Evolução do mercado plant-based leva à reinvenção da indústria de proteína animal

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 7 minutos de leitura

As proteínas são fundamentais para a saúde humana, sejam de origem animal ou vegetal, principalmente na fase de crescimento humano e para a saúde muscular. Mas ninguém saudável vive somente de proteínas: carboidratos, frutas, vegetais, com adição de gorduras e açúcar devem ser somados ao cardápio. Segundo dados da FAO, mais de 3 bilhões de pessoas, o que equivale a aproximadamente 40% da população mundial, não tem acesso a uma dieta saudável, por inúmeros motivos.

 

O consumo global de proteínas alternativas, vegetais, é ainda muito reduzido em todo o mundo. Somente nas economias mais fortes esses alimentos contam com consumo crescente, compondo com opção de dietas mais flexíveis. 

 

Reforçando ainda pelo lado da sustentabilidade, dados da FAO apontam que os sistemas de alimentos no mundo são responsáveis por mais de 33% do total de emissões globais de gases de efeito estufa. Outra pesquisa mencionada em estudo do banco Credit Suisse sugere que uma dieta baseada em vegetais, incluindo os que têm propriedade proteica, tem cerca de 90% menor intensidade de emissão de gás carbono do que a dieta média atual. Além de terem o potencial para reduzir o número de mortes prematuras entre adultos. 

 

Há um forte potencial de crescimento para alternativas aos produtos de proteína animal. A estimativa de valor do mercado para carne e laticínios alternativos, com base vegetal, pode chegar a US$ 1,4 trilhão até 2050. Este segmento conta com mais de 600 empresas, principalmente pequenas e privadas, e há expectativa de que as empresas tradicionais de alimentos continuem a fazer a transição e ampliem suas operações para produtos mais saudáveis. O que já está ocorrendo. 

 

As grandes e tradicionais empresas de proteína animal e com relevante presença internacional como BRF, JBS, Wessel, Marfrig, Minerva, hoje somam com novatas de proteínas alternativas como Fazenda Futuro, Impossible Foods, Beyond Meat, NotCo, entre outras. Passaram a investir em opções plant-based para ampliar a oferta de proteínas no mercado. Paulatinamente, assumem uma nova identidade no mercado: indústria de proteína.

 

O novo posicionamento empresarial tem diversas motivações. As indústrias tradicionais já têm estrutura solidificada de mercado, capacidade de investimento em operações industriais de processamento, sejam novas ou ampliações, desenvolvimento de novos produtos, marketing, comercial, logística e acesso às redes de varejo. Fatores que facilitam demais a entrada de novos produtos no mercado que apontam grande potencial de crescimento em todo o mundo.

 

As indústrias de proteína animal se convertem em indústrias de proteínas

 

A Marfrig, empresa nacional e uma das maiores fabricantes de carne do mundo, e a ADM, uma das líderes globais em nutrição, criaram a PlantPlus Foods em maio de 2020. Esta joint-venture oferece produtos de origem vegetal na América do Norte e na América do Sul.

 

“A Marfrig e a ADM combinaram experiências e expertises complementares para criar e oferecer aos consumidores alimentos inovadores e sustentáveis”, informa Marcos Molina, fundador e presidente do Conselho de Administração da Marfrig, confirmando a importância estratégica de investir em proteínas alternativas. “Atualmente os consumidores pensam em se alimentar de diferentes maneiras, sabendo que deliciosos hambúrgueres e outros produtos podem vir de variadas fontes, incluindo as de origem vegetal”, diz Letícia Gonçalves, presidente global de Specialty Ingredients da ADM. 

 

 

Segundo dados da PlantPlus Foods, o segmento de alimentos à base de proteína vegetal cresce anualmente, em média, 17% na América do Norte, e 15% ao ano, na América do Sul. Já o valor do mercado global de plant-based deve chegar a 6,5 bilhões de dólares em 2021, sendo que a projeção para 2030 é de 25,5 bilhões de dólares. A região das Américas representa 42% desse total, ou seja, 1O,7 bilhões de dólares.

 

No Brasil, os consumidores buscam cada vez mais diversidade no consumo de proteína, principalmente entre os jovens. Esse estilo de vida, chamado de flexitariano, já é comum para 52% da população, de acordo com uma pesquisa realizada pela ADM em parceria com o Ibope. E segundo pesquisa de 2020, realizada pelo Ibope DTM, sob coordenação do The Good Food Institute (GFI), entidade norte-americana que fomenta a pesquisa de alimentos alternativos à carne, constatou que dos 2000 brasileiros entrevistados, 39% já consomem alimentos à base de plantas pelo menos três vezes por semana.

