Como o tarifaço de Trump afeta o Brasil e a economia global em 5 pontos

Decisão do governo americano de sobretaxar as importações terá impactos sobre exportações brasileiras, reflete no humor das bolsas e, principalmente, muda o conceito de globalização

Trump anuncia tarifaço contra 185 países
M. H. por Pixabay, Phil Ashley via Getty Images

Paula Pacheco 10 minutos de leitura

O governo do republicano Donald Trump provocou um terremoto na economia global ainda com danos ainda incalculáveis. O tarifaço anunciado na quarta-feira (2) pelo presidente dos Estados Unidos, batizado de “Dia da Libertação”, mexeu com as bolsas de valores internacionais e com o câmbio. Tirou o sono dos investidores e da diplomacia e jogou uma nuvem de incertezas sem prazo para se dissipar.


Muitos países, particularmente os asiáticos, são os mais prejudicados a adoção das chamadas tarifas recíprocas pelos Estados Unidos. Há quem diga que o entendimento que se tinha até hoje sobre globalização mudou.

Também há quem acredite que, mesmo com o custo mais alto dos países que exportam para os EUA, ainda haverá casos em que, em vez de chorar, se venderá lenço.

A medida entra em vigor no sábado, 5 de abril. E não foram apenas os economistas, os pesquisadores das grandes universidades e as equipes da diplomacia que ficaram sem entender a lógica do tarifaço anunciado por Trump.

SOBROU PARA OS PINGUINS

A taxação inclui, por exemplo, o território das Ilhas Heard e McDonald, que não possui habitantes. A justificativa é de que o arquipélago é um território externo da Austrália, que recebeu os mesmos 10%.

As Ilhas Heard e McDonald são conhecidas por abrigarem os únicos vulcões ativos da Austrália. A região fica a mais de 4.100 km do continente e, para visitar, é necessário ter uma permissão do governo e embarcar em um navio em uma viagem que leva, aproximadamente, 10 dias.

Patrimônio Mundial da Unesco por conta da importância ecológica e geológica, o território conta com colônias de pinguins, focas e aves – que em nada ameaçam a produção nacional dos EUA.

um dos muitos memes sobre o tarifaço de Trump
Taxação sobre exportações das Ilhas Heard e McDonald, território pertencente a Austrália onde só vivem pinguins, focas e aves, alimentou muitos memes. Reprodução/X

A inclusão das Ilhas Heard e McDonald rapidamente virou piada – e memes – nas redes sociais, mas não foi a única reação ao estranho pacote. A maioria não entende qual foi o critério técnico para a escolha dos países e dos percentuais. Vale citar que a Rússia ficou de fora da lista.

"NÃO TEM COMO DAR CERTO"


Para André Perfeito, economista, a estratégia de Trump não tem como dar certo, pois “o mundo vai reagir de maneira mais ou menos coordenada contra isso”.

“Soma-se a este experimento social e, para indignação geral dos demais parceiros comerciais dos EUA, o fato que descobriram como sua equipe ‘calculou’ as tarifas que os países ‘cobram’ dos EUA”, ironiza o economista.

“Numa mistura de bruxaria econômica e delírio estatístico. O cálculo das tarifas era simplesmente o déficit que os EUA têm com algum país sobre as exportações desse país para os EUA”, resume.

Veja o que muda em 5 pontos:


1. TARIFAÇO


Com o anúncio de Trump, os EUA passam a sobretaxar as importações de 185 países. Uns "ganharam" percentuais bem elevados, outros ficaram em 10%, como no caso do Brasil. Veja alguns exemplos.

Brasil, Reino Unido, Singapura, Austrália, Nova Zelândia, Turquia, Colômbia, Argentina, Chile, El Salvador, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita - 10%

Países da União Europeia - 20%

China - 54%

Vietnã - 46%

Bangladesh - 37%

Tailândia - 36%

Japão - 24%

Malásia - 24%

Camboja - 49%

África do Sul - 30%

Taiwan - 32%


2. INFLAÇÃO

Trump anunciou as medidas com frases de efeito. A estratégia é tentar mostrar aos americanos que se trata de uma medida que trará ganhos para os cofres do país. No entanto, a conta deve sair cara, já que vai aumentar o custo de importação, encarecerá os produtos e pressionará o orçamento da população. A pressão não será apenas na inflação americana, mas a expectativa é de que haverá um contágio.

