Modelos virtuais podem prejudicar esforços de diversidade na indústria da moda

A IA pode destacar a diversidade de forma eficiente, mas também pode fazer com que menos representantes de minorias sejam contratados

Crédito: Freepik

Claire Savage 4 minutos de leitura

A modelo Alexsandrah, que mora em Londres, tem uma irmã gêmea. Mas não do jeito que você imagina: a gêmea dela é feita de pixels, em vez de carne e osso.

Essa cópia virtual foi gerada por inteligência artificial e já se apresentou como substituta da Alexsandrah da vida real em uma sessão de fotos. Alexsandrah, que usa seu primeiro nome profissionalmente, recebe crédito e remuneração sempre que sua versão em IA é usada, assim como uma modelo humana.

Os adeptos dessa ideia afirmam que o uso crescente da IA na modelagem de moda mostra a diversidade em todas as formas e tamanhos, permitindo que os consumidores tomem decisões de compra mais personalizadas. Isso, por sua vez, reduziria o desperdício causado pelas devoluções de produtos.

Além disso, a modelagem digital economiza dinheiro para as empresas e cria oportunidades para pessoas que desejam trabalhar com a tecnologia.

No entanto, os críticos levantam a preocupação de que os modelos digitais poderão fazer com que os modelos humanos – e outros profissionais, como maquiadores e fotógrafos – fiquem sem emprego.

Alexsandrah (Crédito: Kirsty Wigglesworth/ AP Photo)

Consumidores desavisados também podem ser levados a pensar que os modelos de IA são reais. Já as empresas podem acabar ganhando o crédito pelo cumprimento de compromissos com a diversidade sem dar emprego a seres humanos reais.

"A moda é excludente, com poucas oportunidades para pessoas não brancas entrarem nela", observa Sara Ziff, ex-modelo e fundadora da Model Alliance, organização sem fins lucrativos que visa promover os direitos dos trabalhadores no setor da moda. 

"Acho que o uso da IA para distorcer a representação racial e marginalizar modelos negros reais evidencia esse abismo preocupante entre as intenções declaradas do setor e suas ações reais", acrescenta.

Sara Ziff (Crédito: The Model Alliance)

As mulheres negras, em especial, têm enfrentado há muito tempo barreiras maiores para entrar no mercado de modelos, e a IA pode acabar com alguns dos ganhos que elas obtiveram. Os dados sugerem que as mulheres têm maior probabilidade de trabalhar em ocupações nas quais a tecnologia poderia ser aplicada e correm mais risco de substituição do que os homens.

Em março de 2023, a icônica marca de jeans Levi Strauss & Co. anunciou que testaria modelos gerados por IA produzidos pela Lalaland.ai para adicionar uma gama maior de tipos de corpos e grupos minoritários em seu site. 

A moda é excludente, com poucas oportunidades para pessoas não brancas entrarem.

Mas, depois de ser alvo de críticas generalizadas, a Levi's esclareceu que não pretendia abandonar sessões de fotos ao vivo, o uso de modelos ao vivo ou seu compromisso de trabalhar com modelos diversificados. No mês passado, a empresa disse que não pretende ampliar o programa de IA.

No entanto, as empresas que geram modelos de IA estão encontrando demanda para a tecnologia. É o caso, inclusive, da Lalaland.ai, que foi cofundada por Michael Musandu depois que ele se sentiu frustrado com a ausência de modelos de roupas que se parecessem com ele.

"Um modelo não representa todas as pessoas que estão realmente comprando e adquirindo um produto", diz ele. "Como uma pessoa negra, eu senti isso intensamente." Musandu diz que seu produto foi criado para complementar as sessões de fotos tradicionais, não para substituí-las. 

Em vez de ver uma única modelo, os compradores poderiam ver de nove a 12 modelos usando filtros de tamanhos diferentes, enriquecendo sua experiência de compra e ajudando a reduzir as devoluções de produtos e o desperdício na moda. 

A modelo Alexsandrah, que mora em Londres e é negra, diz que sua versão digital a ajudou a se destacar no setor da moda. Na verdade, a Alexsandrah da vida real chegou a substituir uma modelo negra gerada por computador chamada Shudu, criada por Cameron Wilson, um ex-fotógrafo de moda que se tornou CEO da The Diigitals, uma agência de modelos digitais.

Shudu (Crédito: The Diigitals)

Wilson criou Shudu – descrita no Instagram como "a primeira supermodelo digital do mundo" – em 2017. Mas, depois que os críticos reclamaram de apropriação cultural, Wilson transformou a The Diigitals para garantir que Shudu não tirasse oportunidades, mas sim abrisse portas para mulheres negras. Alexsandrah, por exemplo, posou pessoalmente como Shudu para a Vogue Austrália.

Na ausência de regulamentações sobre a inteligência artificial, cabe às empresas serem transparentes e éticas na implantação da tecnologia. Sara Ziff compara a atual falta de proteção legal para os trabalhadores da moda com "um faroeste". 

É por isso que a Model Alliance está pressionando por uma legislação como a que está sendo considerada no estado de Nova York. Nela, uma disposição da Lei dos Trabalhadores da Moda exigiria que as empresas de gestão e as marcas obtivessem o consentimento claro e por escrito do profissional para criar ou usar a réplica digital de um modelo.

A lei também exigirá que as marcas especifiquem o valor e a duração da compensação e que proíbam a alteração ou manipulação da réplica digital dos modelos sem consentimento.

Alexsandrah acredita que, com o uso ético e as regulamentações legais corretas, a IA pode abrir portas para mais modelos negros como ela.

Com a colaboração de Annie D’Innocenzio e Haleluya Hadero


SOBRE A AUTORA

Claire Savage é jornalista da Associated Press e cobre o tema mulheres e mercado de trabalho. saiba mais