Como aumentar o valor e a percepção de qualidade do café brasileiro no mundo

Crédito: Pablo Merchán Montes/ Unsplash

Fábio Cardo 6 minutos de leitura

Segundo a Organização Internacional do Café (OIC), o Brasil é, com folga, o maior exportador mundial. Nos últimos 12 meses, o país exportou 44,8 milhões de sacas, seguido pelo Vietnã, com 25,6 milhões, e pela Colômbia, com 12,4 milhões. E seguimos crescendo em volume de exportação.

Já em termos de valor obtido por saca, não estamos tão bem assim: a OIC aponta que a Colômbia obteve US$ 285,8 por saca, contra US$ 217,8 do Brasil, ou seja, 31,3% a menos (base de preços de maio/22). Tamanho gap faz uma grande diferença em termos de receita para os produtores e para o país.

Por que tanta diferença? O café nacional tem menos qualidade do que o colombiano, que justifique o menor preço? Um dos pontos consensuais no mercado é que a Colômbia realizou um ótimo trabalho de branding para seu produto há décadas, conseguindo posicioná-lo como de alta qualidade.

MERCADO EVOLUI PUXADO PELA QUALIDADE

Existem alguns movimentos que, somados, dão boas diretrizes para a  indústria e os produtores pensarem em estratégias para melhor posicionamento dos produtos. Apontamos cinco pontos a serem observados:

1 . Os jovens estão adotando o consumo de café, seja nas cafeterias ou buscando produtos no varejo com características diferenciadas, para ter a experiência de beber um café varietal. Realizar ações promocionais para esse público é bom e relevante.

2 . As opções de preparo em casa ou no escritório são múltiplas. Muitas máquinas de cápsulas, mas também meios tradicionais – tais como prensa francesa e máquinas domésticas de moagem – estão sendo experimentados e adotados. O café também vem sendo consumido gelado e adicionado em receitas culinárias.

3 . Microlotes de cafés especiais atraem a atenção de consumidores mais exigentes, ganhando muito valor agregado. Esse é um parâmetro essencial para quem busca boa rentabilidade, uma vez que os valores ganham múltiplos principalmente quando recebem altas pontuações e entram em leilões internacionais.

4 . Sustentabilidade, sempre um tema a ser considerado na pauta de avaliação dos consumidores mais antenados quanto ao futuro da alimentação no mundo. Para produzir café, é preciso muita água. Qualquer iniciativa que reduza o consumo de água e outros impactos decorrentes do processamento, logística e consumo é sempre bem-vinda e a percepção no mercado melhora bem.

5 . Cafeterias ajudam a promover os cafés das mais variadas procedências e qualidades. São ótimas opções para experimentação. Fora do Brasil, elas buscam opções junto a importadores e processadores locais que elaboram blends. Os gestores das cafeterias nem sempre sabem ao certo a origem do produto ou dispõem de mais informações sobre qualidade da bebida.

CONSUMO DOMÉSTICO E NOVOS PÚBLICOS

Cafeterias ajudam a promover cafés das mais variadas procedências e qualidades e são ótimas opções para experimentação do produto.

O mercado de cafés especiais mantém um ritmo de crescimento acima dos 10% ao ano, superior ao registrado no consumo do produto convencional. Essa questão pode ser abordada por três vertentes, explica Henrique Cambraia, presidente da BSCA (Brazilian Special Coffee Association), entidade que agrega os produtores de cafés especiais no Brasil e promove o produto no mercado internacional.

O primeiro ponto a ser levado em conta é que o grande impacto sofrido pelo setor de cafés especiais foi o fechamento de hotéis, restaurantes e cafeterias, principais pontos de venda. “Vivemos um momento de recuperação, observando alguns nomes retornando, outros novos aparecendo. É um cenário desafiador para a reconstrução desse setor”, comenta o presidente da BSCA.

A segunda vertente é o consumo caseiro, que manteve boa parte da indústria – a que estava preparada para a venda online. As marcas conseguiram surfar no momento e até expandir de forma impressionante, tomando grande percentual desse share, especialmente no período pandêmico.