Em evento na Universidade de Princetown, na quarta-feira (2), Adriana Kugler, diretora do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, deixou claro que discorda de que os preços só vão aumentar em produtos importados.

"Pode haver razões pelas quais as tarifas têm efeitos mais prolongados" do que simplesmente causar um aumento isolado no preço de produtos importados, declarou Adriana. "Isso afetará todos os setores por meio das redes da cadeia de suprimentos. Pode levar mais tempo para que isso se infiltre na economia", completou.

Ainda segundo a diretora do Fed, o risco de retaliação por parte de países afetados e a possível mudança nas expectativas de inflação dos EUA podem aumentar o impacto, assim como o risco de as tarifas distorcerem de tal forma os preços a ponto de transferir capital para a produção de bens "nos quais talvez não tenhamos uma vantagem comparativa".

"Isso significa que pagaremos preços mais altos por coisas que poderiam ter sido produzidas de forma mais barata em outro lugar", cravou Adriana.

Um exemplo do impacto é o que tem sido projetado para a indústria automotiva.  Em um ano, a tarifa de 25% imposta por Trump sobre as importações de automóveis pode custar aos EUA algo da ordem de US$ 30 bilhões – tanto em relação ao aumento de preços dos veículos quanto em relação ao impacto na queda das vendas, segundo relatório divulgado na quarta-feira (2) pela consultoria Anderson Economic Group (AEG).


3. JUROS

“As tarifas vão gerar inflação, logo, (vão levar) os juros para cima”, sintetiza o economista André Perfeito.

No caso dos países que decidirem retaliar com a aplicação de imposto de importação sobre mercadorias americanas, existe o risco de a inflação embicar para cima. O comportamento poderia levar os bancos centrais dessas nações a buscarem na alta de juros o remédio para conter o consumo e os preços – reduzindo a demanda.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, alertou para o “golpe” na economia mundial e para a pressão inflacionária. Ela avisou ainda que o bloco prepara um pacote de reação ao tarifaço anunciado por Trump.

Apesar das incertezas desencadeadas pelas mudanças na política comercial americana, o vice-presidente do Fed, Philip Jefferson, disse nesta quinta-feira que “não há necessidade de pressa para fazer mais ajustes na taxa de juros”.

“A inflação caiu muito nos últimos dois anos e meio, mas continua um pouco elevada em relação ao nosso objetivo de 2%”, declarou Jefferson durante um evento. Segundo o vp do banco central americano, “a perspectiva de tarifas tem feito consumidores e empresas relatarem que esperam uma inflação maior no curto prazo.”

No Brasil, segundo André Perfeito, não se tem a mesma expectativa para os juros, já que o país não sobretaxou as importações dos EUA - portanto, não se vê até agora um reflexo nos preços.

4. BRASIL

Nesta quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avisou que o país vai reagir. "Diante da decisão dos Estados Unidos de impor uma sobretaxa aos produtos brasileiros, tomaremos todas as medidas cabíveis para defender nossas empresas e nossos trabalhadores".

"Defendemos o multilateralismo e o livre comércio e responderemos a qualquer tentativa de impor um protecionismo que não cabe mais hoje no mundo", disse Lula.

O presidente brasileiro tem procurado se manter cauteloso nos comentários sobre as ameaças de Trump. Assim, vem deixando as negociações com o Ministério das Relações Exteriores e com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (MDIC) a tarefa de jogar água na fervura e negociar – negociar muito.

Antes do anúncio de ontem, o governo Trump já havia implementado tarifas de 25% sobre as importações de aço e alumínio. A medida está em vigor desde 12 de março e afeta o Brasil. O país é o segundo maior fornecedor de aço para os Estados Unidos. 

NO BRASIL, OLHO POR OLHO



Na quarta-feira (2), o Congresso aprovou por unanimidade uma "Lei da Reciprocidade Econômica". Com isso, o governo passa a ter em mãos ferramentas para combater as barreiras comerciais. 

