Alfabetização em inteligência artificial precisa ganhar espaço nas escolas

Educadores, empregadores e legisladores buscam garantir que as pessoas compreendam também as limitações da tecnologia

Crédito: gorodenkoff/ Getty Images

Jackie Snow 6 minutos de leitura

Nem mesmo a Apple conseguiu evitar que sua inteligência artificial cometesse erros. No mês passado, a empresa teve que suspender um recurso de alertas de notícias baseado em IA depois que ele divulgou, de maneira equivocada, que um suspeito de assassinato havia tirado a própria vida.

Essa foi apenas uma das várias manchetes falsas que apareceram sob os logotipos de veículos jornalísticos respeitados. O erro foi ainda mais constrangedor porque aconteceu apesar dos vastos recursos e da expertise técnica da Apple.

O episódio evidencia um problema crescente: empresas estão incorporando IA em tudo – de consultas médicas a serviços financeiros –, frequentemente priorizando velocidade em vez de segurança. Muitas dessas aplicações vão além do que a tecnologia realmente consegue oferecer, criando riscos que nem sempre são perceptíveis para os usuários.

“Os modelos não estão falhando”, explica Maria De-Arteaga, professora assistente na Universidade do Texas em Austin. “O que acontece é que estamos usando esses modelos para finalidades para as quais eles não foram projetados.”

Com a inteligência artificial se tornando cada vez mais parte do dia a dia, pesquisadores e educadores enfrentam dois desafios principais: ensinar as pessoas a usá-la de forma responsável, sem dependência excessiva, e convencer os céticos a aprender o suficiente sobre o tema para que possam tomar decisões informadas – mesmo que escolham não utilizá-la.

O objetivo não é apenas “corrigir” a IA, mas entender suas limitações e desenvolver habilidades para usá-la com discernimento. É o mesmo que aconteceu com os primeiros usuários da internet, que logo perceberam que a Wikipédia poderia ser um ótimo ponto de partida para pesquisas, mas não deveria ser usada como fonte primária.

LETRAMENTO DIGITAL E ALFABETIZAÇÃO EM IA

Assim como o letramento digital se tornou essencial na sociedade moderna, entender a inteligência artificial está se tornando fundamental para que possamos moldar nosso próprio futuro. É preciso investir na alfabetização em IA.

A Califórnia aprovou recentemente uma lei que exige a inclusão da IA no currículo escolar do ensino fundamental e médio já a partir deste ano. Na União Europeia, a Lei de IA, que entrou em vigor no dia 5 de fevereiro, determina que organizações que utilizam essa tecnologia em seus produtos ofereçam programas de capacitação sobre o tema.

“A alfabetização em IA é mais importante do que nunca, especialmente enquanto ainda estamos definindo políticas, limites e o que queremos aceitar como normal”, diz Victor Lee, professor associado da Escola de Educação da Universidade de Stanford.

Para a maioria, aprender a usar a inteligência artificial significa se basear no que diz o marketing, sem muita orientação.

Lee vê paralelos entre essa adaptação e o que já aconteceu com outras tecnologias ao longo do tempo. “Pense nas calculadoras – até hoje há debates sobre quando usá-las no ensino básico e o que os alunos devem saber sem depender delas.” Segundo ele, com a IA, o debate tem se concentrado, principalmente, na escrita.

Com o marketing agressivo das big techs, o trabalho dos educadores se torna ainda mais desafiador. Estudos recentes mostram que pessoas com menos conhecimento sobre inteligência artificial tendem a aceitá-la com mais facilidade, muitas vezes a vendo como algo quase mágico.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E PENSAMENTO CRÍTICO

O objetivo da alfabetização em IA não é desencorajar o uso da tecnologia, e sim combiná-lo com pensamento crítico, para que as pessoas compreendam tanto suas possibilidades quanto suas limitações. Isso é especialmente importante para quem tem menos acesso a essas inovações.

“A ansiedade e a incerteza alimentam o ceticismo e a resistência à tecnologia”, afirma Lee. “Mas, quando as pessoas compreendem que a inteligência artificial não é uma máquina pensante, e sim um sistema que apenas identifica e reproduz padrões, elas começam a entender melhor como usá-la.”

