Maternidade e o mito do equilíbrio entre vida pessoal e profissional

Muitas vezes, as complexidades da maternidade e da vida profissional são reduzidas a estereótipos que buscam diminuir a mulher, em vez de exaltá-la

Crédito: selimaksan/ Getty Images

Amanda Cottrell e Lindsay Ferguson 4 minutos de leitura

A pergunta foi feita de maneira inocente: "o que você quer ser quando crescer?". A filha de Lindsay, após uma breve pausa, olhou para cima e respondeu, cheia de confiança: "quero ser cliente."

A simplicidade da resposta ocultava a complexidade do que ela havia observado: os clientes sempre pareciam receber a melhor versão de sua mãe. Na mente criança, ser cliente significava ocupar um lugar especial – que exige foco, cuidado e um compromisso inabalável.

Como duas mães trabalhando no setor jurídico em tempo integral, aquele momento não passou despercebido por nós. Ele revela uma verdade frequentemente ignorada nas narrativas sobre mulheres que trabalham fora, especialmente aquelas que buscam equilíbrio entre vida e pessoal e profissional, entre a carreira e a família.

Por trás da fina camada do “dar conta de tudo”, conhecemos muito bem os sacrifícios feitos em silêncio e as concessões que caracterizam esse equilíbrio.

O destaque pode estar em nossas conquistas profissionais, mas, nas sombras, nossos filhos esperam por nossa atenção, muitas vezes competindo com as exigências de uma profissão que raramente abre espaço.

O PESO DA EXPECTATIVA

Muitas vezes, as complexidades da ambição, da maternidade e do dever profissional são reduzidas a estereótipos que buscam diminuir, em vez de exaltar a mulher.

É uma história conhecida, a noção de que uma profissional com poder e responsabilidade, na certa, está falhando em outra área. Ou que sua identidade como mãe ou parceira é, de alguma forma, incompatível com sua carreira. Essas narrativas, ainda que sutis, pesam nos ombros das mulheres.

É preciso compreender que, às vezes, será preciso pausar uma parte da vida para dar espaço à outra.

O que isso realmente significa? Que a diligência e a tenacidade que dedicamos à carreira são idênticas à dedicação que oferecemos às nossas famílias. Significa que as longas horas dedicadas ao trabalho contrastam com os momentos silenciosos em casa, onde os desafios são igualmente importantes, ainda que medidos em abraços em vez de veredictos.

Significa que, apesar das representações unidimensionais das mulheres em posições de liderança, somos mais do que isso. Somos multifacetadas, resilientes e profundamente comprometidas tanto com a profissão quanto com nosso papel como mães.

VIVENDO COM A TENSÃO DE EQUILIBRAR VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL

O caminho da mãe trabalhadora exige um balanceamento constante de prioridades, onde carreira e família disputam atenção em igual medida, cada uma trazendo sua própria forma de culpa.

A ideia de equilíbrio entre vida pessoal e profissional é uma falácia. Pelo menos, isso é o que aprendemos ao longo dos anos tentando conciliar carreira e maternidade. Na verdade, trata-se de uma série constante de concessões e ajustes, levando-nos a compreender que cada dia é único.

Já não há uma divisão clara entre “trabalho” e “vida”. As manhãs costumam começar cedo, trabalhando antes que o resto da casa acorde. Muitas vezes, trabalhamos com um olho no relógio, calculando os minutos até sair correndo do escritório para ir a um evento escolar ou esportivo.

mãe trabalha na mesa da sala ao lado de dois filhos fazendo o dever de casa
Crédito: Drazen Zigic/ Freepik

Ou então há aqueles dias em que um filho está doente e não há ninguém para cuidar dele, tornando a ideia de equilíbrio quase cômica. Isso nos força a redefinir o que significa sucesso: não é ser perfeita, mas ser resiliente e flexível.

Trata-se de aceitar os dias que parecem um caos controlado e compreender que, às vezes, será preciso pausar uma parte da vida para dar espaço à outra.

Quando nossas filhas nos veem em ação, elas não testemunham apenas o poder, a graça e a postura exigidos por nosso lado profissional; elas percebem o peso dessa responsabilidade, o esforço e a dedicação necessários para oferecer o melhor de nós tanto para nossos clientes quanto para nossos filhos.

AS LIÇÕES QUE ENSINAMOS

Quando crianças, sonhávamos em ser advogadas, mães ou ambas, imaginando esses papéis como os marcadores definitivos de sucesso e felicidade. Nossas filhas, no entanto, cresceram nos observando lidar com as realidades dessas escolhas, e os sonhos delas são diferentes.

Nossa trajetória nos ensinou que a felicidade, a verdadeira felicidade, não está em ser cliente. Não se trata da conquista, mas do caminho que percorremos, do esforço para dar o nosso melhor tanto para nossas carreiras quanto para nossos filhos.

Nossas filhas podem querer ser “clientes” hoje, mas esperamos que, com o tempo, elas compreendam que a verdadeira realização não vem de estar no centro das atenções, mas de viver e prosperar equilibrando os diferentes aspectos de nossas vidas.


SOBRE A AUTORA

Amanda Cottrell é advogada de litígios e sócia do grupo de Prática de Litígios Empresariais da Sheppard Mullin. Lindsay Ferguson é sóc... saiba mais