O embate contra o racismo institucional constante no mercado

O debate do que é ser antirracista deve ser pautado em discussões dentro e fora das organizações

Crédito: Istock

Gilvana Viana 4 minutos de leitura

“Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência é roubar um pouco de bom que vivi.” 

AmarElo, Emicida

O racismo institucional está em todos os mercados, inclusive no criativo. Mas o que é racismo institucional? É um preconceito normalizado que impede profissionais pretos e pretas de ingressarem no mercado de trabalho em condições equitativas. É difícil digerir que “preconceito” e “normalizado” ocupam a mesma frase, mas é exatamente assim que funciona a nossa sociedade.

Ao longo do século 19, todo o processo do racismo estrutural, desde o início até o fim da escravidão, estabeleceu padrões de normalidade que contemplam a política, economia e subjetividade, e que condicionam a desigualdade que vivemos até hoje.

A pauta é desafiadora: abrir espaço para mais oportunidades e lideranças pretas no mercado de trabalho.

Muitas lutas foram travadas para que eu pudesse ocupar este espaço. Não é para falarmos do que as pessoas pretas têm enfrentado para chegar até aqui. A pauta que trazemos é sobre o que precisamos para que mais pessoas pretas alcancem o mesmo que profissionais pretos em C-Level – e são poucos, bem poucos.

A pauta é desafiadora: abrir espaço para mais oportunidades e lideranças pretas no mercado de trabalho, pois a conquista se repete com uma minoria de nós. Dados apresentados pelo IBGE apontam que 56% da população brasileira é preta, 53% dos que ocupam posições profissionais se encontram na base da pirâmide e 73% do total ganham em menos do que profissionais brancos.

Os números comprovam que o segmento da população preta sempre está destinado a cargos que não exigem um nível maior de conhecimento técnico e de formação, que ocorre através dos direitos que foram negados durante toda história, e que necessita muito além de ações afirmativas, como cotas raciais, a serem usadas como mecanismo de reparação histórica. As instituições precisam enxergar o seu dever.

A FUNÇÃO SOCIAL DO TRABALHO

Segundo um levantamento realizado pela LuviOne Holding de Investimentos, das 404 companhias listadas na B3, 59% não apresentam políticas de diversidade de gênero, étnica e de raça e apenas 16% de fato apresentam metas claras de inclusão. Destas, apenas 21 estabeleceram a inclusão racial.

Outra pesquisa, realizada pela Opinion Box em parceria com o Movimento Black Money em 2022, revela que, entre funcionários que se sentiram discriminados no trabalho, 28% das pessoas pretas sentiram que a empresa fez algo para resolver a questão, enquanto 40% dos profissionais brancos afirmam que a empresa tentou resolver a situação.

das 404 companhias listadas na B3, apenas 16% apresentam metas claras de inclusão.

Dados como esses, evidenciam que o racismo é uma estrutura com uma série de mecanismos que fazem com que pessoas brancas se mantenham em espaços de decisão. O trabalho possui, sim, uma função social, e as instituições não estão à parte do que ocorre na sociedade. O debate do que é ser antirracista deve ser pautado em discussões dentro e fora das organizações.

Precisamos de ações mais afirmativas com metas para termos empresas mais diversas, para que essa intervenção desconstrua as formas discriminatórias que foram naturalizadas pela sociedade.

Porém, o ideal é que lideranças ocupadas por profissionais pretos e pretas tomem o direcionamento dessas ações, para que a mudança seja transversal. E que, aos poucos, conquistemos esses espaços e possamos introduzir perspectivas, em diferentes áreas de atuação, que contemplam a nossa existência.

IDENTIDADE E REPRESENTATIVIDADE

O que está no DNA das empresas, reflete nas ações das marcas, e é nesse ponto que reafirmamos a importância da representatividade nos principais campos de atuação. Uma demonstração prática de como essa transformação se dá é a atuação da produtora Mugshot e sua trajetória no universo musical, despertando diversidade autêntica e equidade no mercado criativo e publicitário.

É evidente que a pouca representação da direção criativa, de

a compreensão de que existem inúmeras formas de relacionar raça e uma série de outras categorizações sociais é um caminho para trazer mais veracidade para a narrativa publicitária.

profissionais pretos, reflete no impacto da campanha que também tem pretos como público-alvo. Dentro dessa perspectiva, a produtora de som desenvolve seu próprio laboratório de ideias para criar projetos que unem música e transformação social, como, por exemplo, ter campanhas protagonizadas por artistas pretos.

Quando falamos de identidade e representatividade, a compreensão de que existem inúmeras formas de relacionar raça e uma série de outras categorizações sociais é um caminho para trazer mais veracidade para a narrativa publicitária. O olhar diverso de dentro das empresas ressalta o fomento a modelos de inspiração para futuras gerações, além de abrir caminhos.

Profissionais pretos que estão em posição de C-level compartilham da mesma ambição de gerar oportunidades que empoderam as reivindicações de quem carrega a mesma luta.

Estamos fartos de enfrentar condições que sempre desencadeiam a repetição de trajetórias difíceis para conquistar o que também nos pertence, e com nossa própria força estamos mudando a perspectiva da realidade dos nossos. A consciência racial reforça que apenas nossa luta histórica por igualdade é capaz de abrir caminhos para que oportunidades sejam alcançadas de maneira justa.

Que nossa resistência seja símbolo de força para que essas transformações se ampliem ainda mais. Nossa história reafirma o que desejamos ser, e o mundo em que nós, por direito, merecemos viver.


SOBRE A AUTORA

Gilvana Viana é cofundadora e CEO da produtora de som MugShot, responsável pelo podcast “Mano a Mano” e pela produção de trilhas de gr... saiba mais