Na Universidade da Cidade de Nova York, Luke Waltzer, diretor do Centro de Ensino e Aprendizagem da instituição, lidera um projeto para ajudar professores a desenvolver estratégias eficazes para ensinar sobre IA em diferentes disciplinas.

Créditos: Gerd Altmann por Pixabay

“A adoção da inteligência artificial não é inevitável e sua integração no nosso dia a dia precisa ser questionada”, argumenta Waltzer. “Os alunos precisam entender que essas ferramentas não surgem do nada – elas são criadas por pessoas, envolvem trabalho humano e têm impacto ambiental.”

O projeto, financiado por um subsídio de US$ 1 milhão do Google, envolverá 75 professores ao longo de três anos para explorar novas abordagens de ensino sobre as implicações da inteligência artificial em diversas áreas do conhecimento.

“Já vimos várias ondas de hype em torno de inovações tecnológicas, como os cursos online gratuitos, que prometiam revolucionar a educação”, observa Waltzer. “A IA generativa é diferente, mas também está cercada de exageros. Três anos de pesquisa nos darão uma visão mais clara sobre o futuro dessa tecnologia.”

Esse tipo de iniciativa está crescendo rapidamente no ensino superior. De acordo com um estudo do Centro de Tecnologia Emergente e Segurança, cerca de 100 universidades e faculdades comunitárias dos EUA já lançaram programas de certificação em IA.

ALFABETIZAÇÃO EM IA ALÉM DA SALA DE AULA

Para a maioria das pessoas, aprender a usar a inteligência artificial significa se basear no que diz o marketing, sem muita orientação. Ao contrário dos estudantes, que terão uma educação formal sobre IA, os adultos precisam descobrir sozinhos quando confiar nessas ferramentas e quando suas qualidades são exageradas por empresas ansiosas para recuperar seus investimentos na tecnologia.

Esse aprendizado por conta própria está acontecendo rapidamente: o LinkedIn descobriu que as pessoas estão adicionando em seus perfis habilidades de alfabetização em IA (como engenharia de prompts e proficiência em ferramentas como o ChatGPT) a uma taxa quase cinco vezes maior do que outras habilidades profissionais.

A adoção da inteligência artificial não é inevitável e sua integração no nosso dia a dia precisa ser questionada.

Enquanto universidades e legisladores tentam acompanhar o ritmo, empresas de tecnologia estão oferecendo seus próprios cursos e certificações. Recentemente, a Nvidia anunciou uma parceria com a Califórnia para treinar 100 mil estudantes, educadores e trabalhadores em IA. Empresas como Google e Amazon Web Services oferecem seus próprios programas de certificação em IA.

A Intel pretende treinar 30 milhões de pessoas em habilidades de IA até 2030. Além disso, cursos gratuitos online sobre habilidades em IA são oferecidos por instituições como a Universidade de Harvard e a Universidade da Pensilvânia, além de empresas como IBM, Microsoft e Google.

No entanto, a especialista em ética da tecnologia Stephanie Hare aconselha que as pessoas prestem bastante atenção em quem está ensinando IA. “A alfabetização em IA é como a alfabetização digital: é algo real. Mas quem deveria ensiná-la? Meta e Google adorariam ensinar a visão deles sobre IA”, diz Hare.

Em vez de depender de empresas com interesses próprios, Hare sugere começar com ferramentas de IA em áreas nas quais você já tenha experiência, para que possa reconhecer tanto sua utilidade quanto suas limitações.

Um programador, por exemplo, pode usar IA para ajudar a escrever código de forma mais eficiente, mas também identificar falhas e problemas de segurança que um novato não perceberia.

A chave é combinar experiência prática com orientação de terceiros confiáveis, que possam fornecer informações imparciais sobre as capacidades da IA, especialmente em áreas críticas como saúde, finanças e defesa.


SOBRE A AUTORA

Jackie Snow é jornalista multimídia, com trabalhos publicados na "National Geographic", "Vanity Fair" e "The Atlantic", entre outros v... saiba mais