 

Essa tendência também motivou a tradicional Carnes Wessel, a investir em opções de produtos proteicos com base em plantas. A empresa sempre foi reconhecida no mercado pela qualidade e lançamento de produtos inovadores de origem animal. Exemplos disso são o carpaccio, que não existia à venda no varejo até que foi lançado pela Wessel, e os hambúrgueres de carnes bovinas especiais, sem soja e aditivos, que foram precursores do processo de gourmetização dos hambúrgueres que ocorre hoje no mercado nacional.

 

A Wessel entrou no segmento de proteínas vegetais construindo uma indústria independente da que processa os produtos de origem animal para respeitar os critérios veganos mais rígidos. Atualmente oferecem cinco produtos ao mercado, incluindo opções de hambúrgueres, que sempre foi destaque na empresa, e carne moída, que oferece muita flexibilidade na elaboração de diversos pratos. 

 

“Entendemos que os consumidores devem ter acesso a alimentos nutritivos e que deem prazer ao comer. Vemos que muitos gostam de variar o cardápio, ter opções e provar novos alimentos ao longo do tempo”, afirma István Wessel, proprietário da empresa. Ele entende que o mercado de proteínas tem muito a crescer, seja de origem animal ou vegetal. No entanto, a base de consumidores no mercado nacional ainda não cresce na mesma proporção dos lançamentos de produtos de proteína vegetal, o que gera uma boa disputa pelo espaço nas gôndolas dos pontos de vendas. 

 

 

Wessel aponta que os mais jovens tendem a se abrir mais a novas experiências de sabor e combinar o consumo de proteínas animais com as de base vegetais. Por outro lado, acha muito difícil pessoas com hábito de consumo de algumas proteínas animais, peixes, por exemplo, trocarem a versão animal por outra a base de plantas. Há espaço para atender as preferências de todos os consumidores no mercado.

 

A indústria de proteína vegetal ampliou o espaço no mercado de proteínas

 

A Fazenda Futuro foi a primeira empresa no mercado nacional a produzir e lançar alimentos protéicos à base de plantas. E, como todo inovador, teve que investir muito em tempo, estudos e financeiramente para chegar à formulação de produtos que tivessem boa aceitação pelas redes de varejo e consumidores.

 

Os sócios tinham vendido uma outra operação de sucos naturais e se inspiraram nos movimentos internacionais, principalmente nos Estados Unidos e Europa, em torno do consumo de alternativas de alimentos à base de plantas. Após dois anos de estudo sobre esses produtos e o mercado nos Estados Unidos, chegaram à conclusão de que reuniam os elementos necessários para estruturar uma indústria no Brasil.

 

Segundo Marcos Leta, sócio e CEO da empresa, a conscientização sobre a qualidade nutricional e as questões de sustentabilidade dos consumidores foram pontos fundamentais para o sucesso dos produtos. “Tivemos um trabalho intenso junto às redes de varejo para que entendessem quem eram os consumidores de nossos produtos, que vendemos proteínas”, comenta Leta. Com a pandemia e a consciência sobre questões de sustentabilidade, as redes de varejo entenderam que deviam dedicar um espaço para os produtos de proteínas à base de plantas.

 

Marcos Leta Crédito: Thay Bonin

 

“Não pode haver conflitos entre as opções de proteínas. É importante que a indústria acerte na qualidade dos produtos para ampliar o consumo. Esse processo deve se alongar para três a quatro anos para amadurecer”, completa Leta. Mercados mais maduros como o europeu e o norte-americano são bem mais equilibrados. Iniciaram suas ofertas de produtos e ações promocionais para consumo em 2011.

 

Leta está otimista com as perspectivas de mercado. A Fazenda Futuro pode ser um hub de produção e oferta de proteínas para todo o mundo. Alguns motivos reforçam a visão positiva. Pelo lado da sustentabilidade, as opções de produtos plant-based são sempre bastante saudáveis e sustentáveis entre as opções de alimentos proteicos. E há ainda um grande diferencial de marketing que pode ser explorado: o brasileiro é reconhecido em todo o mundo pela qualidade e consumo de proteínas derivadas de carnes de origem animal. 

 

Com a inserção dos produtos plant-based nas linhas de produtos da indústria de proteína animal e melhor qualidade dos produtos, será um passo para que os produtos plant-based sejam igualmente somados e enquadrados nesta percepção sobre o país.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais