A indústria de IA explora trabalhadores. O que  fazer para torná-la mais justa?

Muitas empresas estão cortando custos, o que afeta aqueles que estão na base da cadeia de suprimentos de IA e que, em geral, são altamente vulneráveis

Créditos: SeventyFour/ iStock

Ganna Pogrebna 4 minutos de leitura

Em fábricas empoeiradas, cibercafés apertados e escritórios domésticos improvisados ao redor do mundo inteiro, milhões de pessoas se sentam em frente aos seus computadores e passam horas classificando dados de maneira monótona e cansativa.

Esses trabalhadores são a força vital do crescente setor de inteligência artificial. Sem eles, produtos como o ChatGPT simplesmente não existiriam. Isso porque os dados que esses profissionais classificam ajudam os sistemas de IA a “aprender”.

Mas, apesar da contribuição vital que essa força de trabalho faz para um setor que deve valer US$ 407 bilhões até 2027, as pessoas que a compõem são em grande parte invisíveis e frequentemente exploradas. 

No início deste ano, cerca de 100 classificadores de dados e trabalhadores de IA do Quênia, que trabalham para empresas como Facebook, Scale AI e OpenAI, publicaram uma carta aberta ao presidente Joe Biden na qual afirmaram que “as condições de trabalho equivalem à escravidão moderna”.

Para garantir que as cadeias de suprimentos de IA sejam éticas, o setor e os governos precisam resolver esse problema com urgência. Mas a principal questão é: como?

O QUE É ROTULAGEM DE DADOS?

A classificação de dados é o processo de análise de dados brutos, como imagens, vídeos ou textos, para que os sistemas de IA possam reconhecer padrões e fazer previsões. Os carros autônomos, por exemplo, dependem de imagens de vídeo devidamente classificadas para distinguir pedestres de placas de trânsito. Grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT, dependem de texto classificados para entender a linguagem humana.

Esses conjuntos de dados classificados são a força vital dos modelos de IA. Sem isso, eles não conseguiriam funcionar. Gigantes da tecnologia, como Meta, Google e OpenAI, terceirizam grande parte desse trabalho para fábricas de classificação de dados em países como Filipinas, Quênia, Índia, Paquistão, Venezuela e Colômbia. A China também está se tornando outro centro global de classificação de dados.

As empresas de terceirização que facilitam esse trabalho incluem Scale AI, iMerit e Samasource. Essas empresas são muito grandes por si só. Por exemplo, a Scale AI, que tem sede na Califórnia, está avaliada em US$ 14 bilhões.

apesar da sua contribuição vital, as pessoas que compõem essa força de trabalho são invisíveis e, frequentemente, exploradas.

As principais empresas de tecnologia, como Alphabet (controladora do Google), Amazon, Microsoft, Nvidia e Meta, investiram bilhões em infraestrutura de IA, incluindo desde potência computacional e armazenamento de dados até tecnologias computacionais emergentes.

Os modelos de IA em grande escala chegam a custar dezenas de milhões de dólares para serem treinados. Uma vez implantados, a manutenção desses modelos requer investimento contínuo em classificação de dados, refinamento e testes no mundo real.

Mas, embora o investimento em IA seja significativo, as receitas nem sempre atendem às expectativas. Muitos setores continuam a ver os projetos de IA como experimentais, com caminhos de lucratividade pouco claros.

Em resposta a isso, muitas empresas estão cortando custos, o que afeta os classificadores de dados, que estão na base da cadeia de suprimentos de IA e que, muitas vezes, são altamente vulneráveis.

SALÁRIOS BAIXOS, CONDIÇÕES PRECÁRIAS

Uma das maneiras pelas quais as empresas envolvidas na cadeia de suprimentos de IA tentam reduzir os custos é empregando um grande número de classificadores de dados em países do Sul Global, como Filipinas, Venezuela, Quênia e Índia. Os trabalhadores desses países estão com salários estagnados ou em queda.

Por exemplo, a hora de trabalho na Venezuela varia entre US$ 0,90 e US$ 2. Nos EUA, esse valor varia de US$ 10 a US$ 25 por hora. Nas Filipinas, os trabalhadores que classificam dados para empresas multibilionárias geralmente ganham muito menos do que o salário mínimo. Alguns recorrem até mesmo ao trabalho infantil.

TORNANDO AS CADEIAS DE SUPRIMENTOS DE IA ÉTICAS

À medida que o desenvolvimento da IA se torna mais complexo e as empresas se esforçam para maximizar os lucros, a necessidade de cadeias de suprimentos éticas é urgente. 

Uma forma de as empresas ajudarem a garantir isso é aplicando a toda a cadeia de suprimentos de IA uma concepção, deliberação e estratégia de supervisão centradas nos direitos humanos. Elas devem adotar políticas salariais justas, garantindo que os classificadores recebam salários dignos, que reflitam o valor de sua contribuição para o setor.

Ao incorporar os direitos humanos à cadeia de suprimentos, as empresas de IA podem promover um setor mais ético e sustentável, garantindo que tanto os direitos dos trabalhadores quanto a responsabilidade corporativa estejam alinhados com o sucesso de longo prazo.

Como usuários de produtos de IA, todos nós podemos defender práticas éticas, apoiando empresas que sejam transparentes sobre suas cadeias de suprimentos e que se comprometam com o tratamento justo dos trabalhadores. 

Da mesma forma que recompensamos os fabricantes de produtos físicos sustentáveis e de comércio justo, podemos pressionar por mudanças escolhendo serviços digitais ou aplicativos que sigam os padrões dos direitos humanos, promovendo marcas éticas por meio das redes sociais e exigindo a prestação de contas por parte dos gigantes da tecnologia.

Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Ganna Pogrebna é cientista de dados comportamentais, teórica da decisão, educadora, e escritora e diretora executiva do Instituto de F... saiba mais