“O mercado online veio para ficar, pois as empresas que foram para esse meio conseguiram bancar a mudança. É uma venda na qual o consumidor que passou a adquirir café especial manteve-se fiel ao segmento. Isso é algo para nos deixar otimistas”, reforça Cambraia.

O terceiro fator é que a pandemia elevou a consciência do consumidor, que busca não só qualidade, mas também sustentabilidade, com uma preocupação ambiental e social, querendo saber de onde o produto veio e como é feito. Assim, a rastreabilidade é uma tendência que continuará cada vez mais forte, mesmo no pós-pandemia.

VENDAS DIRETAS

Su Jung Ko, sócia-fundadora da consultoria Golden Hawk, entende que a aceitação dos cafés brasileiros no mercado internacional é grande, principalmente na Ásia e em especial na China, com imenso contingente de potenciais consumidores. A consultoria está desenvolvendo um trabalho de internacionalização junto a pequenos produtores para que possam vender direto aos consumidores. Já existe uma iniciativa de venda de produtos prontos para consumo em Hong Kong.

A pandemia elevou a consciência do consumidor, que quer saber de onde o produto veio e como é feito.

“Os maiores desafios são o frete e os custos agregados no produto pronto para consumo. Muitos produtores pequenos não têm experiência em exportar grão torrado em embalagem. Não exportam diretamente, acabam vendendo para as cooperativas e elas fazem o processo”, explica a consultora. Para ela, o Brasil tem muita oportunidade de posicionar melhor o produto pronto para o consumo e promover mais os produtos nacionais, destacando as diversas variedades, qualidades e procedências.

PROMOVER INFORMAÇÃO É ESSENCIAL

O Brasil já tem seu primeiro lote de café especial com rastreabilidade blockchain, exportado para o Japão. A startup Arabyka, especializada em rastreabilidade via blockchain, é a responsável por implementar essa tecnologia em um lote de café orgânico Minamihara. De acordo com o cafeicultor Anderson Minamihara, trata-se de um lote de café super especial, que pode chegar a 90 pontos na classificação.

“Esse primeiro lote, de nove sacas, utiliza 100% de tecnologia blockchain da Arabyka, capaz de fornecer informações como época e tipo de colheita, secagem, lote, variedade, tempo de descanso, dia e padrão de exportação. Os outros membros da cadeia, como torrefadores e cafeterias, também podem inserir suas informações durante o processo de venda, até chegar ao consumidor final”, explica.  A produção do café Minamihara conta com manejo orgânico próprio, em 100 hectares sombreados por abacateiros, em Franca (SP).

A startup Arabyka implementou rastreabilidade via blockchain em um lote de café orgânico superespecial.

Para George Hiraiwa, CEO da Arabyka, com o avanço da digitalização há um empoderamento do consumidor, que passa a ser o protagonista da cadeia. “Acredito que será uma grande oportunidade para o Brasil mostrar ao mundo que produzimos alimentos seguros e sustentáveis.”

Essas informações podem ser facilmente compartilhadas com os consumidores a partir de iniciativas bem simples. O uso de QR Codes nos pontos de venda e nas embalagens pode promover uma imersão do consumidor e estreitamento de relacionamento com os produtos: local de origem, informações sobre o café quanto a qualidade e sustentabilidade, entre outras, tudo em links de web e redes sociais. O uso de blockchain é mais uma boa opção para garantir a qualidade das informações.

O governo e os produtores colombianos fizeram muito bem a lição de casa há algumas décadas. Investiram em ações promocionais, principalmente nos Estados Unidos, maior mercado consumidor de café no mundo.

Hoje, as opções de ações de marketing são mais diversificadas. É bem provável que governo, entidades de classe e produtores brasileiros tenham que investir menos que os colombianos em ações promocionais e de branding para agregar mais valor ao produto nacional.


SOBRE O AUTOR

Fábio Cardo é economista de formação, atua em comunicação empresarial e empreendedorismo e é co-publisher do canal FoodTech da Fast Co... saiba mais