Pesquisador explica por que a maioria dos empregos será impactada pela IA

A IA tem o poder de afetar a grande maioria dos empregos. Mas a história não termina aí

Crédito: Wirestock/ Rich Vintage/ iStock

Ethan Mollick 4 minutos de leitura

Uma das primeiras perguntas que as pessoas se fazem quando começam a usar seriamente a IA é se ela vai afetar seu emprego. A resposta é: provavelmente, sim.

Essa questão é tão relevante que pelo menos quatro equipes de pesquisa diferentes já tentaram quantificar exatamente quanta redundância existe entre os trabalhos que os humanos sabem fazer e os trabalhos que a IA é capaz de fazer, usando um banco de dados muito detalhado sobre o tipo de trabalho exigido em 1.016 profissões diferentes. Todos os estudos concluíram o mesmo: quase todos os empregos serão equiparáveis aos recursos da IA. 

O formato dessa revolução se mostra muito diferente de todas as revoluções de automação anteriores, que normalmente começaram eliminando os trabalhos mais repetitivos e mais perigosos.

Uma pesquisa realizada pelos economistas Ed Felten, Manav Raj e Rob Seamans concluiu que a inteligência artificial se assemelha mais justamente aos trabalhos mais bem remunerados, mais criativos e mais escolarizados. 

Os professores universitários compõem a maioria dos 20 principais empregos que coincidem com as habilidades da IA (professores de administração de empresas estão em 22º lugar nessa lista).

Sem considerar os sistemas e as tarefas como um todo, não dá para entender realmente o impacto da IA nos empregos.

Mas o trabalho com a maior semelhança entre humanos e máquina é, na verdade, o de operador de telemarketing. Em breve, as ligações automáticas serão muito mais convincentes e muito menos robóticas.

Apenas 36 das 1.016 categorias de trabalho não vão ficar redundantes com a IA. Esses poucos empregos incluem dançarinos e atletas, além de operadores de bate-estacas, instaladores de telhados e mecânicos de motocicletas – embora eu tenha conversado com um instalador de telhados e ele estivesse planejando usar a IA para ajudar no marketing e no atendimento ao cliente. 

Repare que esses são trabalhos extremamente físicos, nos quais a capacidade de se movimentar no espaço é fundamental. Isso evidencia o fato de que a IA, pelo menos por enquanto, não tem corpo. O boom da inteligência artificial está acontecendo muito mais rápido do que a evolução dos robôs de verdade.

CONJUNTOS E SISTEMAS INTERLIGADOS

Mas isso pode mudar em breve. Muitos pesquisadores estão tentando resolver problemas de longa data em robótica com grandes modelos de linguagem, e há alguns sinais iniciais de que isso talvez funcione, já que os LLMs facilitam a programação de robôs que podem realmente aprender com o mundo ao seu redor.

Portanto, independentemente das características do seu trabalho, é provável que ele se correlacione com a IA em breve. Isso não significa que ele será substituído. Para entender o motivo, precisamos considerar os empregos com mais cuidado, levando em conta vários aspectos. 

Os trabalhos são compostos por conjuntos de tarefas e também se encaixam em sistemas maiores. Sem considerar os sistemas e as tarefas como um todo, não dá para entender realmente o impacto da IA nos empregos.

Tomemos como exemplo meu cargo de professor de administração de empresas. Por ter o 22º emprego mais correlato à IA dentre 1.016, estou um pouco preocupado.

Crédito: Freepik

Mas meu trabalho não é algo único e indivisível. Ele inclui uma variedade de tarefas: ensinar, pesquisar, escrever, preencher relatórios anuais, organizar e manter meu computador, escrever cartas de recomendação e muito mais. O título "professor" é apenas um rótulo. A rotina diária consiste nessa mistura de tarefas.

A IA pode assumir algumas dessas tarefas? A resposta é sim e, honestamente, há algumas que eu não me importaria de transferir para ela, como a papelada administrativa. Mas isso significa que meu trabalho vai desaparecer? Na verdade, não. O fato de nos livrarmos de algumas tarefas não significa que tudo será feito pela tecnologia. 

Da mesma forma, as ferramentas elétricas não eliminaram os carpinteiros, mas os tornaram mais eficientes, e as planilhas eletrônicas permitiram que os contadores trabalhassem mais rápido, mas não eliminaram os contadores.

NÃO É TÃO SIMPLES SUBSTITUIR HUMANOS

A IA tem o potencial de automatizar tarefas corriqueiras, liberando nosso tempo para trabalhos que exijam características exclusivamente humanas, como criatividade e pensamento crítico – ou, possivelmente, gerenciar e fazer a curadoria da produção criativa da IA.

Mas a história não acaba aí. Os sistemas nos quais operamos também desempenham um papel crucial na formação dos empregos. Como professor de uma escola de negócios, um sistema óbvio é a estabilidade, o que significa que não posso ser facilmente substituído, mesmo que meu trabalho seja terceirizado para a IA. 

O boom da inteligência artificial está acontecendo muito mais rápido do que a evolução dos robôs de verdade.

Porém, mais sutis são os muitos outros sistemas em uma universidade. Digamos que uma IA possa dar uma palestra melhor do que eu. Mas será que os alunos estariam dispostos a terceirizar seu aprendizado para a IA? A tecnologia de sala de aula seria capaz de acomodar o ensino com IA? 

Os reitores se sentiriam à vontade para usar a IA dessa forma? As revistas e os sites que classificam as faculdades nos puniriam por fazer isso? Meu trabalho está conectado a muitos outros trabalhos, clientes e partes interessadas. Mesmo que a IA o automatizasse, os sistemas nos quais ele funciona não são tão fáceis de prever.

Portanto, precisamos colocar a IA em um contexto e discutir o que ela pode fazer em termos de tarefas, mas também de sistemas.

Extraído de  "Co-Intelligence: Living and Working with AI", de Ethan Mollick, com permissão da Portfolio, do Penguin Publishing Group.


SOBRE O AUTOR

Ethan Mollick é professor de administração especializado em empreendedorismo e inovação na The Wharton School, da Universidade da Pens... saiba mais