Como o filme Duna se transformou em um libelo ao ambientalismo

O autor queria contar uma história sobre a crise ambiental em nosso próprio planeta, um mundo levado ao limite da catástrofe ecológica

Crédito: Fast Company Brasil

Devin Griffiths 5 minutos de leitura

Considerado um dos maiores romances de ficção científica de todos os tempos, “Duna” continua a influenciar a forma como escritores, artistas e inventores imaginam o futuro.

A obra-prima de Frank Herbert ajudou a romancista afrofuturista Octavia Butler a imaginar um futuro de conflito em meio a catástrofes ambientais. Ela inspirou Elon Musk a construir a SpaceX e a Tesla e a incentivar a humanidade a avançar em direção às estrelas e a um futuro mais sustentável.

Além do mais, é difícil não ver paralelos na franquia "Star Wars", de George Lucas, especialmente em seu fascínio por planetas desérticos e vermes gigantes. E, claro, não podemos deixar de mencionar as adaptações visualmente deslumbrantes do diretor Denis Villeneuve, “Duna: Parte Um” (2021) e “Duna: Parte Dois” (2024).

No entanto, quando o autor começou a escrever “Duna”, em 1963, seu foco não estava em deixar a Terra para trás, mas sim em salvá-la. Herbert queria contar uma história sobre a crise ambiental em nosso próprio planeta, um mundo levado ao limite da catástrofe ecológica.

Tecnologias que eram inimagináveis ​​há apenas 50 anos colocavam o mundo à beira de uma guerra nuclear e o meio ambiente à beira do colapso, enquanto gigantescas indústrias exploravam as riquezas do solo e lançavam fumaças tóxicas no céu.

O livro rapidamente se tornou um símbolo para o movimento ambientalista em ascensão e uma referência para o grande público sobre a emergente ciência da ecologia.

SABEDORIA INDÍGENA

No entanto, Herbert não aprendeu sobre ecologia na escola nem em sua carreira como jornalista. Ele se inspirou nas práticas de conservação das tribos indígenas do noroeste do Pacífico.

O autor aprendeu sobre elas através de dois amigos. O primeiro era Wilbur Ternyik, descendente do chefe Coboway, líder da tribo Clatsop, que acolheu os exploradores Meriwether Lewis e William Clark quando sua expedição chegou à costa oeste dos Estados Unidos, em 1805. O segundo, Howard Hansen, era professor de arte e historiador oral da tribo Quileute.

Crédito: Warner Bros.

Em 1958, Ternyik, que também era um ecologista de campo experiente, levou Herbert em um passeio pelas dunas do Oregon. Lá, ele explicou seu trabalho para construir grandes dunas usando gramíneas de praia e outras plantas com raízes profundas para evitar que a areia fosse soprada para a cidade vizinha de Florence – uma tecnologia de terraformação descrita detalhadamente em “Duna’.

O trabalho de Ternyik era parte de um esforço para restaurar paisagens danificadas pela colonização europeia, especialmente os grandes cais fluviais construídos pelos primeiros colonizadores.

Essas estruturas perturbavam as correntes costeiras e criavam vastas extensões de areia, transformando trechos da exuberante paisagem do noroeste do Pacífico em deserto. Um evento como este é retratado em “Duna”, mostrando o planeta central do romance, Arrakis, igualmente devastado por seus primeiros colonizadores.

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Já Hansen havia estudado de perto o impacto igualmente drástico que a exploração madeireira teve nas terras dos Quileute, na costa do estado de Washington.

Na obra de Herbert, os Fremens, um povo que vive nos desertos de Arrakis e que cuida de seu ecossistema e vida selvagem, personificam esses ensinamentos. Na luta para salvar seu mundo, eles combinam habilmente a ciência ecológica e as práticas indígenas.

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TESOUROS ESCONDIDOS NA AREIA

Mas o trabalho que teve o impacto mais profundo em Duna foi o estudo ecológico de Leslie Reid de 1962, "The Sociology of Nature" (A Sociologia da Natureza, em tradução livre). Nele, Reid explica ecologia e ciência dos ecossistemas para o público geral, ilustrando a complexa interdependência de todas as criaturas dentro do ambiente.

Nas páginas do livro de Reid, Herbert encontrou um modelo para o ecossistema de Arrakis em um lugar surpreendente: as ilhas de guano do Peru. Os excrementos acumulados de pássaros encontrados nessas ilhas eram um fertilizante ideal.

Local onde havia montanhas de esterco descritas como um novo "ouro branco" e uma das substâncias mais valiosas da Terra, as ilhas de guano tornaram-se, no final do século 19, o epicentro de uma série de guerras entre a Espanha e várias de suas antigas colônias, incluindo Peru, Bolívia, Chile e Equador.

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No cerne do enredo de Duna está uma batalha pelo controle da "especiaria", um recurso inestimável. Colhido das areias do planeta deserto, é tanto um tempero caríssimo para alimentos quanto uma droga alucinógena que permite a algumas pessoas dobrar o espaço, possibilitando a viagem interestelar.

Há alguma ironia no fato de que Herbert elaborou a ideia da especiaria a partir de excrementos de pássaros. Mas ele ficou fascinado com o relato cuidadoso de Reid sobre o ecossistema único e eficiente que produzia uma mercadoria valiosa, embora nociva.

Em rascunhos iniciais de "Duna", Herbert combinou várias etapas no ciclo de vida dos gigantescos vermes da areia, monstros do tamanho de campos de futebol que vagam pelas areias do deserto e devoram tudo em seu caminho.

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Herbert imagina cada uma dessas criaturas aterrorizantes começando como pequenas plantas que crescem em "trutas da areia" maiores. Eventualmente, elas se tornam imensos vermes que revolvem as areias do deserto, cuspindo especiaria na superfície.

REPERCUSSÕES DE “DUNA”

Após a publicação de “Duna”, em 1965, o movimento ambientalista abraçou o livro com entusiasmo.

Herbert discursou no primeiro Dia da Terra, na Filadélfia, em 1970. Na primeira edição do “Catálogo da Terra Inteira” – um famoso manual para ativistas ambientais –, o romance foi mencionado com a frase: “a metáfora é ecologia. O tema é revolução.”

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Nas cenas iniciais da primeira adaptação de Denis Villeneuve, Chani, uma Fremem interpretada por Zendaya, faz uma pergunta que antecipa a conclusão violenta do segundo filme: “quem serão nossos próximos opressores?”

O corte imediato para um Paul Atreides adormecido, o protagonista branco interpretado por Timothée Chalamet, reforça a mensagem anticolonial de forma direta. Na verdade, ambos os filmes elaboram habilmente os temas anticoloniais dos romances do autor.

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Infelizmente, sua crítica ambiental é suavizada. Espero que a mensagem ecológica de Herbert, que ressoou tanto com os leitores na década de 1960, seja resgatada em “Duna 3”.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Devin Griffiths é professor associado de inglês e literatura comparativa na USC Dornsife College of Letters, Arts and Sciences. saiba mais