Nem tudo é epidemia de solidão: ficar sozinho pode ser uma coisa boa

Para algumas pessoas, o movimento em direção à solidão representa um desejo de “solidão positiva”, um estado associado ao bem-estar — e não ao isolamento

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Virginia Thomas 5 minutos de leitura

Nos últimos anos, especialistas têm ligado o alarme para sinalizar que as pessoas estão passando tempo demais sozinhas. De fato, a solidão e o isolamento são problemas sociais que merecem atenção séria, especialmente porque estados crônicos de solidão estão ligados desfechos negativos, como depressão e redução da expectativa de vida.

Mas há um outro lado dessa história que merece um olhar mais atento. Para algumas pessoas, o movimento em direção à solidão representa um desejo de algo que os pesquisadores chamam de “solidão positiva” – um estado associado ao bem-estar, e não à solidão propriamente dita.

Como psicóloga, passei os últimos 10 anos pesquisando por que as pessoas gostam de estar sozinhas – e também passei um bom tempo sozinha. Por isso, também conheço profundamente as alegrias da solidão.

Minhas descobertas se somam a uma série de outras que documentaram uma longa lista de benefícios obtidos quando escolhemos passar tempo com a gente mesmo, desde oportunidades para recarregar as energias e promover o crescimento pessoal até momentos para se conectar com as emoções e com a criatividade.

Por isso, faz sentido para mim que as pessoas escolham morar sozinhas assim que sua situação financeira permite e, quando questionadas sobre por que preferem jantar sozinhas, respondam simplesmente “quero mais tempo para mim.”

Mas por que esse lado da história costuma se perder em meio aos alertas sobre isolamento social? Acho que isso tem a ver com uma ansiedade coletiva sobre estar sozinho.

O ESTIGMA DA SOLIDÃO

Essa ansiedade vem, em grande parte, da forma como nossa cultura vê a solidão como algo negativo. Nesse tipo de pensamento, o desejo de estar sozinho é visto como algo antinatural e prejudicial, algo a ser temido ou lamentado, em vez de valorizado ou encorajado.

Esse tipo de viés molda as crenças das pessoas, com estudos mostrando que adultos e crianças julgam claramente quando é – e, mais importante, quando não é – aceitável que seus colegas estejam sozinhos.

Isso faz sentido, considerando que nossa cultura exalta a extroversão como o ideal e até como a base do que é “normal”. As marcas da extroversão incluem ser sociável e assertivo, expressar mais emoções positivas e buscar mais estímulos. Já a personalidade oposta  – os introvertidos, mais reservados e avessos ao risco  – não são bem vistos.

Quando se usa a solidão do jeito certo, nos sentimos mais livres e mais conectados com quem realmente somos.

A maioria de nós foi condicionada a desenvolver essa característica, e quem a cultiva costuma ser recompensado social e profissionalmente. Nesse contexto cultural, preferir ficar sozinho carrega um estigma.

Mas o desejo por solidão não é patológico, e não é exclusivo dos introvertidos. Nem significa, automaticamente, isolamento social ou uma vida solitária. Na verdade, os dados não confirmam totalmente os temores atuais sobre uma “epidemia de solidão”.

Ou seja, embora as pessoas estejam, de fato, passando mais tempo sozinhas do que gerações anteriores, não está claro se estamos realmente mais solitários. Apesar das preocupações com os membros mais velhos da sociedade, pesquisas mostram que idosos são mais felizes na solidão do que a narrativa dominante faz parecer.

REDES SOCIAIS NÃO DEIXAM FICAR SOZINHO

No entanto, os benefícios da solidão não aparecem automaticamente sempre que nos afastamos um pouco dos outros. Eles surgem quando estamos verdadeiramente sós – quando, intencionalmente, reservamos tempo e espaço para nos conectarmos com a gente mesmo – e não quando estamos sozinhos diante de uma tela.

Minha pesquisa revelou que os efeitos positivos da solidão sobre o bem-estar têm muito menos chance de se manifestar quando passamos a maior parte desse tempo a sós olhando para uma tela, em especial navegando passivamente pelas redes sociais.

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É aí que acredito que a ansiedade coletiva está bem fundamentada – especialmente a preocupação com os jovens adultos, que cada vez mais trocam o convívio social presencial por uma vida virtual e que podem acabar enfrentando grande sofrimento por causa disso.

Redes sociais, por definição, são sociais. Está no nome. Não podemos estar verdadeiramente sós quando estamos nelas. Além disso, não se trata do tipo de “tempo para si” que, suspeito, muitas pessoas estão ansiando.

A verdade é que interação social em excesso é desgastante.

Ficar sozinho é voltar o olhar para dentro. É um momento para desacelerar e refletir. Um tempo para fazer o que quisermos, e não para agradar os outros. Um tempo para estarmos emocionalmente disponíveis para nós mesmos, e não para os outros.

Quando se usa a solidão dessa maneira, os benefícios aparecem: sentimos descanso e renovação, ganhamos clareza e equilíbrio emocional, nos sentimos mais livres e mais conectados com quem realmente somos.

Mas, se somos viciados em estar ocupados, pode ser difícil desacelerar. Se estamos acostumados a olhar para uma tela, pode ser assustador olhar para dentro. E se não temos as ferramentas para validar a solidão como uma necessidade humana normal e saudável, acabamos desperdiçando esse tempo a sós nos sentindo culpados, estranhos ou egoístas.

RESSIGNIFICAR O "FICAR SOZINHO"

As pessoas escolherem passar mais tempo sozinhas representa, sim, um desafio ao roteiro cultural vigente, e o estigma da solidão pode ser difícil de romper. Mas um número pequeno (porém crescente) de pesquisas indica que é possível – e saudável – ressignificar a forma como pensamos a respeito da solidão.

Por exemplo, ver a experiência de ficar sozinho como algo benéfico tem se mostrado eficaz para aliviar sentimentos negativos relacionados à solidão. Pessoas que percebem seu tempo sozinhas como “cheio” em vez de “vazio” têm mais chances de considerá-lo significativo, usando esse tempo para autorreflexão ou conexão espiritual.

pequena torre de pedras com mar ao fundo
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Mesmo algo tão simples quanto uma mudança de linguagem – substituir “isolamento” por “tempo para mim mesmo(a)” – faz com que as pessoas vejam os momentos de ficar sozinho de forma mais positiva, o que provavelmente afeta também a forma como seus amigos e familiares os percebem.

É verdade que, se não temos uma comunidade de relações próximas para a qual retornar depois de estarmos sozinhos, a solidão pode levar ao isolamento social. Mas também é verdade que interação social em excesso é desgastante, e essa sobrecarga afeta negativamente a qualidade dos nossos relacionamentos.

Assim como a conexão com os outros é essencial para o nosso bem-estar, a conexão com a gente mesmo também é.

Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Virginia Thomas é professora assistente de psicologia na Faculdade Middlebury. saiba mais