Educação financeira para crianças pode ajudar orçamento familiar

Tratar temas relacionados ao consumo e ao dinheiro na a sala de aula pode ajudar na conscientização desde cedo, fomentar a poupança e reduzir o endividamento

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Paula Pacheco 6 minutos de leitura

Em Caxias do Sul, a cerca de 120 quilômetros de Porto Alegre, uma parte dos estudantes da rede pública teve contato com um conteúdo diferente.

Além daqueles conteúdos que tradicionalmente são ensinados em disciplinas como português, matemática e ciências, as crianças fizeram uma imersão e aprenderam a se relacionar com as suas finanças.

O projeto surgiu no Procon da cidade gaúcha, que fez uma parceria com a prefeitura. Com a ajuda de informações preparadas pela própria equipe do órgão de defesa do consumidor, a equipe da autarquia passou a discutir a importância de entender e se relacionar bem com o tema das finanças desde cedo.

O QUE DEVERIAM FAZER ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS

Levar conceitos sobre finanças para a sala de aula faz parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - que norteia os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, as propostas pedagógicas das escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. O documento prevê o que os estudantes aprendam durante a educação básica, em diferentes disciplinas, conceitos sobre educação financeira.

No entanto, as experiências sobre a inclusão do conteúdo sobre finanças no currículo, em particular nas escolas públicas, ainda são pontuais. De tempos em tempos, o assunto entra na pauta de alguns candidatos a cargos no Executivo e no Legislativo, mas pouco se avançou até agora.

O estado de São Paulo é um dos exemplos recentes de adesão. Em 2024, a Secretaria da Educação do Estado acrescentou à matriz curricular aulas sobre o tema no currículo das três séries do Ensino Médio e dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental.

Segundo a pasta, cerca de um milhão de estudantes da rede estadual têm acesso semanal às aulas. Recentemente, a prefeitura de Boa Vista anunciou a implantação da nova disciplina na rede municipal no primeiro semestre deste ano.

OLIMPÍADA COM ALCANCE NACIONAL

No ano passado, o Tesouro Nacional, a B3, com o apoio do Ministério da Educação e do Banco Central, promoveram a Olimpíada do Tesouro Direto de Educação Financeira (Olitef). O projeto teve a participação do Tesouro Nacional e da B3. Com o apoio do Ministério da Educação e do Banco Central, o objetivo foi aumentar o interesse pelo assunto.

Ao todo, 9.005 escolas, representando 57% dos municípios brasileiros e 61.334 estudantes - do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental e da primeira série do Ensino Médio- aderiram à atividade.

A jornada de conhecimento em educação financeira do Olitef incluiu escolas, alunos e professores, que se capacitaram por meio de recursos didáticos especializados.

Entre os temas levados às salas de aulas estavam o passo a passo para o gerenciamento de recursos (ou seja, ganhos e gastos), como economizar o próprio dinheiro e os recursos da família e os tipos de investimento. Ou seja, abordagens com o objetivo de ensinar as crianças sobre como lidar com o dinheiro.

REALIDADE MOSTRA NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO

A economia é um reflexo do nível de educação financeira da população. Endividamento, inadimplência e capacidade de investir são alguns indicativos do índice de maturidade do relacionamento da sociedade com a renda.

Dados recentes da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostram que até o fim de 2024, 76,7% das famílias brasileiras apresentavam alguma dívida em seu nome. O número inclui tanto aquelas com pagamento em dia quanto os casos de inadimplência. Ou seja, a cada dez brasileiros, oito têm alguma dívida em seu nomes. Apesar do patamar, foi o menor percentual registrado no ano passado.

As dívidas das famílias em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), aponta a análise da CNC, estão em torno de 30%, "o que não é um percentual elevado quando comparado ao mercado americano, no qual as dívidas das famílias representam 72% do PIB dos Estados Unidos", avalia a confederação.

SEM EDUCAÇÃO, DÍVIDA CORRÓI RENDA

Ainda segundo a Peic, 20,6% das famílias brasileiras endividadas possuem 50% ou mais da sua renda comprometida com dívidas - o grupo de maior risco. O ano de 2024 foi o segundo período seguido com queda nesse indicador, o que indica a melhora nas condições de endividamento. Segundo a CNC, isso ocorre "tanto por conta de maior maturidade ao lidar com o endividamento quanto pelo aumento da renda".

A relação entre os brasileiros e os investimentos é outro indicativo de que há muito o que avançar na disseminação de informações sobre finanças desde a infância.

A sétima edição do Raio X do Investidor Brasileiro (feita pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, a Anbima, e o Datafolha) revela que apenas 37% da população investiam em produtos financeiro em 2023 (contra 36% em 2022). Os dados do ano passado ainda não foram compilados, mas a entidade acredita que seja possível chegar a 41%.

AÇÕES DA B3 PARA DIFUNDIR INFORMAÇÃO

A B3 tem um histórico de atuação em discussões sobre incentivos de políticas públicas sobre o mercado financeiro, passando pela educação financeira. Além do apoio recente à Olimpíada do Tesouro Direto de Educação Financeira, a bolsa paulista fez algumas ações com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo - como concurso, palestras nas escolas e visitas ao histórico prédio-sede.

Com o passar do tempo, as ações avançaram. "Começamos a trabalhar essa estratégia como política pública para estimular a construção do conhecimento desde a infância", cita Christiane Barriquelli, superintendente de Educação da B3. A evolução levou a bolsa a desenvolver uma plataforma de educação financeira para preparar os professores.

Pela experiência na área, Christiane é categórica ao dizer que não há idade certa para as crianças começarem a aprender sobre como lidar com o dinheiro. Há que se considerar, no entanto, que determinados conceitos podem levar mais tempo para serem absorvidos.

No Ensino Médio, por exemplo, que antecede a entrada de parte dos alunos no mercado de trabalho, é possível falar em sala de aula sobre como o dinheiro é ganho, como é gasto e o passo a passo para montar um orçamento.

REVISTA ENSINA NA SALA DE AULA

A advogada Graziela Lumertz, agente administrativa da prefeitura de Caxias do Sul lotada no Procon, tinha a experiência de ser contadora de histórias em escolas para adolescentes, combinando o tom lúdico e as atividades práticas. A partir daí, surgiu a ideia, com a ajuda de uma das estagiárias da equipe, de criar uma revista sobre educação financeira.

Conforme os trabalhados avançaram, o projeto do Procon amadureceu e o conteúdo se tornou um almanaque, compartilhado em sala de aula com crianças do terceiro ao quinto ano do Ensino Fundamental - primeiro, com escolas públicas parceiras.

"A história tem como ponto de partida o passeio da mãe e do filho pequeno no shopping e, a partir daí, desenvolvemos alguns conceitos que mostram a importância de se economizar.

Ao final, depois de toda a atividade, nosso objetivo é que o conteúdo vá além da sala de aula e faça parte do ambiente familiar, com a discussão sobre o tema também com os pais", diz Graziela.

Ao final, as crianças compreendem por meio de exemplos que, quando poupam dinheiro, podem comprar algo que desejam muito. A ideia é expandir o alcance e levar o almanaque a outras instituições de ensino interessadas em aderir ao movimento de ensino de finanças para crianças.


SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais