Nobel de Economia de 2023 desvenda a realidade da mulher no mercado de trabalho

Mulheres recebem menos depois que se tornam mães. Entrada da força feminina no mercado de trabalho não significou aumento salarial para elas, mostra Claudia Goldin

Claudia Goldin, ganhadora do prêmio Nobel de Economia de 2023

Redação Fast Company Brasil 5 minutos de leitura

A realidade da mulher no mercado de trabalho envolve fatores como sociedade, cultura, família, tempo.  A economista Claudia Goldin enfrentou a complexidade deste tema reunindo mais de 200 anos de dados. O resultado? O Nobel da Economia de 2023. E uma obra que capta as nuances das desigualdades de gênero no mundo profissional.

A professora de Harvard foi a primeira mulher a receber o prêmio sozinha – as últimas duas ganhadoras tinham dividido o Nobel de Economia com autores homens. O ineditismo faz parte da carreira da pesquisadora Em 1990, Goldin foi a primeira professora mulher no departamento de economia de Harvard.

Depois da chegada do primeiro filho, a disparidade salarial entre os gêneros sobe de 8% para 27%.

Desde o final dos anos 1980, ela analisa a desigualdade de gênero entre homens e mulheres. Publicado em 1991, seu livro  “Understanding the Gender Gap” (Entendendo a desigualdade de gêneros, em tradução livre) examinou as raízes das disparidades de gênero no mundo profissional.

Em suas publicações seguintes, ela aprofundou as pesquisas e analisou dados econômicos de mais de 200 anos para levantar uma linha do tempo da trajetória da mulher no mercado de trabalho.

O PESO DA MATERNIDADE

Historicamente, grande parte da disparidade salarial entre homens e mulheres poderia ser explicada por diferenças na educação e nas escolhas profissionais. Mas os dados mostraram um cenário diferente.

Embora a curva da educação formal das mulheres tenha subido no último século, a participação do mercado aconteceu em “U”. Mesmo quando passaram a fazer parte do contingente de trabalhadores, as mulheres seguiram recebendo menos do que os homens.

“Os homens estão desproporcionalmente disponíveis para encarar longas jornadas no trabalho, ao passo que as mulheres estão desproporcionalmente disponíveis para se dedicar a tarefas do lar”, afirmou Goldin em entrevista ao jornal El País publicada em 2019.

Isso vale, principalmente, quando a mulher vira mãe. Depois da chegada do primeiro filho, a disparidade salarial entre os gêneros sobe de 8% para 27%, mostrou a pesquisadora em seus levantamentos.

Crédito: Drazen Zigic/ Freepik

“Nunca teremos igualdade de gênero até que também tenhamos igualdade entre casais”, disse em entrevista ao "The New York Times" logo após receber o prêmio. Embora tenha havido “mudanças progressivas monumentais, ao mesmo tempo existem diferenças importantes” que muitas vezes estão ligadas ao fato de as mulheres fazerem mais trabalho em casa.

Claudia Goldin analisou mais de 200 anos de dados para traçar a trajetória da mulher no mercado de trabalho.

Segundo Goldin, a profunda diferença entre salários persiste “não porque homens e mulheres assumem profissões diferentes, mas porque as mulheres são penalizadas financeiramente por escolherem trabalhos com horários mais flexíveis dentro da profissão”.

De acordo com a Royal Swedish Academy of Science, o Nobel de Economia foi concedido a Claudia Goldin por seu trabalho ter avançado "na compreensão do funcionamento do mercado de trabalho para as mulheres”.

Para a sócia e cofundadora da Think Olga, Nana Lima, a pesquisa da economista fornece mais dados para apoiar as discussões de equidade de gênero. “É simbólico que seja uma mulher que tenha feito essa análise. Reforça a necessidade da perspectiva feminina em todas as áreas”, aponta a executiva.

EMPREGOS VORAZES E LICENÇA PATERNIDADE

De acordo com a pesquisa de Goldin, homens tendem a ser aceitos nos “empregos vorazes” – aqueles que demandam a presença completa do trabalhador para que ele seja promovido.

São aqueles cargos que exigem respostas em finais de semanas e nas férias, que exigem turnos à noite, viagens inesperadas, longas horas extras. Ocupações que pagam “desproporcionalmente a mais por hora”.

Por causa da exigência do cuidado em casa, mulheres tendem a deixar essas vagas de lado e apostam em trabalhos com carga horária flexível, que oferecem menos chances de promoção. “O que Goldin fez foi comprovar algo que o movimento feminista diz há muito tempo: que a sobrecarga, a responsabilidade do cuidado e a maternidade penalizam a carreira das mulheres”, afirma Nana Lima.

Igualar os ganhos de homens e mulheres significa mudar os papéis que cada um tem no lar. Em maio, durante uma entrevista ao IMF Podcast, do Fundo Monetário Internacional (FMI), Goldin comentou que “cuidar das crianças e dos idosos poderia ser feito pelo pai ou pelo marido”. Para isso, seria necessário que a porção masculina dedicasse menos tempo ao trabalho e mais tempo à família.

O termo “economia do cuidado” tem sido cada vez mais usado para falar sobre a carga não remunerada de trabalho que, normalmente, as mulheres dedicam à família. De acordo com o IBGE, as brasileiras dedicaram, em média, 9,6 horas a mais na semana que os homens aos afazeres domésticos e/ ou aos cuidados com pessoas. “Estamos sempre trabalhando, mas nem sempre somos remuneradas para isso”, diz a sócia da Think Olga.

homens tendem a ser mais aceitos nos “empregos vorazes” – que demandam maior presença do trabalhador para que ele seja promovido.

No Brasil, esse contexto é ainda mais complexo. Há 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai no registro. “Ou seja, não tem para quem passar a bola ali”, lembra Nana Lima. Serão mulheres que não chegarão aos “empregos vorazes”, com poucas chances de serem promovidas. É o reflexo de uma cultura em que a maternidade é compulsória, mas a paternidade é optativa. 

Claudia Goldin defende o estabelecimento de sistemas de apoio robustos para mães e pais, para que estes consigam dividir as tarefas e o tempo de trabalho. Apoio à licença parental, maior flexibilidade de horários e creches que funcionem por períodos mais longos ajudam.

Isso tudo, no entanto, não tem efeito se os homens não assumirem sua parte das tarefas em casa. E não tem efeito se as companhias seguirem privilegiando trabalhos “vorazes”.

Em entrevista ao podcast Social Science Bites, a laureada pelo Nobel de Economia acrescentou que, nesse cenário, tanto homens quanto mulheres perdem. Eles deixam de passar tempo com a família e elas ficam sem espaço para se dedicar à carreira.


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