World Agri-Tech Summit reforça as bases para o aumento da oferta de alimentos

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Fábio Cardo 5 minutos de leitura

Crescimento populacional, mudanças climáticas e crises econômicas regem grande parte das preocupações quanto à oferta global de alimentos no futuro. As projeções não são otimistas e o mundo encara graves ameaças: convivemos com o aquecimento global; com a fome – um problema mundial, de cunho social, e que está aumentando – ; com os danos ambientais provocados por atividades que degradam o solo; desmatamento predatório; consumo de água excessivo na agricultura; além do declínio da biodiversidade. A solução demanda muita mobilização e planejamento de longo prazo.

Estes foram alguns dos avisos dados por Julio Berdegué, representante regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para América Latina, na abertura do evento que reuniu mais de 600 pessoas ligadas aos negócios de alimentação.

“A produção atual de alimentos na região equivale a duas vezes a população local e a 14% da produção global. Até 2050, será necessário ampliar em 60% o volume de produção para atender a população mundial. O copo está meio cheio, mas também está meio vazio”, destacou Berdegué.

As soluções apontadas incluem dobrar a produtividade na produção de alimentos por meio de ciência e inovações, reduzir a informalidade no trabalho (ajudando a fixar o trabalhador rural no campo) e promover mais alimentos saudáveis nas dietas.

Esse cenário de fundo ajudou a impulsionar o intenso networking entre as dezenas de empresas participantes, buscando novos negócios, parcerias e investimentos, e dirigiu as conversas sobre as tecnologias que darão suporte ao aumento da produção de alimentos.

PRINCIPAIS TECNOLOGIAS QUE GUIAM O SETOR

Muitas tecnologias apresentadas no evento, em diversas fases de maturidade da empresa e de suas soluções, tinham como eixos centrais estruturas de captação de dados a serem inseridos e analisados com big data, inteligência artificial e com segurança em blockchain.

De modo geral, o foco é sempre mapear melhor todo o processo produtivo, localizando eventuais gargalos na oferta de crédito e de garantias, logística, aplicação de defensivos e de fertilizantes, acompanhamento de solo, semeadura, crescimento, colheita e ameaças às culturas.

Uma das empresas presentes, com uma oferta que permeia mais amplamente todo o ecossistema de produção de alimentos, é a Planet. Ela constrói e lança satélites para mapear terras e culturas em todo o planeta. O sistema atua com um mínimo de 88 satélites interligados e conectados que vagam pelo espaço, captando imagens com alta definição. Elas são usadas para identificar uso do solo, monitorar plantações, clima e ameaças em geral.

Satélite da Planet (Crédito: Fabio Cardo)

O que mais impressiona na solução da Planet é o tamanho do satélite: desmontado, cabe numa caixa de sapatos. O material usado tem baixíssima resistência mecânica e se desmancha na atmosfera quando acaba sua vida útil, não deixando lixo perdido no espaço.

Essa solução satelital é usada, por exemplo, pela agtech Cropin, empresa de origem indiana, com atuação mundial (inclusive no Brasil).  A companhia está construindo a primeira solução mundial de agricultura inteligente em nuvem, se valendo do pioneirismo e da presença em 56 países. Isso permite captar e cruzar dados para poder oferecer soluções personalizadas em todo o mundo.

A Cropin oferece serviços por assinatura que incluem gestão de fazendas de todos os portes, suporte para empresas de financiamento para gestão de riscos, gestão de carbono, de produtividade de culturas, uso de solo, entre outros. Todos os serviços são acessados e geridos por celular, o que facilita e democratiza o uso.

Até 2050, será necessário ampliar em 60% o volume de produção de alimentos para atender a população mundial.

“Com base nas imagens dos satélites, fornecemos a agricultores de todos os portes indicações sobre ameaças climáticas, status da evolução das culturas (ameaças de pragas, crescimento das plantas com alta resolução de imagem), melhor uso de solo comparando com outras áreas próximas”, explica Anderson França, head da empresa na América Latina.

Segundo ele, a ideia é dar um passo a passo para que o agricultor entenda como melhorar a produtividade. “Ele verifica que isso realmente ocorre se seguir todas as recomendações”, afirma França. A solução ainda serve para definir rapidamente os parâmetros para garantias de operações de crédito, indicando se a cultura existe e se a produtividade estimada será atingida.

A Yara, uma das maiores empresas de agro do mundo, focada em fertilizantes à base de nitrogênio, adota tecnologias digitais, com imagens de satélites e sensores, para indicar as melhores práticas de aplicação dos produtos no campo.

Com 116 anos de experiência no agro, a empresa entende que o sistema de alimentação está em transformação e deve priorizar a sustentabilidade, com foco na geração de impactos positivos no meio ambiente.

“Temos que melhorar a fixação de nitrogênio no solo, principal elemento para o crescimento das plantas, com novas tecnologias, mais sustentáveis, melhorando as práticas nas fazendas e usando os produtos corretos para poder aumentar a produtividade”, comenta Nicolas Steinberg, vice-presidente de digital ag solutions incubation da Yara.

OS GRANDES GAPS

O que não faltou foram opções de tecnologia e empresas de investimentos – venture capital, aceleradoras, bancos oficiais, todos buscando se atualizar sobre as oportunidades de negócios.

Há um consenso no sentido de que o momento econômico requer cautela quanto à definição de empresas que irão receber investimentos. A prioridade são as já estabelecidas que precisam de série A em diante. As startups, necessitando de investimentos iniciais, terão que ficar dentro de aceleradoras para ganhar musculatura.

Auana Mattar, Christian Gonzalez e Caio Corrêa de Carvalho (Crédito: Fabio Cardo)

Um dos pontos mais sensíveis levantado em alguns painéis – e que impacta toda a atividade do agronegócio – é a questão da educação. Caio Corrêa de Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócios (ABAG); Auana Mattar, da TIM; e Christian Gonzalez, da CNH Industrial, foram enfáticos quanto à necessidade de criação de novas ferramentas educacionais para quem opera no campo.

“A implantação da conectividade e na captação de dados no campo avança muito rápido, assim como o desenvolvimento de tecnologias que captam e fazem a gestão de dados. Hoje não temos pessoal qualificado em quantidade suficiente e não podemos esperar que os sistemas educacionais tradicionais nos entreguem profissionais daqui a cinco anos”, analisou Auana.

A mesma posição é defendida por Carvalho e por Gonzales, que entendem que a infraestrutura para dar o impulso necessário para o aumento da produtividade no campo estará pronta em tempo muito mais reduzido do que a mão-de-obra necessária para fazer a gestão dessas novas tecnologias fundamentais.


SOBRE O AUTOR

Fábio Cardo é economista de formação, atua em comunicação empresarial e empreendedorismo e é co-publisher do canal FoodTech da Fast Co... saiba mais