Porcos podem ser doadores de órgãos para humanos? Infelizmente, não

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Brian Kateman 4 minutos de leitura

No início da semana, veio à público a notícia de que Rick Slayman, a primeira pessoa a receber um rim de porco transplantado, faleceu menos de dois meses após o procedimento. O hospital, Massachusetts General, declarou que não há evidências de que sua morte tenha sido resultado direto do transplante, mas ficou claro que a cirurgia não conseguiu prolongar significativamente a vida de Slayman.

Não é nenhuma surpresa, nem algo incomum, quando um procedimento médico experimental falha. É inevitável que surjam problemas ao longo do desenvolvimento de qualquer tipo de descoberta científica. Mas a morte de Slayman é apenas a mais recente de várias indicações de que os transplantes de órgãos entre espécies não estão funcionando. 

A comunidade científica estaria se saindo melhor se dedicasse tempo e recursos a algum outro caminho – um caminho que pudesse de fato ser uma solução de longo prazo. Slayman foi a primeira pessoa a receber um rim de porco, mas houve dois casos anteriores em que os pacientes receberam um coração de porco. Nenhum deles foi bem-sucedido. 

A transferência de órgãos entre espécies (xenotransplante) é uma ideia interessante. Em alguns dos casos experimentais, o corpo do paciente não rejeitou o órgão estranho – pelo menos, não imediatamente. 

Mas há poucas evidências de que esse procedimento pode realmente prolongar a vida de uma pessoa com falência de órgãos. Por isso, manter a criação de porcos para transplantes de órgãos é uma crueldade desnecessária, além de ser um desperdício de recursos e um desserviço aos pacientes. 

há alguns desenvolvimentos tecnológicos promissores em transplante de órgãos, que não têm nada a ver com animais.

Os cientistas curaram o câncer em ratos, mas ainda não vimos essa ciência ser aplicada com sucesso em pacientes humanos. Além disso, há riscos exclusivos do xenotransplante, como a transferência de doenças entre espécies (que pode, de fato, ter sido um fator contribuinte ou determinante no caso da morte do receptor de coração de porco). 

Já presenciamos os efeitos de várias doenças zoonóticas, e não parece sensato abrir uma nova via para a transferência de doenças entre espécies. Os testes em animais na medicina não são mais exigidos pela FDA (Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos dos EUA), em parte devido ao fato de que muitos testes em animais resultaram em poucas informações úteis – e, às vezes, até em informações enganosas – sobre como um medicamento afetará os seres humanos. 

PRECISAMOS DE MAIS DOADORES

Parte do problema é que simplesmente não há órgãos suficientes para atender às necessidades das pessoas com falência de órgãos. Os porcos surgem como uma alternativa em potencial que poderia ser ampliada sem limitações, já que nossa sociedade não exige o consentimento de animais não humanos para a doação de órgãos. Mas existem opções mais viáveis e mais éticas disponíveis.

Por exemplo, segundo o correspondente Vox Media Dylan Matthews, afirma que "conseguir 136 mil rins humanos para transplante todos os anos nos EUA é bem possível", se conseguirmos reformular as práticas de captação de órgãos de pessoas falecidas. Também podemos tentar incentivar mais pessoas saudáveis a doar um de seus rins.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, pouco mais de 62 mil pessoas estão na fila de transplante (de órgãos ou de tecidos). Em 2023, o país registrou a maior taxa de doadores de órgãos de sua história e bateu o recorde de transplantes, com 29 mil procedimentos (principalmente de fígado, coração, córneas, medula óssea e rins).

Além das doações de órgãos, há alguns desenvolvimentos tecnológicos promissores acontecendo neste momento na medicina de transplante de órgãos, e eles não têm nada a ver com animais. Um hospital em Seul criou recentemente uma traqueia artificial por meio de impressão 3D e, até o momento, todos os sinais apontam para um resultado bem-sucedido para o paciente. 

Em outros lugares, os cientistas estão procurando criar vasos sanguíneos de gelo para facilitar os transplantes de órgãos e aumentar a taxa de sucesso. Esses métodos utilizam ideias de ponta e eliminam completamente a questão da crueldade com os animais e os riscos do xenotransplante.

Parte do problema é que não há órgãos suficientes para atender às necessidades das pessoas que precisam.

Se pudéssemos fabricar órgãos funcionais sob demanda, personalizados de acordo com o corpo dos pacientes, imagine só os resultados. Pessoas com doenças graves não precisariam esperar anos em listas de doadores, podendo nunca chegar ao topo. 

Além disso, os hospitais e os programas de doação não precisariam lidar com a ética potencialmente complicada de determinar quem recebe um órgão de um doador humano e quem recebe um de um porco. 

Não faz sentido continuarmos experimentando um processo com desvantagens éticas tão claras e com tão poucos resultados. Já temos tecnologias mais novas e melhores. Por que não fazer uso delas?

Com informações da redação da Fast Company Brasil.


SOBRE O AUTOR

Brian Kateman é cofundador e presidente da Reducetarian Foundation, organização sem fins lucrativos dedicada a reduzir o consumo de ca... saiba mais