A escalada feminina na indústria gamer mundial
Neste mês de março, já dedicamos espaço para falar sobre quão tóxico pode ser o ambiente gamer para as jogadoras, mostramos o contexto que faz dos times femininos menos valiosos que os times masculinos e agora é hora de analisarmos a concentração de mulheres nos diferentes cargos e setores que compõem a indústria gamer.
Não existem estudos globais que quantifiquem a presença feminina na indústria dos jogos eletrônicos, mas podemos coletar algumas pistas que nos ajudam a traçar os contornos desse cenário. Segundo a edição mais recente do relatório The CS Gender 3000, feito pelo Credit Suisse Research Institute, a porcentagem de mulheres nos boards aumentou 8,9 pontos percentuais, entre 2015 e 2021, em todo o mundo. A Europa e a América do Norte ocupam a dianteira global com, respectivamente, 34,4% e 28,6% de mulheres nos boards.
Quando olhamos especificamente para o setor de tecnologia da informação (TI), as mulheres ocupavam 11,2% das posições de diretoria de boards, em 2015. Em 2021, passaram a ocupar 20,1%. Mas, quanto mais subimos, menos mulheres encontramos. Segundo o relatório do Credit Suisse, o número de mulheres CEOs tem diminuído nos últimos anos quando olhamos para a área de TI. Em 2016, 9% dos cargos eram delas – o que já era muito pouco. Agora, apenas irrisórios 3% dos cargos de diretor executivo são preenchidos por mulheres.
A explicação para essa queda no setor de tecnologia, segundo os analistas do Credit Suisse, estaria no fato de que as companhias parecem mais focadas na diversidade LGBTQIA+ do que na guerra binária entre homens e mulheres pelos altos cargos de gestão. As empresas que atuam no setor de tecnologia apresentam melhores resultados no ranking que analisa as companhias globais mais LGBTQIA+ diversas do que no ranking que analisa apenas os gêneros feminino e masculino.
CENÁRIO BRASILEIRO
Do ponto de vista do cenário brasileiro, os dados mais recentes datam de 2018 e fazem parte do 2º Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, realizado pela consultoria Homo Ludens. Segundo o relatório, apenas 20,7% dos colaboradores das empresas que desenvolvem games no país são mulheres. Apesar da presença ainda tímida, essa porcentagem indica uma tendência de alta: no primeiro censo, o número absoluto de mulheres compondo essa força de trabalho era três vezes menor.
O NÚMERO DE MULHERES CEOS TEM DIMINUÍDO NOS ÚLTIMOS ANOS NA ÁREA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO.
A área com maior presença feminina é a de marketing e vendas, na qual elas representam 36,6% dos funcionários. Na sequência, aparece a área administrativo-financeira, com 28,6%, seguida pela de artes e design, onde 22,5% dos colaboradores são mulheres. A lanterna é a área de programação e gestão de projetos, com apenas 10,8% de mulheres.
Para que a discussão não fique restrita ao discurso do girl power (ou de uma jornalista mulher escrevendo esse texto), o que a diversidade de gêneros na indústria gamer proporciona para toda a comunidade? Para Érika Caramello, CEO da Dyxel Gaming e consultora de diversidade da Abragames (Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais), diversidade é sinônimo de inovação.
“O perfil do gamer brasileiro é uma mulher preta que joga no smartphone. Mas o consumo de jogos por esse público ainda é muito restrito aos jogos casuais, como os puzzles. Faltam grandes títulos de jogos AAA ou mesmo F2P (free to play) com mulheres pretas protagonistas”, afirma Érika.
Para ela, além da falta de representatividade nos enredos dos jogos, a predominância de homens brancos héteros cis reforça a estereotipização de jogos cujo objetivo final é a violência. “Diferentes visões de mundo trazem inovação em termos de narrativa, jogabilidade, trilha sonora, enfim, uma série de experiências que os jogos podem proporcionar. Não me admira, então, que os jogos independentes venham conquistando espaço, como é o caso do Dandara. Alguns grandes estúdios já se deram conta disso e estão fazendo um trabalho incrível, inserindo questões sociais de alto impacto, como The Last of Us (acessibilidade para pessoas cegas), God of War (o herói exercendo o papel de pai) e Tomb Raider (a protagonista menos sexualizada)”.
Érika completa apontando os impactos financeiros que a falta de diversidade pode acarretar para o mercado. Se os desenvolvedores são sempre os mesmos e desenvolvem os mesmos jogos, isso cria uma demanda reprimida, vinda de um público consumidor cada vez mais diverso. “Blockbusters dos games podem sofrer cada vez mais o efeito ‘Cauda Longa’, apontada por Chris Anderson, perdendo espaço para os jogos indies. E para mudar isso na indústria, a presença de perfis diversos em cargos de poder nas equipes é essencial”, acredita a executiva.
MAIS SORORIDADE
Bruna Soares, há nove anos na gigante Ubisoft, hoje ocupa o cargo de diretora global de parcerias. Ela é um bom exemplo da escalada de uma mulher dentro da indústria dos jogos digitais. Entrou no setor pela porta da comunicação, como assessora de PlayStation. Há quase uma década, mudou para a Ubisoft, onde passou pelas áreas de comunicação e trade marketing, até chegar ao setor dos negócios.
“Gostaria de ter encontrado mais mulheres pelo caminho, mas todas que encontrei foram importantes nessa jornada. No Brasil e no mundo existem mulheres muito importantes na indústria, muito generosas. Temos que pegar na mão de outras mulheres e nos ajudar” afirma Bruna, que hoje tem mais mulheres do que homens no seu time. No entanto, faz questão de ressaltar que todas foram escolhidas porque são, acima de tudo, competentes, e não “apenas” mulheres.
Para ela, fazer a indústria mais diversa é uma tarefa que passa, obrigatoriamente, pelos homens. Afinal, se são maioria, são fonte de grande parte das decisões. Érika Caramello destaca um movimento importante, já em curso, e que tende a contribuir para aumentar a participação feminina na indústria: a crescente presença de mulheres no setor de recursos humanos, necessária para a construção de políticas de compliance adequadas à recente legislação que inibe o assédio e promove grupos plurais.