O celular está mesmo “apodrecendo” nossos cérebros? O que diz a ciência

Ficar rolando o feed pode fazer a gente se sentir mal – mas o que isso realmente causa no nosso cérebro e na nossa atenção?

Crédito: Imagem criada por IA

Stephanie Vozza 3 minutos de leitura

Será que o hábito de ficar rolando o feed no celular – o famoso “doomscrolling” – faz mal para o cérebro? A expressão do ano escolhida pela Oxford University Press foi justamente “brain rot” (algo como “apodrecimento cerebral”), o que parece sugerir que sim, que o vício em celular faz mal. 

O termo descreve uma “suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente provocada pelo consumo excessivo de conteúdos – hoje em dia, principalmente online – considerados banais ou pouco estimulantes”.

Mas o ponto-chave está na palavra “suposta”. A médica Aditi Nerurkar, especialista em estresse da Universidade de Harvard, afirma que rolar o feed não é um comportamento passivo.

“Na prática, o que acontece no cérebro enquanto você rola a tela é bastante ativo. Isso desencadeia uma série de reações hormonais e químicas e ativa circuitos neurais específicos”, ela explica.

Apesar disso, a verdade é que estamos grudados demais nos nossos smartphones. Segundo Nerurkar, o vício em celular até existe, mas não é tão comum. O que acontece com muito mais frequência é o chamado “cérebro de pipoca”, termo criado pelo pesquisador David Levy, da Universidade de Wisconsin, nos EUA

“‘Cérebro de pipoca’ é aquela sensação de que sua mente está pulando de um estímulo para outro sem parar, igual pipoca estourando, de tanto tempo que você passa online”, explica Nerurkar. “Esse uso excessivo afeta o sono, o humor e a disposição, além de aumentar a irritabilidade. Em alguns casos, pode até levar à ansiedade, depressão e insônia.”

TENTANDO SE LIVRAR DO VÍCIO EM CELULAR

Para ajudar a criar um padrão saudável de comportamento, Nerurkar se juntou ao app de saúde mental Calm e criou uma lista com cinco dicas, chamada “Construindo hábitos mais saudáveis com o celular”. O primeiro passo é simples: observar como você usa o aparelho.

Escolha um período de três a quatro horas e, com papel e caneta por perto, faça um risco toda vez que sentir vontade de pegar o aparelho. No fim desse período, conte quantas vezes teve esse impulso.

Depois, sempre que sentir essa vontade, pratique um exercício rápido de três segundos chamado “Pare, Respire, Seja”. Isso ajuda a reconectar a mente e o corpo.

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“Em vez de ceder ao impulso de pegar o celular, pare, respire fundo e simplesmente viva o momento”, orienta Nerurkar. “Com o tempo, esse hábito ajudará a reduzir a atividade da amígdala e a reativar o córtex pré-frontal.”

Outra dica é ativar o modo preto e branco do celular. Segundo Nerurkar, essa mudança visual torna o aparelho menos atrativo. “Isso diminui o apelo visual e o comportamento automático de ficar rolando o feed”, explica.

Esse recurso é especialmente útil quando você precisa se concentrar em alguma tarefa, mas percebe que o celular está te distraindo. "É como criar uma barreira visual que ajuda o cérebro a se conter”, diz Nerurkar.

A especialista ressalta que mudar hábitos leva tempo e que ter paciência é essencial. “Ser gentil consigo mesmo ajuda a reorganizar o cérebro e a diminuir a dependência do celular. Além disso, reduz a atividade da amígdala, o que contribui para o bem-estar emocional”, afirma.

POR QUE SE DESCONECTAR É TÃO IMPORTANTE

Celulares e aplicativos são feitos para atrair a nossa atenção, mas não trazem tantos benefícios quanto a gente imagina, de acordo com Howard Lewis, autor do livro “Leave Your Phone at the Door: The Joy of Off-line” (“Deixe o celular na porta: a alegria de estar off-line”).

“Eles nos dão uma sensação de conforto e pertencimento, o que não é ruim. O problema é quando acabam substituindo conversas reais e conexões verdadeiras”, explica.

mudar hábitos leva tempo e ter paciência consigo mesmo é essencial

Para ele, a melhor forma de romper esse ciclo de dependência e se livrar do vício em celular é simplesmente guardar o aparelho sempre que estiver interagindo com alguém. O próprio Lewis costuma organizar jantares nos quais todos os convidados deixam os celulares na entrada.

“As pessoas se preocupam demais sobre como devem agir ou parecer. O importante é dar atenção de verdade a quem está com você”, diz Lewis. “Ao deixar o celular de lado, você se permite viver o momento.”

Ele defende que todos deveriam se desconectar um pouco, sempre que possível. “Estar off-line abre espaço para o inesperado, para o acaso, para as descobertas. Para mim, a vida atrás de uma tela não é uma vida de verdade.”


SOBRE A AUTORA

Stephanie Vozza escreve sobre produtividade e carreira na Fast Company. saiba mais