É hora de revolucionar a contratação para empregos de tecnologia

Grande parcela da população permanece excluída desse território dominado por homens com diploma de graduação

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Mona Mourshed 4 minutos de leitura

Do setor bancário ao de artesanato, do comércio à prestação de serviços, não importa: conforme a digitalização avança, todas as empresas – e não apenas aquelas do Vale do Silício – estão sendo obrigadas a se tornar, também, empresas de tecnologia.

Só que, para preencher os cargos relacionados à digitalização, os empregadores precisam superar um problema crônico: parece que o primeiro degrau da escada dos trabalhos em tecnologia está quebrado.

Em todos os países, em todos os setores, as empresas reclamam que não conseguem encontrar os talentos iniciantes de que precisam. A grande contradição é que, apesar da necessidade urgente de ampliar o pool de talentos, grandes faixas da população – mulheres, grupos étnicos historicamente sub-representados e aqueles que não têm diploma na área – permanecem excluídas do que ainda é um território em grande parte masculino e de profissionais com nível superior. 

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Quem acompanha o noticiário deve ter percebido que duas tendências vêm sendo apontadas como possíveis soluções para esse problema. Uma delas é a contratação baseada em habilidades. As manchetes afirmam que esse movimento está se espalhando pelas grandes empresas.

Outra tendência mais recente é a rápida ascensão da inteligência artificial, que todos concordam que vai mudar tudo, mas que também deverá remodelar completamente as práticas tradicionais de recrutamento e contratação.

Mas não é simples assim. A verdade é que, embora mudanças possam realmente estar chegando, isso está acontecendo muito devagar. Como somos uma ONG global que treina e coloca alunos de todas as idades em carreiras que antes eram inacessíveis, testemunhamos o problema do pipeline de tecnologia em primeira mão, diariamente.

AUMENTO DOS REQUISITOS BÁSICOS

Fazendo uma análise mais geral, uma pesquisa recente que lançamos, feita com milhares de candidatos a emprego e empregadores em oito países, apontou pelo menos três razões pelas quais deveríamos implementar uma verdadeira revolução nas práticas de contratação de tecnologia.

Primeiro e mais preocupante, a pesquisa constatou que a maioria dos empregadores realmente passou a restringir as contratações nos últimos três anos: 61% disseram que, em busca de eficiência, colocaram como condição para os cargos iniciais em tecnologia uma nova experiência de trabalho ou novos requisitos de graduação, ou ambos.

as sociedades vão precisar que todos os segmentos da população participem plenamente da futura força de trabalho tecnológica para prosperar.

Em segundo lugar, isso se tornou um desafio global. Empregadores em países de renda média – representados em nossa pesquisa por Brasil, México e Índia – tornaram-se ainda mais dependentes de contratações com base em diplomas de graduação e experiência de trabalho para cargos de nível básico em tecnologia, se comparados aos seus equivalentes de países ricos. Quase 70% dos empregadores disseram que agora exigem um diploma universitário além de experiência de trabalho, contra 45% nos países mais ricos.

Por último, os dados ressaltam que a necessidade de mudança é maior do que nunca – e ajudam a entender o porquê. A evidência vem de 24% dos empregadores que relataram que não exigem mais diploma ou experiência de trabalho específicos. Eles abandonaram completamente esses pré-requisitos e se voltaram para uma combinação de avaliações “baseadas em demonstrações de habilidades”, que incluem programas de certificação, entrevistas técnicas e outras ferramentas.

Quase 60% dos que adotaram essa nova forma de contratar testemunharam um aumento no número de candidatos, com uma diversidade muito maior. E o que é melhor: a redefinição dos critérios seletivos não alterou em nada o desempenho, pelo contrário.

Fonte: Pesquisa Tech Hiring Revolution/ Generation

Nada menos que 84% desta minoria pioneira relataram que os funcionários que eles contrataram para cargos de nível básico depois das mudanças no processo seletivo tiveram um desempenho tão bom ou melhor do que aqueles contratados usando métodos mais tradicionais para definir a aptidão para um trabalho (diplomas e experiência anterior).

O que será, então, que está impedindo tantas empresas de abraçar a mudança? Como observou certa vez o economista John Maynard Keynes sobre mudanças institucionais, “a dificuldade não está tanto em desenvolver novas ideias, mas sim em abandonar as antigas”.

Fonte: Pesquisa Tech Hiring Revolution/ Generation

Para muitos empregadores, optar por tentar fazer essa alteração exigirá mais argumentos do que o tipo de dados que nossa pesquisa fornece. Eles também exigem maior clareza sobre como essas ideias funcionam na prática.

Não temos a pretensão de trazer a fórmula perfeita, mas acreditamos que alguns ingredientes fundamentais são:

- Confiar em certificações e outros comprovantes baseados em habilidades para selecionar candidatos;

- Usar avaliações técnicas para classificá-los ao longo do funil;

- Promover contratações mais diversificadas para minimizar o papel que o viés oculto pode desempenhar na etapa final da entrevista.

Nos próximos meses, esperamos aprender mais, formando uma coalizão global de empresas para testar e compartilhar ideias sobre a melhor forma de reprogramar o processo de contratação. Para as empresas, para os futuros colaboradores, para todos nós, a aposta não poderia ser mais empolgante.

Conforme o mundo vai sendo remodelado pela rápida mudança tecnológica, as sociedades vão precisar que todos os segmentos da população participem plenamente da futura força de trabalho tecnológica para prosperar. Temos que fazer isso direito. E tudo começa naquele primeiro degrau.


SOBRE A AUTORA

Mona Mourshed é a fundadora e CEO da ONG de emprego e capacitação profissional Generation. saiba mais