O futuro do trabalho passa pelo conflito saudável

Especialista em trabalho, Amy Gallo defende a habilidade de lidar com o conflito como forma de criar ambientes saudáveis e eficientes

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Carol Romano 4 minutos de leitura

Em meio aos temas e abordagens que acompanhei na trilha do Futuro do Trabalho, pude perceber que essa edição do South by Southwest esteve marcada por apresentações didáticas que nos mostram como a cultura de bem-estar pode ser construída na prática.

Destaco a apresentação da especialista em ambiente de trabalho e autora da "Harvard Business Review", Amy Gallo, que nos trouxe um esclarecedor passo a passo para extrair o melhor dos conflitos que marcam o dia a dia e as relações de trabalho. 

DA HARMONIA À TENSÃO

O conflito é inevitável, pois é parte da natureza humana. No ambiente de trabalho não é diferente. Fingir que não existem conflitos cria o que Amy Gallo define como “harmonia artificial”, que é quando o time alimenta uma fachada de boa convivência e, por trás, estão as tensões, ressentimentos e opiniões não ditas.

Segundo Amy, é importante evitar os conflitos desnecessários, porém abraçar os propositivos, como forma de criar ambientes saudáveis e eficientes.

Na contramão da “harmonia artificial” existe o que ela define como “tensão construtiva”, referindo-se a um time com poucas brigas, mas que enfrenta conflitos constantes e saudáveis, que agregam aprendizados para a equipe, impulsionando na direção dos objetivos.

PASSO A PASSO PARA O CONFLITO SAUDÁVEL 

Segundo Amy, conflitos desnecessários ou prejudiciais são aqueles que interrompem processos e o avanço e que, em geral, surgem a partir de questões como diferenças na comunicação, prazos não razoáveis e expectativas não claras.

Para resolver conflitos, é necessário identificar tensões e aprender a navegar por elas. Nesse sentido, a especialista apresentou cinco táticas para lidar com cenários conflituosos no local de trabalho: 

A primeira delas envolve aceitar que conflitos são parte da natureza humana e, a partir disso, manter uma postura calma e confortável quando surgem. Amy ressaltou algo que entendo como central nesse desafio de abraçar o conflito e sempre reforço na minha abordagem: é preciso diferenciar “confronto de ideias e perspectivas” de “crítica ou conflito pessoal”. Isso quer dizer que a discordância não deve ser interpretada como rejeição ou desacato.

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Em segundo lugar, a especialista sugere que os membros de equipes devem se conhecer melhor, pois essa troca aumenta a empatia e torna a intensidade dos conflitos menor. A meu ver, ao conhecer as pessoas com quem trabalhamos adquirimos um entendimento maior das razões pelas quais elas agem e são como são, o que ajuda a equilibrar expectativas, reduzindo a possibilidade do desentendimento.

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Como terceira dica, ela recomenda a criação conjunta de regras sobre como a equipe quer trabalhar no projeto, quais são as expectativas, como vão lidar com conflitos, além de ouvir ativamente e comunicar com clareza sentimentos e frustrações. Concordo com Amy e complemento com a compreensão de que criar confiança é decidir regras conjuntamente e cumpri-las.

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Em quarto lugar está a "fofoca", que, segundo a especialista, pode ter aspectos positivos e negativos no ambiente de trabalho. Ela recomenda que as conversas sobre as informações de natureza pessoal – que ajudam na formação de vínculos –, sejam feitas de forma neutra, sem negatividade implícita ou explícita, para não gerar desconforto ou desrespeito entre os colaboradores.

Outra alternativa, a qual acredito seja de fundamental importância, é fomentar o feedback direto, o que pela prática, percebo, diminui estruturalmente a necessidade da fofoca.

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A última recomendação é aprofundar o compromisso com a segurança psicológica. Ela aprofundou o tema enfatizando três pilares essenciais da construção de confiança: cuidado, consistência e franqueza, destacando como esses elementos são cruciais para promover um ambiente onde os membros da equipe se sintam à vontade para assumir riscos, expressar preocupações e admitir erros sem medo de repercussões negativas.

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O erro pode gerar aprendizados. “Funcionários mais efetivos também são aqueles que somam mais erros”, disse ela, embasada em uma pesquisa. Para colocar o primeiro pilar em ação, o caminho é o apoio, ou seja, investir no sucesso uns dos outros. "O que não significa ser melhor amigo", acrescentou.

O segundo pilar é a prática da consistência: agir de forma previsível e confiável. No pilar da honestidade, "devemos falar o que queremos dizer e não ter medo de relatar notícias ruins”, pontuou.

é importante evitar os conflitos desnecessários, porém abraçar os propositivos, como forma de criar ambientes saudáveis e eficientes.

Amy Gallo enfatizou a importância de a liderança definir o tom e modelar comportamentos desejados para melhorar a dinâmica da equipe e aumentar a produtividade. "Os líderes têm o poder de criar um ambiente onde a diversidade de pensamento é valorizada e a colaboração é incentivada", observou.

Concordo com ela na defesa de que os líderes devem aprender a resolver, dissolver e transcender conflitos, já que eles influenciam a cultura do time.

Tenho estado intensamente comprometida com a construção de bem-estar nas organizações e fiquei otimista em perceber que o tema da segurança psicológica transcendeu a trilha Futuro do Trabalho ao estar presente em algumas das apresentações mais disputadas do SXSW, como a da futurista Amy Webb, das astronautas Loral O'Hara e Jeanette Epps e na (aplaudida de pé) apresentação dos 'Daniels' (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), as mentes brilhantes por trás do premiado filme "Tudo ao Mesmo Tempo Agora". 

A presença transversal do tema do evento reforça minha crença de que nos sentirmos seguros para arriscar é essencial para uma produtividade saudável e matéria-prima para seguir inovando e construindo novos futuros.


SOBRE A AUTORA

Carol Romano é consultora de inovação e psicanalista, cofundadora da consultoria Maker Brands com foco em innovation growth e wellbein... saiba mais