo (seja anotando, tirando foto ou fazendo vídeo). Esse registro mecânico e deliberado dá a confortável ilusão (e qual ilusão não é confortável?) de que você está absorvendo a experiência ao máximo. Pior: de que você está no controle.

Mas, para mim pelo menos, funciona ao contrário. Essa obsessão pelo registro mecânico te afasta da experiência em si. De um jeito ou de outro, só de estar andando por lá, vendo e ouvindo tanta coisa massa, você nunca mais vai ser o mesmo. 

SEJA ESTRANHO, SEJA HERÓI

Outra humilde sugestão: seja estranho. Vá nas palestras esquisitas, inusitadas. Vá ver uma apresentação sobre um tema que não tem nada a ver com seu trabalho. Melhor: vá ver a pessoa que você nunca ouviu falar discorrer sobre um tema que você nem sabe o que significa.

Se permita ser um pouco displicente e definir seu roteiro enquanto o evento acontece, conforme o dia se desvela. Vá com a mesma curiosidade de um mergulhador. Mergulhadores não só estão em mundo inteiramente novo, com uma gravidade diferente, como estão sempre absolutamente conectados com o momento presente, pois precisam prestar atenção na respiração o tempo todo.

Amy Webb (Crédito: SXSW)

Concordo que é incrível assistir in loco uma palestra do John Maeda ou da Amy Webb. Meu ponto é que essas atrações mainstream são tão mainstream que provavelmente você será impactado pelo seu conteúdo mesmo que não esteja lá.  

Aqui nesse link tem algumas apresentações que eu favoritei (sendo honesto com o fio condutor desse texto, tenho de compreender se você ignorar minha curadoria). De toda forma, são palestras que talvez não te transformem imediatamente em um profissional melhor, mas que têm potencial para transformar sua forma de enxergar o mundo.  

UM HUMILDE GUIA PRÁTICO DE SOBREVIVÊNCIA 

Tem também algumas estratégias um pouco mais pragmáticas. A lista a seguir é basicamente um compilado de coisas que gostaria que alguém tivesse me dito quando eu estava indo para o SXSW pela primeira vez. 

● Leve um powerbank de confiança. Tem muita tomada espalhada, mas nas salas propriamente ditas é bem mais raro. 

● As ruas do centro estarão fechadas para carros. É uma boa hora para usar modais menos individualistas como a bike ou a boa & velha caminhada. É uma oportunidade de repensar nossa "carrodependência". 

● Em algum momento da noite vai fazer frio. Leve um moletom e aquele corta vento para se proteger das eventuais chuvas. 

● Se você, como eu, quando pega um bom lugar não quer mais largar, vale muito preparar alguns sanduichinhos para ter à mão ao longo do dia. 

● Água sempre. Garrafinha de água reaproveitável sempre que possível.  

● Acorde cedo, chegue cedo. Usar o app para fazer o RSVP das salas mais concorridas nem sempre dá certo. O lance é chegar cedo e fazer amizade na fila.

● Sacolas de tecido são adoráveis, mas a mochila e sua miríade de zíperes e bolsos ainda é o mais recomendado – seja por causa dos brindes no meio do caminho, seja pelo próprio kit de sobrevivência que estou propondo aqui.  

NADA É MAIS SAGRADO DO QUE ESTAR COM SEU CORPO EM ALGUM LUGAR 

Uma das coisas que mais me atrai no SXSW é que lá a coisa fica homogênea: presidentes, diretores, analistas, estudantes. Tudo junto e misturado. E uma das coisas que menos me atrai são os jantares ou festas “reservadas”, que são criadas para forçarem a mão na hierarquia. Gosto do SXSW justamente porque me sinto misturado com vários outros esquisitos. 

Os aprendizados e as revelações estão não só nas apresentações e palestras, mas também nos intervalos, nas refeições e no lado de fora, nas ruas da cidade, no restaurante, no hotel. Tem muita gente legal reunida e isso inclusive é uma forma de a gente lembrar de como é lindo viver uma experiência presencialmente.

Depois da pandemia ficou mais fácil perceber como é sagrada a ideia de levar nosso corpo até um lugar e o subsequente compromisso adquirido de viver aquele momento ao máximo.

Vá nas palestras esquisitas, inusitadas. Vá ver a pessoa que você nunca ouviu falar discorrer sobre um tema que você nem sabe o que significa.

Nossa presença é tudo que temos. É tudo que temos a oferecer para os outros, mas sobretudo para nós mesmos. Você vai estar em um lugar que talvez nunca mais esteja, junto de pessoas que talvez nunca mais veja – e aqui não falo só dos palestrantes fodões, mas de gente como eu e você, que vai estar na fila de mochila, comendo um sanduíche.  

Imaginemos o SXSW como um evento virtual. Pense na diferença de pujança, de tesão mesmo, entre uma coisa e outra. De um lado, você prepara sua mochila enquanto imagina o dia e depois vai até o lugar viver aquele dia junto de outras pesssoas. Do outro lado você abre seu laptop. 

Percebo agora que tudo que escrevi aqui vale também para a vida: é como eu gostaria de viver a minha, pelo menos. O pilar final da minha proposta é esse vídeo. O diálogo entre Zlatan Ibrahimovic, um dos principais jogadores do século, e uma criança, sua fã.

Eles estão prestes a entrar no gramado de mãos dadas antes de uma partida. Tudo o que ele diz para acalmar a criança (que está em pânico por dividir o mesmo metro quadrado com um jogador histórico) é bonito, mas o fim é especialmente prenhe de amor.

Apenas saboreie o momento. Ibra já foi aquele garotinho. Ele sabe que o verdadeiro FOMO tem a ver com perder o momento presente.

*Originalmente o termo que havia sugerido era JOBT (Joy of Being There). Após refletir cuidadosamente e considerar os feedbacks recebidos, decidi mudar o termo para JOBO - Joy Of Being Onspot. Essa alteração não só melhora a sonoridade, alinhando-o com termos como FOMO (Fear of Missing Out) e FOBO (Fear of Better Options), mas também preserva a essência do que quero transmitir: a alegria inestimável de estar completamente presente em qualquer situação ou evento.

Quero enfatizar que o significado e a mensagem por trás do conceito permanecem os mesmos. JOBO, assim como JOBT, convida-nos a reconhecer e abraçar a beleza de estar envolvido e presente, superando o medo de perder ou a ansiedade de existirem opções melhores em outro lugar. Agradeço sua compreensão e apoio contínuo enquanto me esforço para manter os conteúdos atualizados e relevantes.


SOBRE O AUTOR

Guido Sarti é sócio da Galeria Ag e atua como professor coordenador na Miami AdSchool. Foi Head de Novos Negócios e Convergência na Gl... saiba mais