A gente não quer só dinheiro — a gente quer dinheiro, flexibilidade e propósito

Crédito: Fast Company Brasil

Danilo Thomaz 5 minutos de leitura

Quando o sonho de uma geração ainda era fazer carreira em uma grande empresa, Roberto Zairan Meirelles, hoje com 35 anos, deixou seu bom emprego como diretor de arte em uma grande agência do setor publicitário. 

“Dentro de uma empresa grande seria muito difícil para eu causar uma mudança e assumir as rédeas de um caminho que eu poderia trilhar. Estruturas maiores são muito mais lentas que estruturas menores”, afirma.

Foram algumas tentativas até que, em julho de 2017, nasceu a Kiro, fabricante nacional de Switchel, uma bebida de origem ancestral à base de gengibre e vinagre de maçã. “Nosso objetivo é oferecer uma bebida não alcoólica para adultos. [Uma bebida] Que tenha complexidade e intensidade de sabor e não tenha álcool”, conta.

A empresa tem como propósito o apoio à agricultura orgânica, à agroecologia, a uma economia justa e à valorização da cultura dos povos ancestrais do Brasil. “[A busca por um propósito] define a minha vontade de ter empreendido. Quando eu comecei, em 2010, falava-se muito em propósito. Pouquíssimos [da minha geração] estavam empreendendo por opção.”

Roberto Zaidan Meirelles

Apesar de considerar sua empreitada bem sucedida, Meirelles critica o que chama de “glamourização do empreendedor”, muito em voga nos dias de hoje. “Acho que todos nós queremos transformar o mundo. Não acho que seja uma característica do empreendedor”, diz. “Criou-se essa figura do empreendedor muito inteligente, à frente do seu tempo. Isso é uma fantasia. O que eu sinto é que os problemas continuam existindo, embora sejam diferentes.”

A GENTE NÃO QUER SÓ DINHEIRO

Fantasia ou realidade, a questão é que uma carreira de sucesso já não basta para a nova geração que chega hoje ao mercado de trabalho. Segundo a Nielsen publicou em 2020, 54% dos jovens da chamada “Geração Z” querem empreender. Um levantamento publicado na McKinsey Quartely mostrou que mais de 15 milhões de trabalhadores americanos deixaram seus empregos desde abril de 2021 – sem que seus empregadores saibam bem o motivo. Mesmo porque são vários — e vão muito além de salários e benefícios. “Eles querem um renovado senso de propósito em seu trabalho. Eles querem conexões sociais e interpessoais com seus colegas e chefes. Eles querendo o sentimento de compartilhar de uma mesma identidade, senso de propósito, desejo de sentir que compartilham de uma mesma identidade”, afirma o texto publicado na McKinsey Quartely.

O fenômeno já tem sido chamado de “A Grande Debandada” (“The Great Resignation”). Segundo a pesquisa “2021 People Management Report”, feita junto a dois mil trabalhadores em mais de 15 setores da economia americana, 48% dos entrevistados pensou em mudar de carreira nos últimos 12 meses e 63% daqueles que têm um mau chefe pensaram em deixar o cargo no próximo ano. 

Um dos motivos é o “contágio” pelo estresse extremo (“burnout”) de seus chefes — não bastasse o coronavírus…

O outro é manter a rotina adquirida durante o trabalho remoto. A necessidade de melhor comunicação — até para conhecer seus pontos positivos e negativos — também foi apontada na pesquisa. 

O QUE FAZER? 

Marco Tulio Zanini, professor de liderança e gestão de pessoas (comportamento organizacional) da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) acredita que essa movimentação seja fruto de uma mudança geracional que ocorre dentro das empresas. E que traz, assim, novas questões para o ambiente de trabalho – e novos desafios para os gestores.

“A gente está caminhando para uma sociedade onde as liberdades individuais estão sendo mais reconhecidas. Esse tema da diversidade vai ser um desafio para as organizações, que se veem dentro de um ambiente muito mais diverso do que no passado. As novas gerações têm um processo histórico, um aprendizado diferente e, por isso, estão olhando para o mundo de um modo um pouco diferente das gerações passadas. Para essas gerações atuais faz muito sentido saber onde estão gastando seu tempo e energia”, afirma. “Você tem uma quantidade muito significativa de jovens que demanda uma organização que explique quem é, o que se propõe. Eles querem ouvir das empresas qual é a diferença que a empresa faz no mundo para que possam participar dessa missão.”

Outro fator apontado pelo especialista é a experiência da Covid-19, que causou uma mudança no cotidiano e nas relações de trabalho como poucas vezes vista na história — talvez uma das maiores desde a invenção da máquina a vapor na Inglaterra. 

“O deslocamento está sendo muito questionado, afinal de contas, eu posso fazer meu trabalho de casa, consigo estabelecer rotinas em que ganho qualidade de vida e aumento a produtividade”, diz. “Isso vai acabar se tornando uma demanda por parte de muitas pessoas que não veem mais sentido em ficar numa sala com outras pessoas.”

O especialista acredita, no entanto, que as reuniões por Zoom e o notebook pessoal não devam substituir de vez os encontros presenciais e o computador da empresa. “Acredito que vá ter um modelo híbrido. As interações face a face são importantes para o relacionamento.”

De acordo com Marcelo Nóbrega, especialista em Inovação e Tecnologia em RH e conselheiro de HRTechs, a pandemia “acelerou o processo de amadurecimento da força de trabalho”. “O home office nos fez dar conta de que não precisamos tanto de um sobrenome corporativo. Percebemos que somos mais autônomos e independentes do que pensávamos. Com um laptop, smartphone e nosso cérebro, somos capazes de ser bem produtivos. Isso quer dizer que temos maior poder de escolha quanto a quem vamos nos associar para trabalhar. Evitaremos não apenas o tempo em deslocamentos desnecessários, mas chefes abusivos e trabalho sem sentido. Estamos evoluindo para um equilíbrio de forças mais equitativo entre empregados e empregadores.”

Marcelo Nóbrega

O especialista crê que a experiência atual deva nos impactar ainda por muito tempo, de uma maneira que ainda não percebemos e trará um novo protagonismo para a gestão de pessoas dentro das companhias, assim como maior investimentos em questões como a criação de uma cultura corporativa. 

“Estamos vivendo um período em que muitos estão questionando a vida em piloto automático que vivíamos e fazendo ajustes. Essas mudanças de comportamento serão refletidas na maneira como consumimos. E isso, no final da cadeia, terá reflexos nas empresas. Por exemplo, muita gente está escolhendo novos locais para residir. Há uma migração forte para cidades com melhor qualidade de vida”, afirma Nóbrega. “É difícil antever as mudanças nas relações de trabalho, mas creio que as pessoas exigirão mais flexibilidade, empatia e reciprocidade de seus empregadores. Esse conceito de empregador provavelmente mudará, assim como mudará o de carreira.”


SOBRE O AUTOR

Danilo Thomaz é jornalista colaborador da Fast Company Brasil. saiba mais