Com a nova legislação, o governo poderá implementar contramedidas, como a suspensão de concessões comerciais, investimentos e obrigações relacionadas a direitos de propriedade intelectual.

"A imposição unilateral de tarifa linear adicional de 10% ao Brasil com a alegação da necessidade de se restabelecer o equilíbrio e a 'reciprocidade comercial' não reflete a realidade", traz o texto do comunicado oficial.

Ainda segundo o governo brasileiro, avalia-se entre as possibilidades para defender os interesses nacionais um possível recurso à Organização Mundial do Comércio (OMC). Sem, é claro, de se manter o diálogo com os americanos.

Mauro Vieira, titular do Itamaraty, conversou na quarta-feira, por telefone, com o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer.

Segundo o Itamaraty, os EUA mantêm um superávit comercial com o Brasil que atingiu US$ 28,6 bilhões em 2024 (em torno de R$ 177 bilhões, segundo cotação da época).


5. DAY AFTER

No Brasil, o dia seguinte ao anúncio de Donald Trump, os mercados de câmbio e juros futuros iniciaram o pregão sob um clima mais favorável.

Pela manhã, o dólar apresenta uma depreciação relevante em relação ao real – seguindo o movimento internacional.  O que se viu também foi um movimento generalizado de queda dos juros globais por conta da perspectiva de desaceleração da atividade econômica americana e em todo o mundo.

A quinta-feira, explica Elson Gusmão, diretor de Operações da Ourominas, foi marcada até agora pela busca por proteção. O mercado, explica, aguarda possíveis retaliações e seus efeitos no câmbio. Na sua opinião, a estratégia do governo Trump, ainda que vise aumentar a arrecadação, estimular a instalação de indústrias nos EUA e gerar empregos, poderá desacelerar a economia, pressionar a inflação e até levar à recessão.

Segundo Perfeito, nesta quinta-feira, a curva de juros despencava no Brasil. “Não há muito o que falar, apenas reconhecer que, apesar da desconfiança de muitos no mercado, o país em termos relativos está melhor que o resto”, analisa o economista.

As bolsas europeias, no entanto, como mostram cotações preliminares, reagiram mal. Em Londres, o índice FTSE 100 caiu 1,55%, para 8.474,74 pontos. O DAX, de Frankfurt, fechou em queda de 3,08%, com 21.700,36 pontos. O CAC 40, de Paris, contraiu 3,31%, encerrando a sessão em 7.598,98 pontos. Em Madri, o índice Ibex 35 caiu 1,08%, para 13.192,07 pontos. O FTSE MIB, de Milão, recuou 3,60%, fechando em 37.070,83 pontos.

Apesar dos impactos imediatos, ainda é cedo para afirmar que Trump levará o anúncio nas proporções anunciadas até o fim.

TÁTICA DE NEGOCIAÇÃO

O tarifaço, segundo Adam Hetts, gerente de portfólio da Janus Henderson Investors, mostra que a Casa Branca deixou abertura para a negociação com os países afetados.

A principal dúvida, diz Hetts, é qual será a “tolerância do governo americano aos sacrifícios econômicos decorrentes das negociações com diversos mercados”.

“Tarifas altíssimas impostas a outros países cheiram a tática de negociação, mantendo os mercados em estado de alerta no futuro próximo. Felizmente, isso significa que há um espaço considerável para a redução das tarifas a partir daqui, embora com um piso de 10% já estabelecido”, analisa o gerente da Janus Henderson Investors.

O especialista explica que o governo americano já mostrou que tem “uma tolerância surpreendentemente alta para o sofrimento do mercado”. Agora, avalia, a grande questão é “quanta tolerância terá para uma dor econômica real à medida que as negociações avançam”.

Emanuel Macron, presidente da França, foi um dos líderes que defendeu medidas mais extremas. Ele disse a jornalistas que a União Europeia (UE) deveria deixar de investir nos EUA como forma de retaliação às tarifas recíprocas. Para o líder francês, a possibilidade de retaliação devem ser avaliada e as ações precisam ser adotadas em conjunto entre os países do bloco.


SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais