Com atentado a Trump, aumenta a “fábrica de desinformação” no X/ Twitter
Apesar da garantia de Elon Musk de que a plataforma seria uma fonte de informação mais ágil e confiável em notícias de última hora, não foi nem uma coisa nem outra
Os momentos após Donald Trump ser baleado por um possível assassino na Pensilvânia, no sábado (13 de julho) foram confusos para quem estava no local. Para aqueles que seguiam o desenrolar dos eventos no Twitter (atual X) as coisas não estavam mais claras, devido à avalanche de desinformação que tomou conta da rede social.
Apesar das afirmações do dono do X, Elon Musk, e da CEO Linda Yaccarino, de que a plataforma seria uma fonte de informação mais ágil e confiável em casos de notícias de última hora, não foi nem uma coisa nem outra.
Os resumos gerados por IA das postagens em alta – recurso que foi introduzido após Musk demitir funcionários que lidavam com desinformação – eram confusos. Entre os que apareceram nos feeds dos usuários havia especulação de que a pessoa baleada não era Trump, mas a vice-presidente Kamala Harris e que um ator do filme “Esqueceram de Mim 2” havia sido baleado na confusão.
Ambos os resumos podem ter sido baseados em eventos da vida real: Trump apareceu em “Esqueceram de Mim 2” e Joe Biden recentemente chamou Harris de “vice-presidente Trump” por engano.
Derrapadas à parte, lidar com uma situação em que tudo acontece muito rápido, como foi no fim de semana, já é uma tarefa difícil nas melhores circunstâncias. Mas em uma plataforma de mídia social cuja maior parte da equipe foi dispensada depois que Musk assumiu o comando, em 2023, as coisas ficaram ainda piores.
“Uma situação como [a tentativa de assassinato] é um pesadelo para a moderação de conteúdo nas redes sociais”, diz Melissa Ingle, ex-cientista de dados do Twitter, demitida quando Musk assumiu o controle. “É a tempestade perfeita: alta visibilidade, politicamente carregada e com potenciais consequências graves no mundo real.”
Até o final do domingo, o algoritmo do X ainda estava impulsionando conspirações nos feeds dos usuários.
Para piorar a situação, a decisão de Musk de encerrar o acesso gratuito à sua API – que permite a desenvolvedores coletar dados e era uma ferramenta fundamental para os pesquisadores estudarem a desinformação – tornou mais difícil do que nunca para os acadêmicos conseguirem obter uma visão geral de como e por que histórias falsas se espalham online.
“As plataformas convencionais reduziram as equipes de confiança e segurança e tornaram mais difícil para os pesquisadores acessar os dados”, diz Joe Bodnar, analista independente de desinformação. “Ao mesmo tempo, a política tornou-se cada vez mais hostil. É uma combinação muito ruim.”
MEGAFONE PARA CONSPIRAÇÕES
O X/ Twitter recebeu a maior parte das críticas pela forma como lidou com a enxurrada de especulações após o tiroteio, incluindo cair na armadilha de trolls que se passavam pelo atirador e compartilhar imagens alteradas por IA mostrando um agente do Serviço Secreto sorrindo ao lado de um Trump ensanguentado.
Mas cada rede social teve suas próprias falhas, diz Bodnar. “Não é fácil para as plataformas divulgar informações confirmadas quando não há nenhuma”, diz ele. Apesar disso, algumas se saíram melhor do que outras. O Facebook, por exemplo, pareceu destacar links para sites de notícias tradicionais.
A outra rede social da Meta, Threads, tem uma política para limitar a disseminação de qualquer conteúdo político – embora Ingle diga que a tentativa de assassinato de Trump foi a primeira vez que viu informações políticas romperem essa barreira (no Threads) “com desinformação e especulação desenfreadas.”
Para Bodnar, mesmo assim o X/ Twitter se destacou das redes rivais, como se aparentemente “atuasse como megafones para conspirações.” E a desinformação começou de cima: o próprio Musk parecia sugerir, sem evidências, que poderia ter havido uma falha “deliberada” do Serviço Secreto em parar o atirador.
É a tempestade perfeita: alta visibilidade, politicamente carregada e com potenciais consequências graves no mundo real.
De acordo com uma análise da NewsGuard, houve 308 mil menções da palavra “encenado” na plataforma entre sábado e domingo, o que representa um aumento de 3.924% em relação aos dois dias anteriores. Além disso, houve 83 mil menções no X/ Twitter à frase “trabalho interno”, um aumento de 3.228% no mesmo período.
Até o final do domingo, o algoritmo do X ainda estava impulsionando conspirações nos feeds dos usuários – incluindo uma alegação, provavelmente falsa, do fórum online 4chan de que um atirador de elite da polícia não recebeu permissão para atirar no suposto assassino, Thomas Matthew Crooks, até depois que ele atirou em Trump.
Esse único post destaca o maior desafio que as plataformas de mídia social enfrentam quando confrontadas com grandes eventos noticiosos como este. O impulso para automatizar o processo humano tem custos.
“Nenhum sistema de moderação de conteúdo poderia conter totalmente a disseminação de desinformação quando um evento como este ocorre, mas o X parecia completamente sobrecarregado”, diz Ingle. “Isso mostra a fragilidade da sua estratégia mínima para conter desinformação, que consiste principalmente em IA e um pouquinho de moderação humana.”