Papo Reto com Daniella Moura, RH da Avon
A executiva conta como a empresa está trabalhando para cumprir as metas do Compromisso com a Vida e do Compromisso Antirracismo
Papo Reto é uma nova série de conversas que a Fast Company Brasil passa a promover com lideranças de áreas estratégicas das empresas. Nas entrevistas, conto com a colaboração de especialistas em áreas afins, que trazem aprofundamento e multiplicidade de olhares – dois elementos tão importantes e necessários às conversas nos tempos atuais.
Na estreia, o papo reto é com a diretora de recursos humanos da Avon, Daniella Moura, que tem mais de 25 anos de experiência na área. Antes de assumir a liderança da gestão e desenvolvimento de pessoas na empresa, ocupou por 15 anos e mesma posição na Natura (que comprou a Avon em 2020).
Entrando em ESG, a empresa baseia sua atuação no Compromisso com a Vida, lançado em 2020 pelo grupo Natura &Co para a definição de metas públicas de sustentabilidade. São metas que visam contribuir com a solução de questões globais até 2030, como desigualdade social, produção excessiva de resíduos, violação de direitos humanos, crise climática e desmatamento da floresta amazônica.
Também em 2020 foi lançado o Compromisso Antirracista, que tem entre seus objetivos a contratação de 50% de pessoas negras e a presença de 30% de mulheres negras em posições de liderança. Para acelerar a conquista destas metas, a companhia criou, em 2021, o Projeto Diva, para atrair, reter e desenvolver talentos negros.
o Compromisso Antirracista tem entre seus objetivos a contratação de 50% de pessoas negras até 2030.
A Avon é signatária do compromisso formalizado com a ONU para o combate à discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais e aderiu aos Padrões de Conduta Empresarial, que tratam do conjunto de diretrizes desenvolvidas para engajar o setor privado no combate à LGBTQIA+fobia.
Para fazer perguntas à Daniella sobre esses e outros assuntos convidamos três experts em temas relacionados a ESG: a consultora criativa Erlana Castro; a CEO da ESG Venture Builder, Gisele Ramos; e a antropóloga empresarial Valéria Brandini.
FastCo Brasil – Qual é, na sua visão, o maior desafio para se ter uma empresa diversa?
Daniella Moura – Compreender que, ao longo da história do país, houve um processo de marginalização de minorias que criou barreiras socioeconômicas para esses grupos. Oportunidades desiguais no mercado de trabalho e no acesso à educação, além do preconceito sistematizado, são alguns exemplos de obstáculos. Assim, processos seletivos tradicionais são desiguais, já que não consideram as trajetórias de vida dos candidatos. É preciso que esses processos sejam revistos para se tornar mais inclusivos e contribuir para aumentar a diversidade entre colaboradores e lideranças.
FastCo Brasil – Que entraves podem surgir ao longo da caminhada para abraçar metas de diversidade e antirracismo em uma empresa grande e com uma marca massificada como a Avon?
Uma das coisas é buscar meios não apenas para atrair talentos, mas também para retê-los e contribuir com o seu desenvolvimento profissional. Assim eles poderão alcançar posições de mais destaque, como as de liderança. Para se ter uma ideia, mulheres negras levam 10 anos a mais do que as brancas para ocupar cargos de influência, de acordo com a consultoria EmpregueAfro. Dados do IBGE de 2021 também demonstram que menos de 30% de mulheres e homens negros alcançam cargos de diretoria ou gerência no Brasil.
Porém, alguns desafios surgem como barreiras em ações de recrutamento que visam o aumento desses números. Um exemplo são as redes de indicação formadas majoritariamente por pessoas brancas. Por isso, é importante pensar em meios de facilitar a conexão entre candidatos e recrutadores e aumentar a visibilidade desses talentos em plataformas de emprego, como o Linkedin.
processos seletivos tradicionais são desiguais, já que não consideram as trajetórias de vida dos candidatos.
Na Avon contamos com o auxílio de consultorias de RH especializadas em D&I, como Indique uma Preta e Profissas. Além disso, também é necessário investir em compromissos de longo prazo e na melhoria do ambiente de trabalho, incentivando a adoção de boas práticas e a conscientização sobre o tema, para que ele seja mais respeitoso, receptivo e capaz de proporcionar a progressão de carreira de colaboradores considerados minorias.
Valéria Brandini – A agenda ESG propõe não apenas mudanças de estratégia ou de abordagem mercadológica, mas sobretudo mudanças na prática e na gestão de uma organização. O que a Avon está fazendo para gerar mudanças sociais no âmbito interno, para seus colaboradores? Como isso chega no presente e no futuro da "tia do café"?
Investir em diversidade e inclusão é uma maneira de romper ciclos de desigualdade socioeconômica nas vidas de populações pertencentes a minorias. Por isso, buscamos criar metas e compromissos de longo prazo para obtermos um quadro de colaboradores e lideranças mais representativos.
Também revemos estratégias que não deram certo e buscamos apoio de empresas de consultoria especializadas para nos auxiliarem na criação de processos seletivos e programas de desenvolvimento profissional inclusivos e atrativos, além de um ambiente de trabalho acolhedor e engajado. Queremos que essas pessoas tenham não somente a chance de um novo emprego na Avon, mas também a possibilidade de progredirem na carreira.
Essas atitudes influenciam outras companhias e organizações a seguirem nosso exemplo, ajudando a construir um mercado de trabalho mais diverso e justo. Também incluem mais pessoas na roda da economia, o que gera mais investimentos e oportunidades para todos.
Valéria Brandini – Quais métricas são usadas para mensurar como as ações de sustentabilidade ambiental e social estão gerando transformação cultural dentro da empresa? Que exemplos citaria de mudança efetiva e mensurada no comportamento dos colaboradores e em sua forma de ver e operar o negócio?
Nossa base atual é o Compromisso com a Vida, lançado em 2020 pelo grupo Natura &Co para a definição de metas públicas de sustentabilidade. Alguns exemplos de metas previstas no plano incluem pelo menos 50% de mulheres em posições de influência, remuneração igualitária e a inclusão de 30% de grupos subrepresentados no quadro de colaboradores e lideranças.
Já temos 65% de mulheres em cargos de liderança e agora se prevê um recorte racial, com a meta de 30% de mulheres negras nessas posições, como previsto no Compromisso Antirracista. Desde então, a empresa vem realizando uma força tarefa para alcançar metas como essa, com a criação de iniciativas como o Projeto Diva e o movimento Uma Sobe e Puxa a Outra, em que mulheres em cargos de liderança apadrinham colaboradoras negras para apoiá-las em suas jornadas profissionais.
Erlana Castro – Qual o papel do Projeto Diva para cumprir as metas do Compromisso Antirracista?
O Projeto Diva garante não apenas processos seletivos mais inclusivos para candidatos negros, mas também a contribuição com o desenvolvimento profissional desses talentos, para que possam ascender em suas carreiras, alcançado posições de liderança na companhia futuramente.
A Avon tem 65% de mulheres em cargos de liderança e a meta é ter 30% de mulheres negras nessas posições.
Os resultados têm sido bastante positivos. Cerca de 400 pessoas já se inscreveram no Banco de Talentos e a página Minha Cor S.A. teve mais de 10 mil acessos e mais de 1,2 mil selos emitidos. Além disso, 100% dos funcionários administrativos receberam letramento racial. Desde o lançamento da iniciativa, conseguimos dobrar o número de mulheres negras líderes na empresa. Dos colaboradores contratados em 2022, 61% são negros.
FastCo Brasil – Como trabalhar o segmento LGBTQIAP+ quando há setores mais conservadores dentro da empresa? E em termos de uma comunicação mais inclusiva, isso pode se tornar um problema?
É preciso que as lideranças façam parte da mudança deste cenário, utilizando seu poder de influência para promover a reflexão e a conscientização sobre o tema, desconstruindo perspectivas e comportamentos preconceituosos e combatendo a discriminação. A própria empresa também deve investir em um ambiente corporativo mais inclusivo e acolhedor, além de desenvolver programas, políticas internas e iniciativas que visam a criação de canais de apoio a colaboradores LGBTQIA+ e a sensibilização sobre a LGBTQIA+fobia entre equipes.
Gisele Ramos – Para além da filantropia, o foco no social é, também, investimento. Quem investe espera retorno. Quais são os retornos já percebidos pelo board? Como fazem a mensuração desse retorno?
Percebemos que investir em diversidade e inclusão impacta
Uma equipe mais diversa apresenta maior variedade de perspectivas e ideias, o que garante mais possibilidades de inovação.
no desenvolvimento de lideranças mais engajadas e sensíveis a questões de equidade de grupos subrepresentados. Isso contribui para tornar diretores e gestores mais atentos às necessidades e ao desenvolvimento de colaboradores.
Uma equipe mais diversa também apresenta maior variedade de perspectivas e ideias, o que garante mais possibilidades de inovação. A consequência são produtos e serviços mais completos e assertivos, que contemplam uma gama maior de consumidores e revendedores, gerando maior retorno financeiro.
Erlana Castro – Diversidade, inclusão, antirracismo são todos temas muito delicados. Como evitar cair em armadilhas ao abordá-los na comunicação da marca?
É importante que o discurso da marca esteja alinhado ao que ela de fato pratica. Portanto, antes de pensar em elaborar ações de comunicação que abordam a questão da diversidade, é preciso refletir se a empresa também promove a inclusão de grupos sub-representados. Caso contrário, a ação será vista como oportunista.
A Avon tem uma trajetória marcada pela diversidade. É uma empresa que há quase 136 anos oferece a oportunidade de independência financeira para mulheres – desde a época em que direitos femininos e possibilidades de emprego para essa população eram mínimos. Nada mais natural do que dar continuidade às iniciativas de inclusão, ampliando este escopo para outras minorias e buscando uma constante evolução e aprendizado.
Erlana Castro é palestrante, cocriadora do Radar Antifragilidade (no qual atua como pesquisadora independente sobre sociedade, marcas e futuro), além de professora da Fundação Dom Cabral e idealizadora do Erlearning.Club, clube de aprendizagem criativa para animar e transformar pessoas e negócios.
Gisele Ramos é especialista em gestão de projetos e mestre em inovação e sustentabilidade, tendo começado a trabalhar com inovação ainda em 2009. É também diretora de inovação e tecnologia da Agência de Desenvolvimento de Betim e Região (Adeber).
Valéria Brandini é antropóloga empresarial, estrategista cultural e comunicóloga. Atua como pesquisadora de tendências futuras de culturas de consumo para o varejo e para organizações, utilizando a intersecção de metodologias científicas como antropologia, semiologia, sociologia e ciência de dados.