Mosca da fruta pode ser a saída para aumentar a produção de carne cultivada

Um novo processo pode ajudar a indústria de carne cultivada a reduzir os altíssimos custos de produção e atender à crescente demanda

Crédito: Xamtiw/ Vasekk/ iStock

Talib Visram 4 minutos de leitura

A maioria de nós já teve que lidar com a seguinte situação: um enxame de moscas voando sobre uma casca de banana velha que alguém esqueceu de jogar fora ou sobre uma maçã madura na fruteira.

Embora essas pragas sejam um incômodo em casa, em laboratório elas podem ajudar a indústria de carne cultivada a reduzir os altíssimos custos de produção e atender à crescente demanda.

Uma empresa canadense está usando moscas das frutas para produzir proteínas recombinantes, matéria-prima fundamental da carne cultivada em laboratório. O sistema foi projetado para substituir o método atual de produção, oferecendo uma alternativa mais barata, sustentável e fácil para a indústria.

Jalene e Matt Anderson-Baron, co-fundadores da Future Fields (Crédito: Future Fields)

Muitas empresas de carne cultivada usam proteínas recombinantes, que são fatores de crescimento que estimulam as células fora do corpo do animal. Essas proteínas não são partes comestíveis do produto final. Sua função é fazer com que as células se proliferem, permitindo que essas empresas produzam os enormes volumes de carne de que precisam.

Mas criar proteínas recombinantes é um processo complexo. Elas são, em essência, formas manipuladas através da inserção do material genético desejado em células hospedeiras – como animais, leveduras ou bactérias –, que as instruem a produzir a proteína em grandes quantidades.

“Basicamente, sequestramos o maquinário celular do organismo para produzir um produto proteico”, resume Matt Anderson-Baron, CEO da Future Fields, fundada por ele e por sua esposa, Jalene.

PRODUÇÃO EM ESCALA

Embora a carne cultivada em laboratório seja uma invenção relativamente nova, as proteínas recombinantes existem há décadas e são usadas, sobretudo, para fins medicinais. A insulina foi o primeiro produto proteico recombinante, criado em 1978.

O processo da Future Fields utiliza uma linhagem básica de Drosophila, ou mosca da fruta. Ao microinjetar o DNA desejado nos ovos da mosca, eles criam, geneticamente, uma cepa capaz de produzir proteínas em larga escala. A equipe então as extrai e purifica.

Crédito: rob_lan/ Getty Images

A Future Fields vende o produto para empresas de carne cultivada e de outros setores, incluindo fabricantes de medicamentos. Hoje, existem inúmeros usos medicinais dessas proteínas, como em vacinas, terapias com células-tronco e cicatrização de feridas e queimaduras. Elas também são usadas na produção de itens como couro sintético, pastilhas para lava-louças e cremes cosméticos.

A nova abordagem, que recebeu o nome de EntoEngine, é diferente do atual método padrão de produção de proteínas recombinantes, que se assemelha à fermentação de cerveja.

“Você precisa cultivá-las em grandes tanques de aço inoxidável, que consomem muita energia”, diz Baron. Esses tanques, chamados de biorreatores, conservam as culturas de células enquanto se proliferam em condições controladas.

É uma abordagem cara e difícil de ser feita em grande escala. A capacidade do biorreator é atualmente de 61 milhões de litros. Ou seja, para atender à demanda, ele precisaria ter uma capacidade 163 vezes maior nos próximos oito anos.

Crédito: Future Fields

Para empresas de carne cultivada, essas proteínas representam de 50% a 85% do custo total de produção. Portanto, elas precisariam que o preço diminuísse para tornar seus produtos acessíveis aos consumidores. Não estamos mais falando de uma carne de laboratório de US$ 330 mil, mas meio quilo ainda pode chegar a custar US$ 40 no supermercado.

Além de baratear os custos, o processo também traz benefícios à sustentabilidade. Os biorreatores consomem

proteínas recombinantes são a matéria-prima fundamental da carne cultivada em laboratório.

muita energia para manter as condições ideais e produzem resíduos com risco biológico. Já as matérias-primas para a criação de moscas são naturais: os próprios insetos e alimentos, como açúcar e fermento.

A Future Fields já vendeu seu produto para 60 empresas de carne cultivada. Além disso, anunciou uma extensão de seu financiamento inicial, com uma nova injeção de US$ 11,2 milhões.

Baron afirma que o capital permitirá a construção de uma nova fábrica de cerca de mil metros quadrados, onde as moscas serão criadas em recipientes de plástico empilhados verticalmente.

Isso pode fazer com que a Future Fields cresça rápido e atinja seu objetivo de produzir dezenas de quilos de proteínas nos próximos três a quatro anos. Baron admite não parecer muito, “mas, em se tratando de proteínas recombinantes, realmente é uma grande quantidade”.

“É uma abordagem muito, muito eficiente, porque os insetos são excelentes em fazer mais de si mesmos”, afirma o empreendedor.


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais